A história desta entrevista começa há alguns anos atrás, quando Bill Fay reeditou os seus dois primeiros discos na Eclectic Records, verdadeiras jóias esquecidas no tempo. E, por motivos que a razão desconhece, ficou fechada na gaveta desde então. Mas tal como a música de Bill Fay, que ficou demasiado tempo longe dos ouvidos do grande público, acabou por encontrar o caminho da luz. A história do britânico é uma história de superação: depois de lançar dois fabulosos discos nos anos 70, Bill Fay só voltaria a editar um novo disco (se não contarmos com um disco que não chega a ser bem disco e uma colecção de raridades) quando o calendário marcava 2012. Isso mesmo, há dois anos atrás. Mas nunca parou de escrever canções na sua casa. Isso nada nem ninguém parece ter sido capaz de lhe tirar. Nem o tempo.
O tamanho das respostas tem o pedido de desculpas de Bill Fay: é a única forma possível de contar a sua história. Porque o que se pode ler aqui em baixo é muito mais do que uma simples entrevista; é a história que nunca foi contada com este pormenor. É o repor de uma verdade que foi sendo escrita automaticamente – e nem sempre de forma correcta – por esse tal silêncio a que Bill Fay se “dedicou” depois do lançamento do seu segundo disco,
Time of the last persecution. Numa extensíssima entrevista, extraída de cartas escritas à mão trocadas ao longo de algumas semanas, conhecemos a história de Bill Fay com um detalhe inédito.
A Uncut afirmou a certa altura que era o elo perdido entre Bob Dylan, Nick Drake e Roy Ayers. O que é que sente quando pensa nesta frase?
Essa frase é do Rob Young, que escreve para a Uncut e também para a Wire. Tinha falado com ele ao telefone uma vez para um artigo na Wire. Tinha-lhe dito que não me sentia confortável nas páginas de uma revista, um pouco grandioso, que uma entrevista era um pouco como colocar alguém num pedestal só porque alguém, por acaso, escrevia canções. Disse-lhe que éramos todos ouvintes e entusiastas da música. Um escritor de canções escreve aquilo que ele “ouve” através da música, o crítico ouve e, se o sentir, num artigo, diz a alguém “ouve isto” e o ouvinte ouve e diz a outra pessoa “ouve isto”. Sinto que somos todos iguais neste processo. O Rob disse-me que quando escreve uma crítica sente que está a falar com alguém por cima da vedação do seu jardim. Os seus corações estão no lugar certo acho eu, os críticos e as revistas, quando pintam o desenho ou esboçam algo próprio, quando falam com alguém “por cima da vedação do seu jardim”. É o trabalho deles. O Rob é um tipo porreiro e não quero parecer ingrato pela sua visão mas tenho que dizer que não ouço nos meus álbuns uma “Every Grain of Sand”, uma “Way to blue” ou uma “Waterloo Sunset”. Já uma “Garden Song”, uma “Be not so fearful”, uma “I hear you calling”, uma “Strange Stairways”, e outras, e acho que são canções com calor, mas não sinto no geral que as minhas canções possam ser colocadas no mesmo nível, a não ser que o Rob queira dizer que existam algumas ligações, algumas associações, com esses artistas. Ouvi o Bob Dylan desde o início em diante – incontestavelmente, o maior escritor de canções dos nossos tempos. O Ray Davies, ouvi também desde o início, é um portador de grandes canções mainstream. O Nick Drake ouvi apenas há alguns anos atrás. Conhecia o nome através de artigos e ouvi um documentário na rádio sobre ele. Absorvi a tristeza das suas circunstâncias, mas não fiquei particularmente prendido pelas canções que eles escolheram. Algum tempo depois ouvi outro documentário na rádio e desta vez eles abriram com a “Way to Blue”. Fiquei imediatamente preso. É uma canção belíssima e com óptimos arranjos do Robert Kirty também. Ouvi ainda mais canções nesse documentário, o suficiente para ir à biblioteca e trazer uma caixa com canções dele. Acabei por copiar umas 25 canções dele e por concordar com aqueles que defenderam o trabalho dele. Sinto-me tocado pelo comentário do Rob mas acho que antes de ele ir até ao seu jardim ele pensou “bem, passaram-se 27 anos antes do Colin Miles colocar os álbuns e o single num CD. Ele era uma espécie de espécie em extinção, um celacanto – talvez possa explorar essa linha de pensamento e trazer o “elo perdido” para a praça pública. Talvez ele até soubesse que na mesma página estaria uma crítica a um disco de Link Wray, e uma fotografia dele com a legenda “o elo perdido”, e que uma das canções desse disto se chamava “The missing link”. Um guitarrista dos anos 50, atonal, distorcido, cacofónico com um álbum nunca antes ouvido, lançado pela Rollercoaster Record 45 anos depois. Quando li essa crítica, vieram-me à cabeça ligações