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Acid Acid
We call it acieed


Conhecemo-lo sobretudo da Radar, das suas Florestas Encantadas, dos seus Álbuns de Família. Iremos passar a conhecê-lo também de Acid Acid, projecto recém-formado com vista para outros mundos coloridos, através de sintetizadores, guitarras e o que mais vier. Tiago Castro não é um caso raro - há imensas histórias de jornalistas ou divulgadores musicais que, a dada altura das suas vidas, optam também eles por começar a fazer aquilo que mais amam - mas não estamos a falar de um gimmick; Acid Acid apresenta-se realmente com uma sonoridade fresca, pronta a conquistar aqueles que tiverem o discernimento de o escutar. Apanhámo-lo junto aos WCs da área VIP do Reverence Valada e estivemos à conversa com ele.
Aproveitemos, já que estamos aqui. Qual é que foi o teu melhor momento numa casa de banho?

[risos] Epá, isso é uma bela questão. Já tive belos momentos numa casa de banho. Por acaso, não sei...

Momentos fisiológicos, sexuais...

Sexuais não posso dizer, mas fisiológicos... São sempre bons.

És daquelas pessoas que costuma ler na casa-de-banho? E ouvir música?

Não, não... O feed do Facebook, talvez. [risos]

Como é que alguém passa do jornalismo para a música?

Eu já tocava antes de ser jornalista, mas eu percebo [essa questão]... É muito complicado.

Porque a maior parte das pessoas que te conhece é como locutor da Radar.

Claro, sim, pois... É complicado. Eu quando era adolescente tinha bandas de garagem, toquei guitarra e baixo, e aquilo depois ficou pelo caminho... E depois comecei a trabalhar. Trabalhar com a música abre de facto muitos horizontes, tu ouves de tudo e é um bocado estranho quando depois vais tocar, [não sabes] o que é que vais fazer. Mas pronto, aconteceu agora há relativamente pouco tempo, porque fui desafiado para tocar.

Portanto, esse trabalho acabou por puxar o "bichinho" para começares a tocar outra vez, sem ser nas bandas de adolescência.

Sim, sim. Eu tinha os instrumentos em casa e sempre os toquei, mas tinha já instrumentos muito baratos, tipo os órgãos; já não tocava neles há muito tempo, ou ia lá de vez em quando dar uns toques. Já estavam com pó. As guitarras também ia dando uns toques. Nunca saíam do quarto; tinha já umas gravações caseiras, para experimentar, [mas] já há muito tempo que não lhes pegava. E de facto é estranho assumir uma cena musical, um grupo, vá, a solo, e ter que levar tudo aquilo que eu sei de música.

Sendo uma pessoa que ganha a vida a falar sobre música, és muito mais crítico em relação ao teu trabalho do que serias se não escrevesses?

Claro, claro. Sempre com dúvidas! Eu tenho dúvidas constantes, porque eu sei que eu estou a fazer a música não só para mim - sei que as pessoas também vão ouvir, e [Acid Acid] começou exactamente porque fui convidado para fazer um concerto, pela malta da Nariz Entupido, e eu disse várias vezes que não até que disse que sim... Ou seja, se a música também nasceu por um propósito ao vivo, sei que as pessoas vão ouvir. Tenho de ser crítico. E conhecendo a música que conheço, estou sempre a questionar se aquilo resulta, se não resulta, se devia ser assim, se assado. E depois estou a lidar também com as minhas próprias limitações técnicas. Eu não sou virtuoso. Eu toco aquilo que sei tocar e com o equipamento que tenho. Com essas limitações e com aquilo que eu sei de música, as coisas vão nascendo. Mas eu tenho perfeita noção das minhas influências, e não tenho nenhum problema em olhar para elas. Krautrock, psicadélico, ambiental, Brian Eno...

Algumas bandas específicas?

