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Fumaça Preta
Infidelidade eterna


Fumaça Preta é a concretização de experiências em estúdio de Alex Figueira, juntamente com Stuart Carter e James Porch, que em 2011 se juntaram no estúdio que Figueira construiu nas traseiras de casa. Alex Figueira, luso-venezuelano radicado em Amesterdão, leva a banda à criação de vários trabalhos, mas o maior de todos, o primeiro longa duração, será lançado em Setembro deste ano. A banda esteve presente (numa versão alargada a quinteto) no Milhões de Festa, em Barcelos, e revelou que não criou expectativas sobre o público português, que acabou por reconhecer e por se "passar" em várias músicas do grupo. O estilo musical único, recheado de misturas e de um groove muito próprio, bem como as próprias experiências pessoais dos elementos da banda durante a produção musical, são repassados na entrevista, onde Alex Figueira deixa ainda um desejo para um futuro de fartura financeira da banda: "uma orquestra inteira".
O que esperavam do público português no Milhões de Festa?

Em realidade não tivemos tempo de criar qualquer expectativa mas por ser o único que já tocou em Portugal, sei que o público lá costuma ser muito efusivo quando realmente gosta duma banda. Esperávamos - isto sim - que fosse o caso, porque não queríamos acabar como os Nickelback lá daquela vez (não me lembro onde é que foi, mas saíram do palco à pedrada).

O material dos Fumaça Preta tem um groove muito próprio. Estão à espera de encontrar quem já conheça a sonoridade própria da banda, ou pessoas à descoberta de novas sonoridades?

Esperávamos ambos os cenários e acho que foi precisamente isso que encontramos. Sei que o pessoal que organiza o festival fez uma divulgação extensiva, baseada num boca a boca espontâneo que já dura mais de ano e meio (quando ouviram falar da banda pela primeira vez). Reparei que tinha muita gente que conhecia a letra das canções e deliraram com certas partes, como o "homem de lata - preciso de descarga mecânica" da nossa música homónima. Houve pessoal que se passou completamente.



Esta mistura de culturas visíveis na banda e na música que fazem ajuda a chegar a uma audiência maior?

Não sei se é realmente uma vantagem nesse aspecto, mas quero acreditar que sim. Na nossa música abrangemos estilos tão díspares e por vezes até antagónicos que costumamos dizer, tem um bocado para toda a gente odiar e outro bocado para toda a gente adorar. De qualquer forma, não saberíamos como fazer de outra forma. A nossa salganhada não é premeditada em medida alguma. É fruto da mais sincera espontaneidade e de uma infinita vontade de sermos grosseiramente livres no nosso processo criativo.

Como é que se juntam tantas influências diferentes: o punk, o funk, a música psicadélica e a brasileira, só para mencionar algumas, e se chega a este resultado fresco e dançável?

Todos nós somos uns grandes nerds. Punheteiros musicais irremediáveis. Consumimos música desde muito novos de forma grotesca. Já tocamos em muita banda de merda e em algumas com alguma qualidade, mas em todas estivemos sempre limitados ao estilo X ou Y, que era o que essas bandas se propunham fazer. Com Fumaça Preta simplesmente decidimos ser nós próprios e juramos infidelidade eterna a qualquer estilo ou cena onde nos queiram vir a encaixar. O nosso objectivo primário tem sempre sido fazer música que nos surpreenda e nos emocione a nós próprios.

Como é que uma sonoridade mais tropical combina com um rock psicadélico, com metal ou a electrónica?

Se olhares bem para a imensa maioria da música que consumimos no ocidente nos últimos 60 anos, é fácil perceber que as semelhanças são enormes e a razão é simples: é tudo africano. A predominância dos tempos em 4, a presença de coros com resposta, as bases harmónicas... vai tudo dar a África. Não é preciso um doutoramento em etno-musicologia para compreender que quase toda a música que se ouve por ai fora é essencialmente africana. Nós assumimos isso de maneira frontal e usámo-lo ao nosso favor.

O primeiro longa duração sai em Setembro. O concerto incidiu sobre as faixas desse álbum, ou mais sobre o material antigo?

No concerto tocámos quase todas as músicas do disco mais material do primeiro single, e ainda uma que fará parte do nosso segundo disco.



Em actuações ao vivo, os Fumaça Preta tornam-se um quinteto. O que é que procuram acrescentar com isso?

Quando fizemos o disco, jamais pensamos na eventual dificuldade em transpor os arranjos pra o palco. Há músicas que têm uma produção muito pormenorizada no estúdio e que seria realmente muito dispendioso pra tocar ao vivo nos termos exactos em que foi gravada (há um arranjo onde foram usados 8 sintetizadores diferentes, por exemplo). A escolha do quinteto foi a que melhor juntou o desejo em plasmar a ampla variedade sonora do album com uma formação que fosse financeiramente viável. Se algum dia tivermos o budget dos U2, teremos todo o gosto em trazer uma orquestra inteira.

Procuram incorporar o improviso nas vossas actuações?

Em todos os nossos concertos procuramos sempre deixar espaço para o improviso. Quanto mais tempo nos for dado em palco, maior será a presença deste elemento!


Simão Freitas
spfreitas25@gmail.com
07/09/2014