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Jibóia
Leh Jani


Psicadélico? Dependerá da noção que cada um tem do psicadelismo. Se a ideia é compará-lo aos Jefferson Airplane, Jibóia é tudo menos psicadélico; se olharmos para o género, movimento ou cultura como um agregador de diversos estilos e influências, sonoras ou espirituais, então sim, Jibóia é psych por direito próprio. Numa óptima tarde onde o indian summer ainda se fazia sentir, e sem enveredarmos pelo campo do trocadilho fácil porque há um tempo e uma altura para tudo, fomos encontrar Óscar Silva na Tasca dos Canários, ali no Bairro Alto, para trocar umas palavras sobre este seu novo registo, sobre o crescimento da Jibóia, e sobre aquilo que o futuro poderá reservar à plataforma, como ele próprio lhe chama. Esta é a terceira entrevista de Jibóia a este meio e, pelo andar da carruagem, muitas mais se seguirão - pelo menos enquanto houver algo a dizer. E Badlav diz-nos muito. Mas faz dançar ainda mais.
Esta é a tua terceira entrevista ao Bodyspace. Que perguntas queres que te faça?

Erm... de onde vem o nome Jibóia [por exemplo]...

De onde é que vem o nome Jibóia?

Acho que já contei p'raí na primeira entrevista... [risos] Faz um link.

Eu faço um link, então. No espaço de dois anos, saltaste do Lounge - a primeira vez que te vi ao vivo foi numa festa da Lovers - para tocar, agora, em festivais em Liverpool. Como encaras esse salto?

Não sei. Nem penso muito nele. Não sei se "natural" será a melhor palavra.

Mas estavas à espera de tal coisa?

Não. Eu não sou um gajo que faça muitas metas, que pense muito no que vai acontecer a seguir.

Tu em Jibóia não planeias o futuro?

Nem em Jibóia nem em nada. Não é bom, eu sei, mas sempre fui assim. Por isso, se me disseres as coisas dessa forma, do tipo "há dois anos estavas ali agora estás aqui", se eu olhar de fora consigo perceber que é um bocado puxado...



Sentes alguma estranheza?

Sim, mas não é nada que eu tenha pensado. Ou seja: ainda bem que estou aqui, agora. Não foi nada planeado. Não sei se me fiz perceber...

Como correu esse festival? Tinhas muita gente a assistir?

Bem, e sim. O festival tinha bué de gente, acho até que tinha gente a mais, até para o espaço que é... Aquilo estava mesmo à pinha, e a sala onde toquei com Black Bombaim era mais pequena - havia três salas e tudo tocava ao mesmo tempo -, estava cheia, o pessoal curtiu... não me abordaram tanto no final, mas no dia a seguir houve bué de gente que me veio falar aqui e ali, gente que vinha ter comigo.

Conseguiste vender alguma coisa?

Tipo rosas e assim? [risos] Tinha poucas, levei poucas...

Falando ainda desse festival - o Liverpool Psych Fest - e traçando um paralelo com a música que tu fazes: encara-la como sendo naturalmente psicadélica, ou achas que te puseram esse "rótulo" por ser uma coisa muito exótica, por utilizares bastantes motivos orientais na tua música?

Acho que não é muito por aí. Eu não sou bom a dar rótulos nem esse tipo de coisas. Sei que eles existem, acho que devem ser bem explicados, e que deve existir mesmo uma noção de música psicadélica - eu tenho a minha, mas não sei bem o que é que, no geral, isso significa. Acho que o psicadelismo, hoje em dia, nem sequer é tanto aquilo de que estás a falar, de ter a cena mais oriental... Não sei, quer dizer: supostamente essa parte "oriental" conferia-lhe algum psicadelismo. Talvez seja mais por ser bastante repetitiva, por ter aqueles solos todos, aquela coisa toda...

...porque acaba por ser bastante diferente daquela noção de "psicadelismo" que resgatamos aos anos 60.