Sim, eu gosto muito das repetições. As cenas de Harmonia, Neu!, Kraftwerk do início... A repetição, o experimental, o poder jogar o barulho com a melodia, o noise com a melodia... Também Brian Eno e a fase ali do Bowie [em que ele tem] aqueles momentos mais ambientais. Eu vou aí buscar muita coisa. Aos Pink Floyd, também... Só que depois não consigo fazer aquilo que eles fazem e acaba por sair outra coisa diferente. Mas eu olho para essas influências também para me poder limitar. Se eu não me limitar, acontece o caos!

O que é que achaste do concerto de Michael Rother no Milhões?

Adorei! Adorei. Melhor concerto!

Numa palavra.

"Foda-se".

Essa insistência da Nariz Entupido acabou por te aumentar um bocado o ego, ou não?

Não, não... Só por ter um agente, a organizar as entrevistas? Continuo a ser a mesma pessoa, ainda não aconteceu nada.

Como é que surgiu essa ligação?

São meus amigos. A Nariz Entupido esteve parada durante algum tempo, voltou agora a fazer concertos e eu fui acompanhando os concertos que eles programavam, mais virados para o folk e para coisas mais experimentais. Mas sempre do lado de fora. Nunca me envolvi com a organização - às vezes dava dicas, obviamente, mas sempre com uma grande distância.

Como é que descreverias Acid Acid a quem nunca ouviu?

Acid Acid é a tentativa do som que eu faço. É para viajar, é querer fazer uma viagem.

Sóbrio ou noutro estado?

A questão é essa! É isso que vamos descobrir. Se resulta sóbrio ou se noutro estado também... Mas sim. É tentar criar paisagens, camadas, melodia, alguns momentos mais experimentais, mas muito calmo, tentar fazer uma viagem. E o nome também é um pouco por aí. Viajar não ter que ser o ácido da droga, pode ser outra coisa. O propósito é viajar.

Com que estado de espírito é que tu costumas subir ao palco?

Muito nervoso! [risos]

Sofres de stage fright? Porque o projecto é novo, ou é mesmo uma coisa que já vinha de trás?

Sim, sim. Porque é novo, porque eu sei que não sou muito bom a tocar. Eu conheço muito bem as minhas limitações. E estou sozinho... Como eu disse, eu já toquei em bandas. Se eu me engano num acorde a tocar guitarra com mais quatro pessoas a tocar, não faz mal, porque estão lá os outros a cobrir, não há problema nenhum! Sendo eu sozinho, cai-me tudo em cima dos ombros. Eu tento fazer o melhor para que consiga reproduzir aquilo que estou a pensar. E se há um erro qualquer, eu começo a panicar. Esta última semana, andei um bocado nervoso, porque é a primeira vez que vou estar num festival, num palco daquela dimensão... Há questões técnicas que eu não domino, questões de ligações e de som.

© Rita Sousa Vieira

É interessante que digas isso porque, para já, o teu único lançamento é precisamente um concerto ao vivo. Foi a primeira escolha? Nunca planeaste lançar primeiro uma canção ou um EP?

Não, não... Porque eu sabia o que é que eu queria fazer. Não tinha nada planeado ainda. A ideia era fazer concertos e começar eventualmente a gravar (o que já estou a fazer), e essa gravação do Sabotage acabou por ser curiosa, porque o concerto calhou no dia do Record Store Day - e a ideia, aliás, era melhor, era gravar na hora e dar às pessoas o CD na hora. Só que isso não foi possível, e então fizemos a edição um bocadinho depois, em CD-R, mas com uma capa feita por malta que sabe fazer design [risos]. Acabou por resultar.

Achas que Acid Acid resulta melhor ao vivo do que resultará num EP ou em algo gravado em estúdio?

Vai ser diferente...

A pergunta é no sentido de: achas que Acid Acid é mais banda ao vivo ou banda de estúdio?