mais reais que aquelas “abstractas” mencionadas no artigo sobre mim. Eu tenho uma ligação a guitarristas atonais, o Ray Russel, Gary Smith, mas uma ligação estranha surgiu quando uns anos atrás um velho amigo, o Jeff Cloves, crítico na Zig-Zag, que foi suficientemente simpático para criticar o meu primeiro álbum quando saiu, me disse que não muito depois de se ter mudado para uma grande cidade rural, participou numa marcha em defesa de um velho edifício que ia ser demolido por construtores. Ao falar com a pessoa que estava ao lado dele, perguntou-lhe o que ele fazia. Ele respondeu “eu tenho uma pequena editora de reedições de discos chamada Rollescoaster Records” ao que o Jeff respondeu “eu tenho uma amigo que foi reeditado recentemente”. Ele perguntou quem e quando o Jeff lhe disse, ele respondeu “O Bill, eu estava lá quando ele lançou a “Screaming in the Ears” na editora para quem eu trabalhava. Lembro-me bem dele, John Beecher. É uma coisa excelente o que ele faz agora, lançar álbuns que não foram ouvidos na altura. Sem o Colin Miles ter feito a mesma coisa com os meus álbuns na See for Miles em 1998, o que foi um choque, e depois quando a Eclectic o reeditou de novo depois da empresa dele ter fechado, não estaríamos aqui a falar agora. Por isso havia muitas ligações naquela página, mas em relação aos elos que faltam, sinto que sou um escritor de canções, OK, e merecedor de alguma atenção, particularmente a contribuição musical de outras pessoas nas canções. Há algumas coisas boas nos discos, são bons álbuns, mas é só isso. Não os elevaria acima do seu lugar no vasto mundo da música – eles nem sequer tiveram um lugar durante 27 anos. É a forma como eu vejo as coisas. Imensa música boa foi feita por imensa gente. Continua a ser feita. Não quereria fazer com que a minha valesse mais uma audição que a dos outros. Se o Rob estiver a ler isto vai provavelmente pensar: “não é todos os dias da semana que eu decido descrever” alguém como o elo perdido entre o Bob Dylan, Nick Drake e o Ray Davies. Nunca mais escrevo sobre a música dele.
Lançou o seu primeiro single “Some Good Advice”/“Screams in the ears” na Deram em 1967 e três anos mais tarde, em 1970, lançou o seu primeiro disco, intitulado Bill Fay. o que aconteceu entre esses tempos e como foi chegar ao primeiro disco?
Depois do single, com os Fingers como meu grupo, que o produtor Peter Eden tinha proposto, comecei a gravar na Decca possíveis singles sucessores com os Honeybus como meu grupo. Isso foi durante 1968 e inícios de 1969. O Terry Noon, que tinha conseguido o contrato com a Decca, era também agente dos Honeybus. O próprio Terry era música, tinha tocado bateria nos Them e também tocou com o Gene Vincent. Encontrei-me com o Pete Dello para tocar uma canção e talvez juntar alguma ideia para arranjos, antes de o Peter ter feito os arranjos na totalidade. Marcamos depois uma sessão na Decca e íamos gravar a canção – eu, os Honeybus e o aumento. O Pete escreveu arranjos excelentes que envolviam quartetos de cordas, metais e até banjo e harpa. Cada vez que gravávamos uma canção, era mostrada ao painel da Decca mas era recusada enquanto single. Muitas canções foram gravadas nesse período com o mesmo resultado. Olhei para o meu velho contrato não há muito tempo, coisa que não tinha feito na altura, e vi que era válido para quatro títulos. Eu já tinha lançado dois títulos, os lados A e B dos singles. Por isso se a Decca tivesse lançado qualquer um desses singles, e tivessem fracassado como provavelmente teriam, teria lançado os quatro títulos. Seria o fim do contrato e provavelmente os álbuns não teriam sido feitos de qualquer maneira. Por isso apesar de ter sido um período musical produtivo, e ter sido excelente tocar com o grupo, talvez tenha sido bom o facto do painel da Decca ter recusado aqueles singles na altura, ou provavelmente não teria sido possível gravar os dois títulos finais, os dois álbuns. A minha memória desses tempos é que depois do período de gravação dos possíveis singles, alguém na Decca sugeriu que eu gravasse um disco, com alguém a escrever arranjos, e o Peter Eden como produtor mais uma vez. Trabalhava com os Honeybus e de repente mudou. Durante a transição as canções também mudaram, desenvolveram-se e amadureceram, e reflectiram as mudanças pelas quais estava a passar em termos daquilo que procurava. Por isso na altura em que fui convidado a ir para a casa do Mike Gibbs e tocar-lhe as canções ao piano, para as quais ele escreveria os arranjos para uma sessão gravação de um dia do álbum na Decca, elas tinham mudado muito. O álbum foi gravado algures em 1969, mas só foi lançado em 1970.