Ya, claro. Mas perguntavas-me tu se eu acho a minha música é psicadélica: dentro do que eu acho que é a música psicadélica, acho que sim. Muito mais do que muitas bandas que vi em Liverpool, por exemplo. Mas talvez por causa disso: hoje em dia o psicadélico é quase um bocadinho de tudo. Está tão na moda que consegues encontrar um resquício de "psicadélico" em quase todas as bandas.

Qual é que foi o estado de espírito com que entraste em palco para o concerto no Reverence, às 7h da manhã?

O estado de espírito? Adormecido...

Mas tiveste também muita gente a assistir. Os "sobreviventes"... Estavas à espera de ter ali tanta gente àquela hora?

Sim, as carcaças... Não, não estava nada à espera de me ver a mim, sequer, àquela hora...

Deu tempo para bater uma sorna?

Eu não queria, mas aconteceu... praí tipo dez minutos. Aquilo já não era sono, já não era bebedeira, era só cansaço, e aquele concerto fui eu a tentar manter-me acordado. E tu viste o que é que foi...


© Vera Marmelo

Entrando agora neste disco - Badlav -, a Ana Miró tem aqui uma presença muito mais forte do que tinha no EP. Achas que não existiria Jibóia sem a Miró e vice-versa?

Não existiria Jibóia como ele é - teria ido por outro caminho completamente diferente, porque ela apareceu logo no início. Por isso acho que não. Era só um caminho que Jibóia iria tomar e que a própria Ana Miró iria tomar. Como o caminho foi este, se calhar foi para a Miró e para o Jibóia uma coisa diferente daquilo que podia ter acontecido. Mas existiria na mesma.

O convite que lhe fizeste para cantar a "Tuareg", por exemplo: achas que ela conseguiria a exposição que tem agora enquanto Sequin e tu conseguirias a que tens como Jibóia se não tivéssemos visto aquele concerto no Milhões de Festa e tivéssemos ficado embasbacados a ouvir aquilo?

Exposição? Talvez não...

...porque, nesse instante em que a convidas, acabas por basicamente criar a carreira dos dois.

Achas? Isso é engraçado... Tu conheces Jibóia desde o início: aquilo era muito cru, muito o que era, o tentar buscar qualquer coisa... mas nunca tive a ideia de ter muita exposição com aquilo, ou daquilo se tornar uma coisa muito pop. Se bem que eu ache que este disco não é pop, eu acho que não vou conseguir fazer um disco tão pop como este, percebes? Porque tem a voz da Ana, que não é uma voz pop - não é por aí - mas é uma voz feminina, tem um beat, é uma cena dançável.

Achas que é uma cena mais passível de passar nas rádios do que era o anterior?

Sim, sim. Daí dizeres que tem mais ou menos visibilidade: não sei o que é que iria fazer se não fizesse isto com a Ana, mas se calhar, e não por ser a Ana mas por ser o que nós os dois criámos, não iria haver uma maneira para Jibóia ter tanta visibilidade. Eu [pelo menos] acho que não. [Acontece] Por uma questão musical, por termos uma voz feminina, por ser uma coisa dançável. Sei lá... se tivesse o normal, bateria, banda, se não fosse com uma voz feminina... Acho que se não tivesse feito isto com beats e com uma voz feminina - coisas com que nunca tinha trabalhado - e tivesse feito tudo com uma banda, com uma voz masculina, com algo que já tinha feito antes, acho que se iria manter uma cena que eu reconhecia mais e que me colava mais às bandas que já tinha tido. Não é que não tivesse visibilidade, mas acho que rompe mais isto do que romperia.

O Badlav acaba por ser algo que vocês criam a meias e é um disco onde denotas um princípio, um meio e um fim, ao passo que no EP tu tens cinco canções que podiam ser singles e que juntas num só vinil. Como foi o processo de composição? Dizes que não fazes planos, mas houve alguma coisa delineada para este disco, em termos de conceptualidade? Tu até lhe chamaste o princípio e o fim de um ciclo...