Depende do estado de espírito. Porque o que eu estou a construir, lá está, é algo muito ambiental e paisagístico. E isso, [ouvido] ao vivo, tens de estar num estado de espírito [específico]. Tenho andado a fazer concertos de trinta a quarenta minutos, onde toco uma peça longa, de meia hora, tudo seguido, não paro. E eu percebo que meia hora com um som muito calmo, repetições... Se a pessoa não estiver predisposta a ouvir eu percebo que seja complicado. Em casa é completamente diferente. Por isso, não sei. Depende muito do mood. Até agora, por acaso, as coisas têm corrido bem ao vivo, as pessoas têm gostado e acho que tem resultado.

Falavas no Record Store Day. Qual foi o máximo de dinheiro que já gastaste num Record Store Day?

Muito pouco [risos]. Devido às promoções. Cheguei a ir uma vez à séria à Flur, mas confesso que não tenho comprado muitos discos no Record Store Day.

Achas que este género de promoções e eventos é uma forma de as pessoas voltarem a ter aquele bichinho de comprar música, em vez de simplesmente ir ao Soulseek sacar a discografia de uma banda? Ou será apenas uma jogada de marketing?

É uma jogada de marketing. Mas também é interessante e é bom sensibilizar pessoas que já não conhecem discos para [o facto de] que existem discos à venda. Quem está na net, no Youtube, ou a ver notícias, e apanha o Record Store Day e vê que as pessoas vão lá e que os amigos vão lá até [pode acontecer] irem lá, e compram um CD e até mais barato. Uma coisa actual ou mais antiga, não interessa. Nesse aspecto acho que funciona bem, para sensibilizar que há lojas de discos. Agora, isso acho que não vai mudar o rumo das coisas.

Sendo tu uma pessoa que vive da música há tanto tempo, achas que o Spotify e derivados ajudam mais do que prejudicam, ou vice-versa?

Ajudam mais... Por exemplo, eu nunca mais me esqueço da primeira vez que fiz o download de uma canção. Foi a melhor coisa de sempre!

Qual foi?

Foi uma música dos Strokes, ao vivo! Eles ainda não tinham editado o álbum, tinham só o EP e saquei umas músicas de um concerto que estavam no Audiogalaxy... Foi a melhor sensação do mundo! No Audiogalaxy tinhas os Strokes e bandas similares, começavas a procurar as bandas e saltavas de banda em banda, e [assim] comecei a descobrir coisas. Esse sentimento é a melhor coisa do mundo. Antigamente tu ias à loja e pegavas num CD que não conhecias, e pedias para ouvir. Mas não ficavas lá uma hora a ouvir o disco, ias saltando de música em música... Agora é mais fácil ouvir os discos, nas lojas, tens aqueles postos em que chegas lá e ouves um bocado. Antes era muito complicado e. Eu não vou criticar um serviço de streaming - eu por acaso não os uso, porque eu trabalho com tanta música, música antiga, e eu sei que muitos desses serviços ainda não têm acesso a isso, e eu preciso disso... E gosto de ir por outros caminhos para buscar a música. Mas eu acho [esses serviços] absolutamente essenciais. Eu devo ser da última geração em que ainda não havia Internet. Um puto, agora, num fim de semana, pode ouvir a discografia dos Pink Floyd, dos Talking Heads. Eu passei anos para tentar descobrir a discografia toda dos Pink Floyd. Ou dos Talking Heads. Agora tenho a colecção toda, mas demorei anos! Anos para ter aquilo! E para ouvir!

Qual é o teu disco favorito dos Talking Heads?

O Remain In Light. É incrível, esse disco mudou a minha vida. E muito do que está lá, pelo menos nas primeiras músicas, é um pouco a ideia [daquilo] que eu quero pôr em Acid Acid. É a repetição. Eu adoro repetição.

É por isso que repetiste o nome duas vezes?

Também [risos]. O nome vem de uma piada, mas que eu não posso contar. Daqui a uns anos, quando eu for mega-famoso [risos].

Quando fores mega-famoso, qual é o primeiro sítio fora de Portugal onde tencionas tocar?

Los Angeles.

A fechar para quem?

