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Capitão Fausto
Os filhos do rock


Encontramos os cinco Capitão Fausto em pleno ensaio perto do Príncipe Real, no coração de Lisboa. À porta, está um tipo dentro de um carro – janela aberta, fim de tarde, computador ligado, aparentemente a trabalhar como se num escritório estivesse. Entre a chegada da reportagem do Bodyspace e o término do trabalho distam perto de três horas repartidas entre uma entrevista, um ensaio e uma sessão fotográfica. Sempre atento, o homem no carro não abandonou o seu posto – é este talvez o poder do rock, a forma como ainda hipnotiza e prende, seja na música propriamente dita seja nos rituais a ele adjacentes. Manuel Palha (guitarra), Domingos Coimbra (baixo), Francisco Ferreira (teclas), Tomás Wallenstein (voz e guitarra) e Salvador Seabra (bateria). Falámos com os alfacinhas Capitão Fausto sobre o novo Pesar o Sol, que voltou ontem a palcos lisboetas, para uma apresentação no Centro Cultural de Belém (CCB), depois de uma primeira mostra no Lux, há umas semanas atrás. “Somos um grupo de amigos antes de sermos uma banda”, dizem lá pelo meio. Em frente de onde ensaiam situava uma hamburgueria que entretanto mudou de poiso mas manteve um dos seus sucessos maiores: o Capitão Fausto muito agrião e tomate. “Havia noites em que levávamos lá mais de 30, 40 pessoas. Chegámos a fazer uma noite de Santos Populares a tocar aqui na rua e com a hamburgueria aberta”. As dúvidas neste momento são duas: saber até onde podem ir estes cinco amigos, autores de um dos mais importantes discos portugueses da temporada. Os amigos e músicos Capitão Fausto em discurso direto.
Quando vocês deram as primeiras entrevistas sobre o Pesar o Sol, há um mês e qualquer coisa, ainda não havia grande feedback sobre o disco. Agora já toda a gente adorou o disco ou algo parecido. Tem sido surpreendente?

Francisco Ferreira (FF) – Críticas negativas há muitas é no YouTube. Mas acho que é universal. O YouTube é um antro de pessoal negativo.

Tomás Wallenstein (TW) – Mas depois podes ir ver a página da pessoa que faz o comentário e consegues ver a atividade. E todos os comentários são a dizer mal de alguma coisa. Nunca vês um a dizer “awesome!”

FF – É isso, é um antro de pessoas que querem discorrer negatividade.

TW – Mas sim, tem corrido tudo muito bem.

E isso tem repercussão na banda?

Domingos Coimbra (DC) – Comentamos entre nós e é fixe. Não somos influenciados pela crítica e achamos que nenhuma banda o deve ser, mas é fixe saber que as pessoas gostam.

FF – Se a crítica dissesse mal continuaríamos orgulhosos à mesma do disco e a defendê-lo. Mas é sempre ótimo saber que as pessoas estão a gostar.

© Vera Marmelo

À volta dos elogios vem sempre a referência aos Tame Impala…

TW – Os Capitão Fausto australianos (risos).

Esta nova vaga de malta a recuperar algum psicadelismo no rock. Chateia-vos estar metidos neste saco?

Manuel Palha (MP) – As pessoas agarram-se a particularidades sonoras que estão pouco habituadas a ouvir. De repentes ouves Tame Impala e depois pensas nas vozes com muito reverb, o som espacial, os teclados, guitarras saturadas…

TW – Se a comparação existe é porque eles tocam mais ou menos o mesmo género de música que nós. E vão buscar coisas mais atrás, formas de gravação e assim.

MP – Se calhar as maiores parecenças têm que ver com o segundo disco deles..

DC – Mas tem graça que o Lonerism [o referido segundo disco] saiu no último dia de gravações deste álbum.

O Pesar o Sol já foi gravado há bastante tempo. Por que é que demorou tanto tempo a sair?

FF – Em 2012 estava tudo gravado em termos de instrumentais. Demorou um bocado de tempo a fazer as letras e as harmonias e linhas de voz. Depois também demorámos bastante tempo a misturar o disco e dar-lhe o som que queríamos.

TW – A decisão de gravarmos coisas à nossa maneira e experimentar coisas novas também se virou contra nós por vezes. Vimo-nos deparados com situações que não conseguíamos resolver tão bem. Esse equilíbrio demorou bastante tempo a atingir.

DC – E demos muitos concertos também.

FF - E depois a forma de o editar. Quando o fizemos tínhamos saído da Chifre [chancela por onde saiu o primeiro Gazela]. Estamos muito contentes porque estamos a trabalhar com gente com quem nos damos muito bem, em todos os níveis.

Como é que a Chifre chegou até vocês?

TW – Foi num concerto no Maxime.

DC – O penúltimo concerto de sempre no Maxime, acho. Sem contar com os concertos do Vodafone Mexefest.

TW – Era C de Croché e nós fizemos a primeira parte.

© Vera Marmelo

Como é que as vossas famílias lidam com o facto de terem uma banda rock?

TW – Nunca houve uma desaprovação, mas quando se começa a perder muito tempo e não há frutos existe algum desconforto. Quando começámos a mostrar resultados é diferente.

DC – Os concertos…o meu pai a certa altura era um guerreiro. Ia aos concertos todos de carro. Uma vez no Super Bock Super Rock foi entrevistado para a televisão e perguntaram-lhe qual a banda que estava com mais vontade de ver. Ele disse: “Capitão Fausto, claro”. (risos)

Os vossos pais tinham bons discos em casa?

TW – Sim, havia algumas coisas. Mas a maior parte da descoberta foi nossa, acho eu.

DC – O meu pai só sabe cantar uma música do princípio ao fim, a “Lamb Lies Down on Broadway”, dos Genesis. Mas é engraçado: o meu pai viveu em Londres entre 1964 e 1969. O meu pai deu boleia ao Donovan. Ele contava-me que quando ele e os amigos queriam engatar miúdas iam para Abbey Road onde as miúdas estavam tristes por não ver os Beatles e consolavam-nas (risos). O meu pai viveu essa altura toda e depois eu pergunto-lhe que bandas é que se ouviam e ele diz-me que gostava muito de Genesis (risos). No Algarve uma vez esteve com o gajo dos Kinks que era apaixonado por uma algarvia.


Pedro Primo Figueiredo
20/03/2014