Não, quando o comecei a compor, não tinha esse plano na cabeça. Tinha um plano de fazer canções com a Ana, e fomo-lo fazendo, até que percebemos que tínhamos ali quatro canções e duas eram bem diferentes das outras duas. No caso da dicotomia que faz o disco, das duas primeiras serem mais alegres e as outras mais dark, [a conceptualidade] vem depois do processo de criação - quando o começámos a criar não pensámos nisso. Fizemos tudo primeiro, olhámos para aquilo [e pensámos]: "espera aí, isto se calhar não vai funcionar bem, porque são quatro músicas muito diferentes". A partir daí é que começámos a criar o conceito.

Essa temática espiritual que o disco tem vem depois de criares as canções?

O conceito do ciclo e das yugas e disso tudo vem depois. A temática espiritual, de querer ser uma coisa muito hindu, com letras muito viradas para a espiritualidade, isso já existia. A questão do ciclo, a questão das yugas, do "negro" e do "branco", isso foi depois das músicas - já tínhamos três acabadas e achámos "ok, vamos fazer duas assim e duas que sejam o oposto", e foi-se criando o conceito. Mas logo ao início do processo não o tínhamos.

Que te atrai nessa cultura? As tuas influências passam pelo Brasil, por África, pelo Médio Oriente... que te atrai, no caso do hindu? Que andaste a ouvir durante o processo de composição do Badlav? Quem te passou essas influências?

Falo muito do hindu, mas conheço tudo um bocado superficialmente. Não sei se essas influências se percebem assim tanto porque são muitas, de todo o lado. Tu ouves uma escala que nem é tanto hindu, mas será mais Médio Oriente, Turquia, Egipto, esse tipo de escalas, e vais conotar a música logo com aquele lugar, mas quando me perguntam as influências eu falo bué de África, do Brasil... e se calhar não se percebe tanto isso porque o que lá está, o principal, é uma escala do Médio Oriente. Na altura em que andava a compor, nem tinha assim tantas referências do Médio Oriente quanto isso. Lembro-me de ter ficado muito mais fascinado e de ter descoberto muitas mais coisas do Brasil e de África, muitas compilações, de andar a ouvir mais coisas daí do que propriamente do Médio Oriente - daqui tenho duas ou três referências muito fortes. Na cultura, o que me fascina mais talvez seja esse espiritualismo que eu não acho que no Brasil exista tanto, e que em África existe de outra forma. Mas na música nem sequer há uma influência muito vincada, em termos de só ouvir música dali. Foi propositado ter pegado bastante em algo do Médio Oriente; em cinco, seis canções daquele tipo de música tu consegues perceber que aquelas escalas não variam muito. [Mas] Foi um bocado porque calhou.

© Vera Marmelo

Numa entrevista também disseste que a multiculturalidade de Lisboa te influencia. Que tens a dizer aos tipos do PNR que organizaram um meet no Martim Moniz há semanas?

Os quatro que lá estavam? [risos] Nem vou por aí. Podes escrever tu essa.

Já pensaste em ir vender o teu disco por lá?

Já pensei em apresentá-lo lá! O primeiro EP era para ter sido apresentado lá, chegou a ser anunciado e tudo, mas estava uma chuva do caraças nesse fim-de-semana e cancelaram-me, tive de fazer a apresentação no Lounge... e gravei lá um vídeo para a Música Portuguesa A Gostar Dela Própria, quando lá estava aquela tenda, que primeiro até acho que era uma árvore de Natal, aquela coisa com os panos...

Já encontraste fãs paquistaneses ou indianos em Lisboa?

Não, mas entregar um disco numa loja de kebabs para o terem lá a tocar não me parece má ideia. Tinha era que fazer um CD, porque vinil... a malta não deve ter com que o tocar.

Essa é outra questão: porquê em vinil?