Bem, hoje vou fechar para os Horrors. Já começo bem [risos]. Deixa lá ver... Para os Goat.

A sério? Não achas que os Goat são um bocado chatos?

Por acaso, [em relação às] novas músicas, aquilo não está nada de especial. Eu gosto muito do World Music, e do segundo, o Commune, já gosto mais ou menos. Ficaram um bocadinho chatinhos.

Falavas de música antiga. Achas que a música antiga é melhor do que a que se faz agora, que não há assim grandes coisas originais a serem feitas agora? Pergunto-te enquanto músico e enquanto jornalista.

Sim. Acho que a música está a viver um período incrível. E, em parte, tal também se deve ao facto de os putos que agora estão a tocar terem também descoberto muita música na Internet. Cruzam tudo e mais alguma coisa. Por exemplo, [nós] estivemos em Michael Rother [no Milhões de Festa], a ver o público cheio de putos, a descobrirem ou a redescobrirem o Michael Rother, e as músicas a permanecerem absolutamente intemporais. Pá, é com os meios. Não é só a música que era feita, eram os meios que eles tinham nos anos sessenta ou setenta. Eles faziam e editavam, faziam e editavam. Agora é muito fácil pores a música na Internet, mas não é fácil fazê-la chegar em disco às pessoas.

E achas que o teu trabalho enquanto jornalista também é importante para fazer uma espécie de razia das bandas que vão aparecendo?

Tem de ser, tem de ser... Tem de haver filtragem.

É isso que tu procuras fazer, enquanto jornalista?

Sim, sim! Filtrar sempre... Até com os programas que faço! Por exemplo, a Floresta Encantada, em que eu pesquiso muita música dos anos sessenta e setenta. Eu filtro muito. Eu gosto de passar prog e gosto de prog, mas também torço o nariz a muito prog! Mas, por exemplo, defendo os Genesis e sei que as pessoas detestam os Genesis. Só que depois há coisas deles que eu não consigo passar. Mesmo aí faço filtragem, hoje em dia tem de ser. O António Sérgio, quando ele fazia rádio, dizia que passava tudo. Passava o punk, passava o metal. Passava tudo. Quando eu trabalhei com ele, ele dizia "agora, é o trabalho inverso, recebemos muita coisa e temos de filtrar". Dantes era receber e passar, agora esse trabalho tem de ser feito e em todos os meios de comunicação. Eu já tenho falado até com alguns amigos, alguns colegas de profissão, e a aconselhar a malta mais nova: filtrem as coisas, não se deixem entusiasmar nem embelezar pela ideia de que estão a trabalhar com a música. Temos de saber e conseguir perceber quando é que uma banda está a ser honesta ou não. É muito fácil perceber. Por exemplo, uma banda estar a fazer um som psicadélico, que esteve muito na moda...

Essa é outra questão: o que é que tu achas acerca desta nova moda em torno do psicadélico?

É uma moda. É como o disco. Mas o disco não morre e o psicadélico também não. A questão é essa. O psicadélico nunca esteve morto, foi escondido. E nos anos noventa houve muitas bandas a fazer o psicadelismo. Mas, lá está, e uma vez mais voltando à Internet... Acho que muita da culpa desta moda é poderes ter acesso à música toda que existe. [Talvez] não toda, mas muito daquilo que se fez nos anos sessenta e setenta, poderes ouvir e filtrar aquilo pelo teu olhar, como os Tame Impala fizeram - e rebentaram. E muitas bandas vieram atrás, e tu sabes como é, as editoras também vão atrás, procurar bandas [do género] e etc.. Mas é uma moda e é ver quais as bandas que realmente interessam dentro das modas. Mas isso é sempre.

Voltando ao António Sérgio. Achas que poderia ter sido uma celebridade tão grande como foi o John Peel em Inglaterra?