De Bill Fay até Time of the last persecution muitas coisas mudaram. Deixou para trás os grandes arranjos e a orquestra com 27 músicos. Presumo que tenha sentido vontade de explorar um som mais cru no segundo disco e, segundo sei, um som que pudesse expressar melhor os seus sentimentos no que diz respeito ao assassinato brutal de quatro estudantes no Ohio e tudo o que mais estava na sua mente naquela altura…
Foi uma enorme mudança do primeiro para o segundo álbum. De quase pastoral, no geral, para uma enorme intensidade, ma não foi uma mudança planeada. Foi por acaso. O Peter Eden tinha produzido um álbum do Mike Gibbs e tinha-o escolhido para fazer os arranjos do primeiro disco. Sinto que o input do Mike foi incrível. Foi na verdade o primeiro trabalho a escrever arranjos dele e ele disse-me no dia da sessão que ele tinha juntado isto e juntado aquilo e tinha estado acordado a noite toda preocupado que não resultasse. Resultou, e na primeira pausa fui falar com o guitarrista Ray Russel que o Mike tinha contratado. Foi o início de uma amizade que levou ao segundo disco. As conversas com o Ray, a sua visão das coisas, conversas com outro amigo, coisas que li, levaram ao conteúdo lírico do segundo álbum. Tal como acordado com o Peter Eden, ficou decidido que o Ray iria produzir o álbum e que os músicos do seu próprio grupo seriam os músicos para o disco. Desta vez toquei as canções ao Ray e ele escreveu os arranjos para a sessão de gravação de um dia do disco. Tocaram todos muito bem. O Ray já tinha ouvido as canções antes, mas o Alan Rushton, bateria, não tinha, nem o Daryl no baixo. Excelente trabalho na bateria do Alan, excelente guitarra, tudo gravado ao primeiro take. O Andrew Male da Mojo disse que não conseguia imaginar as canções sem esse acompanhamento e eu concordo. E tal como tu dizes, para lidarem com o conteúdo lírico sendo ele tão sério, as canções nasceram naquele contexto mais cru e urgente. Mas foi tudo por acaso. Se o Ray não tivesse sido contratado para a primeira sessão do álbum pelo Mike, não teria havido um
Time of the last Persecution.
E muito óbvio que não estava à procura de um hit quando escrevia canções; essa nunca foi a sua intenção. O que é que estava à procura na altura?
