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Matt Elliott
Um niilista carpe diem


Deitámos Matt Elliott no nosso divã, mas não psicanalisámos ou fomos psicanalisados. A conversa, nada clínica, desmistificou o peso da sua música através da leveza da racionalidade, realçando, simultaneamente, o poder que a aceitação da vida tal e qual como ela é pode fazer pela nossa saúde mental. Já longe da mente, mas próximo do coração, o artista passa os olhos pelo trabalho, e os ensinamentos que dele retirou, desenvolvido com Yann Tiersen e o sentimento de “prazer de palco” que foi beber à noite com Mogwai. Disto e de inspiração se fez entrevista e nela, para além do já sublinhado, veio, também, The Calm Before, registo, ainda a cheirar a novo, que Matt trouxe a Lisboa no passado mês de Março. Se lá o levou, de lá o trouxe, mas desta feita, trazia mais qualquer coisa consigo, gratidão. Tempo ainda para inspiração. Inspiração a que se refere como “mística”. Eis o niilista Matt Elliott.
O que é que te levou, acreditando que exista algo, a dar o salto para uma carreira a solo?

Bem, sempre fui, no geral, um artista a solo depois de Ghost. A mudança de nome deveu-se, em parte, porque me queria permitir fazer algo diferente do que havia feito com os Third Eye Foundation sem as expectativas que isso acarretaria. Doze anos depois ainda me continuo a fazer essa pergunta…

Quão difícil foi?

Foi bastante difícil. Quase desistia a meio da primeira tournée porque a responsabilidade era enorme. Só após fazer TannedTin, em Espanha, é que me apercebi. Por alguma razão desconhecida, as pessoas adoravam o que estava a fazer e, então, decidi continuar.

Trabalhaste com Yann Tiersen e Mogwai, para apenas nomear alguns. O que é que estas colaborações aportaram à tua música? O que é que nos pretendes transmitir com a tua música?

É verdade que trabalhei com o Yann, conheço Mogwai e passei um par de noites realmente interessantes com eles mas nunca trabalhamos juntos. O Yann deu-me a conhecer a importância de “tempo”, enquanto Mogwai ensinou-me a sentir “o sair do palco” (na altura estava com os Third Eye Foundation e era bastante difícil fazer concertos). Quando eles (Mogwai) saiam do palco existia fogo nos seus olhares e felicidade nos rostos. Agora, sinto o mesmo depois de um bom concerto. É um sentimento maravilhoso.

Quando o assunto é música, as definições soam, usualmente, a cliché. Quando alguém se refere à tua música como “dark folk” é apenas conversa ou existe um fundo de verdade nisso?

É-me muitas vezes pedido que descreva a minha música. Digo apenas que é dark, ou sad folk, porque não me compete descrever a música que faço…

© Léa Jiqqir

Como é o teu processo criativo? Em que te inspiras?

Qualquer coisa, literalmente. Uns belos nimbos, uma situação ou conversa, os relacionamentos que construímos e aqueles que se destroem… Como artista tu absorves tudo isto e depois cospe-o quando chega altura certa. É muito difícil de explicar. A inspiração é mística. Variadas vezes parece que ela vem de outro lado qualquer e tu és apenas um condutor. Aparentemente, este é um sentimento comum a vários artistas.

O que podemos esperar do teu novo álbum The Calm Before? De que modo ou modos, se diferencia dos anteriores?

The Calm Before é, apenas, a continuação de um caminho que tenho vindo a calcorrear…

Já levaste o novo álbum a diversos países. Como tem sido o acolhimento?

A tour tem sido exaustiva mas esplêndida. Sou um sortudo em ter um público tão generoso e leal.

Tocaste, recentemente, na Casa Independente em Lisboa. O que te apraz dizer sobre o concerto?

Foi esplendoroso, maravilhoso, cheio de pessoas entusiásticas e participativas. O local é tremendo e o staff tratou bem de mim…

© Léa Jiqqir

Existe um intenso sentido de profundidade nas tuas letras, a que se junta um sentimento de descrença, até na “luz do sol”. A minha pergunta é: Acreditas que tudo é caos, uma visão niilista, ou é apenas uma questão de estética, algo que beneficia o processo de composição?

Sou niilista. Todos iremos morrer e, daqui por 100 anos, ninguém se lembrará ou sequer se importará que tenhamos existido. Estes são os factos. Tudo é transiente, tudo isto é um facto, mas os factos não têm de ser negativos. Tudo o que significa é “aproveita o momento, faz coisas, experiencia a vida e tudo o que ela tem para oferecer”. As minhas canções são tristes, mas eu não sou uma pessoa triste a tempo inteiro. Gosto de rir, de fazer piadas, tento, sobretudo, ver, experienciar e aprender com as coisas boas e más. Não raras vezes, as pessoas tentam, mas não conseguem, esconder as partes más da vida. Tens de aceitá-las. A vida torna-se muito mais fácil a partir do momento em que o fazes.

A bio da tua página oficial no Facebook refere a Psicologia Musical e a Política como alguns dos teus interesses. Terá isto a ver com a minha questão anterior? É tua intenção psicanalisar os teus ouvintes através da música?

Não psicanaliso ninguém, excepto eu próprio. Tenho muito interesse na Psicologia, estudei-a a um nível básico, e vou-me mantendo informado em relação aos últimos desenvolvimentos na área de Psiquiatria. Muitas vezes, os psiquiatras, dizem coisas em que eu já tinha matutado, a saber: a) – a maioria, se não a totalidade das pessoas, sofrem de alguma forma de depressão clínica; b) – isto é uma reacção normal da sociedade que construímos, cheia de negatividade.

A minha última pergunta é muito simples ou até naïf. Sentes-te livre ao fazer música?

Sim, claro. Sou uma das pessoas mais livres que conheço. Tenho imensa sorte em poder fazer o que faço, mesmo que se torne gradualmente mais difícil ser-se músico profissional.


Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
05/05/2016