A piada que se diz é que o John Peel era o António Sérgio inglês. Porque é completamente diferente. É um país muito mais pequeno... E, atenção, o António Sérgio trabalhou em rádios nacionais, mas nunca trabalhou na rádio do estado, por exemplo. O John Peel trabalhou na BBC. São dimensões completamente diferentes. Mas o que o António Sérgio fez pelas pessoas é muito. O que ele fez pela educação em Portugal...

© Rita Sousa Vieira

Achas que é dele a maior quota parte do peso nesta "explosão" do underground português?

Claro que sim. Mesmo que não tenham ouvido, pessoas amigas ouviram e gravaram cassetes, e o António Sérgio passava aquela música punk... A primeira vez [que se passou] Sex Pistols em Portugal foi com o António Sérgio. E se foi uma revolução lá fora, imaginem em 1977, em Portugal. Não se passava nada. É surreal. O que ele fez pela educação musical em Portugal não tem valor. Ou tem tanto valor que não consegue ser medido. E devia ter tido, obviamente, muito mais. Mas está a ser muito bem recordado, o António Sérgio. Devia ter tido muito mais valor enquanto estava vivo, é isso que interessa. Isso é um problema português, e nós temos memória muito curta. E é bom que a memória daquilo que o António Sérgio fez não se perca. Felizmente já há um documentário [Uivo], com pessoas a falar sobre ele. Espero que se faça mais, com mais qualidade ainda. Sei de muitas restrições que o [Eduardo Morais, realizador] teve.

Enquanto jornalista e enquanto músico - porque serão duas opiniões distintas -, como é que tu vês o estado da imprensa musical em Portugal?

Gosto [risos]. Estando nas duas. Por exemplo, quando comecei a fazer rádio, há quase dez anos, não havia notícias de música. Não havia, em antena. Só bloco noticioso de música. E foi logo das primeiras coisas que comecei a fazer em rádio, era muito complicado encontrar notícias. Passados uns anos, de repente, começou a haver uma enxurrada de notícias musicais, e outras estações de rádio adoptaram também o conceito de bloco noticioso". E vejo muitos jovens a escrever sobre música. Muitos por carolice, porque têm sites e blogues...

Achas que também é consequência do facto de agora conseguires sacar quase tudo da Internet?

Sim, claro, o conhecimento está muito mais presente, há muito mais conhecimento sobre aquilo que se passa. Mas eu estou a admirar muito a forma como agora se faz o jornalismo musical em Portugal. Claro que também tenho muitas críticas: acho que se tem de ser muito rigoroso. Como tudo. Acho que estares a escrever sobre música é uma parte fulcral da cultura, e a forma como comunicas a música também. Mas adoro o entusiasmo, neste momento, do jornalismo português. Claro que a malta mais nova tem de aprender e questionar os mais velhos, mas acima de tudo estou entusiasmado.

Voltando a Acid Acid: como é que te sentes ao ser o Jibóia deste ano da edição do Reverence?

[risos] Epá, um bocado nervoso. Eu quando recebi os horários, perguntei à malta do Reverence: "de certeza que querem que eu feche? Não querem tipo que eu abra um palco, à tarde? Não será melhor?". E eles: "Não, Tiago, acho que a tua música vai funcionar muito bem no fim". Mas eu não tenho beats como o Jibóia!

Uma coisa que eu acho curiosa, é que tu, nas poucas fotos promocionais que tens, estás agarrado à guitarra. Quando olhas para uma guitarra associas ao rock. E Acid Acid não é de todo um projecto rock. Fica um bocado estranho...

Sim, mas há guitarra! Há fuzz! Até já cortei o cabelo para não ficar muito metaleiro... [risos] Para já, a guitarra é muito bonita. Por isso fica muito bem nas fotos.

Onde é que a compraste?

Mandei vir da América! Foi terrível, paguei um exagero de alfândegas. Já há uns bons anos, uns dez ou mais...

Tencionas encomendar algum pedal do pessoal de A Place To Bury Strangers?