Muito pelo meio, não é? Não sou fetichista, mas prefiro vinil ao CD, não tanto por causa do som, mas por causa do resto. Primeiro porque é grande: vês o artwork - e eu gosto de explorar a imagem - e aquilo é quatro vezes um CD, diz-me muito mais. E depois porque o meu pai, quando eu era puto, ia para o meu quarto ligar o gira-discos dele e não saía de lá, e ele tem uma colecção fixe. Aquela coisa, de tirar o disco, pôr o disco... não tanto pelo som ser mais "quente", é mais pelo ritual, eu gosto do ritual.

Quem teve a ideia para as capas do Badlav?

A Margarida Borges. Foi quem fez a direcção de arte do disco. Começámos com uma ideia diferente, que também andava à volta de retratos, mas depois não estava a funcionar e, então, fizemos assim.

Pegando nisso da capa, continuas a ser "um gajo simpático e tímido" ou essa timidez vai-se dissipando com o crescimento de Jibóia? Porque agora é a tua cara que aparece como capa do disco, ao contrário do EP...

Não, continuo a ser simpático e tímido... [risos] aliás, a coisa mais bizarra é tu ires tocar a um festival, seres das primeiras bandas e tocares bué cedo, e no resto da noite vês uma data de gente com a tua cara debaixo do braço... [risos]

Em 2010 invadias o palco em concertos de Linda Martini. Em 2014 tens a Cláudia Guerreiro a escrever a press release do teu disco. O aluno ultrapassou o mestre?

[risos] Não... qual aluno, qual mestre? A Cláudia podia ter escrito aquilo em 2010 como eu podia ter invadido o palco em concertos de Linda Martini em 2014...

Achas que Jibóia te definiu mais enquanto músico, ou achas que te granjeou um maior respeito do público enquanto músico, do que Papaya, Suchi Rukara ou qualquer uma das outras bandas em que tenhas tocado?

Não, acho que não. Eu não vejo Jibóia como uma banda, vejo Jibóia como uma plataforma para poder fazer uma data de coisas, para poder fazer o que eu quero ou o que me apetece em termos musicais, para poder convidar quem me apetece para se juntar a mim, para poder fazer vídeos com gajos que façam vídeos que eu curto, capas com pessoas de quem gosto... é uma plataforma muito mais que musical. Agora: tu existires com essa plataforma e teres uma base ali montada, e as pessoas perceberem isso, torna muito mais fácil eu poder fazer convites, ou que me façam convites, mas não acho que tenha mais reconhecimento por estar a fazer uma coisa sozinho. Provavelmente Jibóia tem um reconhecimento maior do que qualquer outra banda em que tenha tocado, mas acho que é um acaso. Eu acredito que Papaya, por exemplo, se tocasse - porque não toca, está um gajo não sei aonde... - conseguiria ter, provavelmente, não sei se o mesmo, mas um reconhecimento fixe.

Não é, portanto, a ideia de seres um self-made-man.

Acho que é mais pela própria plataforma. Eu "vendo" isto, falo disto às pessoas como sendo uma plataforma, ou espero que as pessoas percebam isso assim, porque não é só música que eu quero fazer, há uma data de coisas, há o juntar pessoas... O facto de estares em vários sítios diferentes torna-o mais fácil.

Já pensaste em convidar a Nicki Minaj para uma versão da "Anaconda"?

Não. Mas podia... [risos] Não me parece nada mau, agora que falas. Tens o número? Manda-mo...

...e já convenceste o Homem Fino a fazer uma tour de despedida? Jibóia Experience era para ser editado em disco, certo?

Eu não queria fazer as primeiras partes... [risos] Era e continua a ser, o problema é que é muita gente, e se calhar já passou aquela altura em que devia ter sido feito. O pensamento a seguir ao concerto foi imortalizar aquilo, talvez em duas músicas, mas foi tão intenso programar e preparar aquele espectáculo que depois disso claro que fomos descansar, e [depois] foi difícil apanhar toda a gente... mas é uma coisa que está de pé, sim, dava-me um imenso gozo ter isso gravado.

Há uma fotografia tua, no Facebook, em que apareces sem bigode. Como explicas essa ignomínia?

[tosse] Podes escrever que me engasguei com um tremoço...


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
29/10/2014