Isso é uma boa ideia! Eu tenho recebido algumas críticas em relação aos meus pedais, [por parte] de músicos... Mas eu não tenho dinheiro para os comprar! [risos]

Achas que o pessoal que nunca escreveu ou que nunca fez uma reportagem sequer olha para ti de um modo diferente do que se tu fosses um músico "de raiz"?

Claro! E eu percebo isso. Tenho tido algum cuidado, nas redes sociais, de não misturar as duas coisas.

Nunca tiveste a tentação de passar uma música tua na rádio?

Não, não. Já passou, e até noutras rádios. Quando ouvi a minha música pela primeira vez na rádio, em Lisboa, eu estava a ser entrevistado no ar e passaram um bocado da música. E eu pensei: "a minha música está a passar na rádio!" Eu tenho acesso ao microfone, se eu quisesse podia passar, mas eu não quero juntar as duas coisas. Quero ter o meu lado profissional. Quanto menos juntar as coisas, para mim é melhor. Sinto-me mais confortável, e percebo que haja algum desconforto ou até esse olhar um bocado mais distante.

Imagina que alguma vez fazias um concerto com uma banda em que já tenhas rasgado...

Pois [risos]. Mas olha que eu rasgo pouco. Se não gosto, prefiro não falar. Gosto de ir pelo lado...

É um lado muito mais zen, não é?

Sim! Eu ando zen...

Porque, quando se fala em psicadélico, fala-se em zen...

Sim... Eu ando zen e a minha música também tem ajudado. Por exemplo, a minha persona de Facebook, onde comunicamos com tanta gente... Eu nunca postei nada de Acid Acid. Se fores ao feed não encontras nada. Faço likes, quando as pessoas partilham, mas não quero misturar as coisas, ou pelo menos para já. Não tenho esse propósito, nem sequer um propósito comercial. Eu sei como é que as coisas são. Por isso: fazer a música e trabalhar.

No que toca ao teu lado musical, o ego simplesmente não existe?

Não, não. Estou a gostar de fazer música e vou fazer música até onde der. Tocar, poder gravar - que também era um sonho antigo -, ficar com uma coisa registada para mostrar aos sobrinhos. Mas sim, quero ter as coisas distantes uma da outra. E, acima de tudo, estou zen.

A seguir a esta gravação no Sabotage o que é que se segue? EP? LP?

Ainda estou a gravar, e dependendo do tempo com que ficar no final, fica um EP ou um álbum, não sei.

Qual o formato preferido? Vinil?

Vai ser em vinil. A ideia é ser em vinil.

És fetichista de vinil? Hás de ter nascido numa altura em que toda a gente ainda comprava vinil...

Não. Mas lá está, não há propósito comercial. Tenho os vinis gamados ao meu pai! Um dia fui lá a casa e pesquisei, [género] "ok, vou levar este".

Que género de álbuns eram?

Ele tem muito fado, alguma soul... O Isaac Hayes mudou a minha vida. Ouvi o Hot Buttered Soul [1969], que estava lá no meio dos vinis do meu pai... Levei aquilo para o quarto, meti-me a ouvir e passei-me.

Portanto, sendo tu o Jibóia deste ano, e tendo o Jibóia ido também buscar uma série de vinis ao pai, acaba por ser um fechar de um ciclo.

Sim, sim! Mas também não sou assim ferrenho do vinil, atenção. Longe disso. Mas sim, o formato ideal, neste momento, estou a pensar só no vinil.

O que é que achas acerca do revival do vinil?

Acho bem. É um óptimo suporte. Podes pegar num vinil daqui a cinquenta anos e ainda toca, o CD já não. Mesmo com muitos riscos, podes ouvir o vinil na mesma. É um revivalismo curioso. Se a prensagem for boa, se a transposição dos masters para o vinil for boa, se tiver uma boa gramagem, se a pessoa em casa tiver um bom sistema de som, é muito bom. Estava-te por exemplo a contar do Hot Buttered Soul. Eu lembro-me de ouvir aquilo muitas vezes; saquei o vinil ao meu pai, comprei o CD - eventualmente até para [quando fosse] passar música -, e [este último] estava com um som horrível. O CD não tinha presença, estava baixo. Enquanto que com o vinil parece que estou a ouvir o baterista a tocar ali ao meu lado. E há essas diferenças, principalmente em relação à música já com algumas décadas. Se fores um Jack White, que grava tudo em analógico e passa para vinil, é incrível. Tens um álbum em vinil dele. É o mais aproximado de se estar ao pé dele, num estúdio. [Mas também me] lembro de comprar o Funeral, dos Arcade Fire, em vinil, e detesto o som daquilo. Aquilo foi gravado com poucos meios, lá na casa deles. Tê-lo em vinil é indiferente; a capa é bonita, mas eu nunca ouço aquele disco em vinil.

Estiveste em Paredes de Coura em 2005?

Não! Estava a trabalhar. Vi o concerto dos Arcade Fire na televisão da redacção, na rádio.

Que te parece, também, a fetichização toda em torno de Paredes de Coura? Porque é o festival mais mítico, neste momento, em Portugal...

O que aconteceu este ano foi fora. Aquilo ter esgotado da forma como esgotou, os Tame Impala terem arrastado tanta gente como arrastaram... É assim: Paredes de Coura sempre apresentou um cartaz forte. Não foi só este ano, sempre apresentou um cartaz muito forte. Mas lá está, são aquelas bandas alternativas de topo. É um festival que continua a ser alternativo, mas é um alternativo que toda a gente conhece.

O alternativo deixou de ser alternativo e já começou a ser mainstream.

Quanto mais festivais há, tu começas a perceber isso. De repente tens, sei lá, dez festivais em Portugal a acontecer. Como o Reverence, que tem muita música underground, de um estilo muito concreto, psych, stoner, mais pesado, etc.. Mas quanto mais festivais acontecem, mais percebes que, de facto, as bandas alternativas de topo vão parar a esses festivais.

O que é que achas do facto de agora haver tantos festivais em Portugal?

Eu acho bem! Eu fui em 1998 ao Sudoeste ver os Sonic Youth, os Portishead, PJ Harvey, e foi incrível. A última vez que lá fui foi para ver os Faith No More. E o Sudoeste é um outro festival. Mas isso é bom. Porque de repente tens o Primavera, tens o Super Bock também com bandas mais alternativas, depois tens o Paredes de Coura. Depois tens pequenos festivais. O Milhões, o Amplifest, o Mucho Flow, o Reverence... As bandas distribuem-se pelos festivais, é óptimo. Para um amante de música, e que queira acima de tudo descobrir música, tens muitas escolhas. Não tens de ir sempre atrás das mesmas bandas. Isso é bom.

Falavas do Isaac Hayes. Foi ele que te fez, enquanto adolescente, apaixonar pela música?

Não, não. A "Lithium"! Assim que ouvi a "Lithium" dos Nirvana passei-me. Eu confesso que não ligava muito a música. Lá em casa ouvia-se a pop dos anos oitenta, e aquilo não me dizia nada. E depois tinha amigos meus que ouviam Manowar, Iron Maiden, tenho lá cassetes dos Manowar que me gravaram... E eu ouvia, mas depois pensava assim: "Tiago, tu não gostas disto, meu, porque é que estás a ouvir?". Mas assim que ouvi a "Lithium", aquilo mudou a minha vida. Ali estava uma cena nova e diferente, com melodia, era pop, também... Foram os Nirvana que me puseram a ouvir música.

Ainda te lembras da morte do Kurt Cobain?

Claro. Toda a gente a chorar, na escola. "Como é que isto aconteceu?". Ouvir histórias do Jim Morrison e de repente aquilo a acontecer, ali, assim. Eu gostava de ter ido ao concerto em Cascais, mas era muito novo, não me iam deixar. Mas o pessoal na escola, a chorar, lembro-me perfeitamente disso.

Transcrição: Inês Sousa Vieira


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
02/09/2015