Quando me sentava ao piano em casa, apareciam-me melodias, melodias que sentia. Depois cantava ao mesmo tempo, e as palavras apareciam depois de tocar essa melodia algumas vezes. Toda a canção ficava escrita no espaço de dez minutos. Não a copiava para uma cassete. Continuava a tocar a canção porque gostava dela. Algumas podiam ser uma narrativa em termos líricos, mas sentia que a maioria reflectia o ponto em que estava cá dentro. Por isso as canções não eram criadas com um objectivo em mente. De certa forma as canções surgiam por elas próprias. Não havia propriamente uma abordagem de escrita. Eram melodias que descobria e as palavras eram um reflexo do ponto em que eu estava na altura. Uma espécie de casamento entre ambas partes. Não é algo que possas analisar, mas isso era tudo o que eu fazia na altura, nesse período de três anos, gravar as canções que surgiam. Não havia consciência de comercialidade, ou de me sentar para gravar alguma coisa dessa forma. Não estou a dizer isso de uma forma “superior” – “oh, não queria escrever canções comerciais” – mas às vezes aparecia uma canção mais “simples”, mais pop. A maior parte das canções saíram assim, em termos líricos algo com significado aliado à melodia, não uma letra escrita que transformas em música, mas algo que ia crescendo a partir da melodia. Eu acho que no início o Terry tinha esperança de sucesso mainstream mas ele nunca me disse “Bill, podes fazer isto?” ou “podes fazer aquilo?”. Depois do segundo álbum ele conseguiu algumas idas à rádio e um spot na televisão onde toquei duas canções sozinhas ao piano, mas ele nunca me disse para, nem nunca me ocorreu, tocar por exemplo a “Be not so Fearful” ou a “Screams in the Ears”, que eram provavelmente mais tocantes ou “mainstream”, ou algo que talvez capitalizasse algum aumento de exposição. Apenas toquei o que andava a tocar na altura. Na verdade, uma das canções que toquei na televisão não podia até estar mais longe do mainstream. Não pensava nisso. Apenas tocava o que andava a tocar na altura, a canção que tinha escrito mais recentemente. Se calhar não foi bom em termos de carreira, mas eu não tinha consciência disso. Lembro-me de o Peter Eden tentar persuadir a Decca na altura a lançar “Be not so Fearful” como single, mas eles disseram que não. Se calhar se o tivessem feito, e tivesse falhado redondamente, teria acabado por utilizar os quatro títulos, terminava o contrato e nem havia segundo álbum. Olhando para trás, com a diversidade musical do single e dos dois álbuns, sinto que o contrato de gravação foi usado da melhor forma possível. Não levou a nenhum sucesso comercial, mas atingi muito musicalmente e sinto-me agradecido pela oportunidade de o ter feito. Ao Terry, à Decca e a todos os que tocaram nas canções. Eu poderia nem sequer ter obtido um contrato em primeiro lugar. Eu tinha aprendido por mim mesmo a tocar piano e foram tempos de progressão, de maturação, no que toca às canções, e por isso tocar com tantos músicos diferentes desde os The Fingers até os Honeybus, os músicos do Mike Gibbs, o Ray e o Alan e os músicos do Ray, foi um enorme privilégio e o resultado final foi mais do que compensador para mim.
Toda a gente se pergunta o que acontece depois do lançamento de Time of the last persecution. Disseram-se algumas mentiras aparentemente, como sabe… Mas a verdade é que depois de lançar Time of the last persecution imergiu no silêncio durante anos. Porquê?
Uma vez que eu obtive um contrato tive a hipótese de fazer os discos (embora conheço pessoas que escreveram grandes canções e deviam ter tido essa oportunidade mas não conseguiram um contrato), suponho que seja razoável procurar por razões pelas quais eu não gravei nada depois de
Time of the last Persecution. No entanto, às vezes podes olhar para razões que nem sequer estão lá. Um crítico pode sugerir uma razão e depois as coisas amplificam-se, por exemplo “problemas com as drogas”. Foi na verdade tão simples como o contrato ter chegado ao fim e não ter sido renovado. Não era uma licença para gravar indefinidamente, infelizmente. Era para quatro anos (desde o single de 1967 até 1971, quando o segundo disco foi lançado) e quatro títulos os lados (os lados A e B do single e os dois álbuns). A Decca devia estar a perder bastante dinheiro. Não queriam continuar comigo e renovar o contrato e perder ainda mais dinheiro. Deve ter sido essa a forma como olharam para as coisas, suponho. O Terry continuou a financiar gravações de demos durante algum tempo com o Ray e o Alan, com vista a obter um contrato algures, mas com os anos 70 chegou um certo afastamento dos discos de cantautores. A canção “consciente” não tinha grande espaço, na verdade, a não ser que fosses um músico estabelecido, e por isso provou-se impossível para o Terry, apesar de muito esforço da parte dele em obter um contrato noutro lugar. Foi o fim de uma era. A expressão “silêncio público” é um pouco empolada no meu caso. Deve aplicar-se a quem está já debaixo do olhar do público e retirar-se conscientemente por algum motivo. Para além de algumas aparições na rádio e televisão, apenas dei uma mão cheia de concertos a solo e um com o grupo do Ray. Não estava sequer debaixo do olho do público para me remeter ao silêncio de qualquer das formas. Dei uma entrevista depois do lançamento do primeiro disco, para um livro sobre cantautores em ascensão, mas que nem acabou por ser publicada, e foi tudo. Essa frase aplicar-se-ia mais ao Pete Dello, que teve um grande êxito com os Honeybus, mas depois de acordar em países diferentes, sem saber onde estava, decidiu que aquela vida não era para ele e deixou a banda conscientemente. No que toca a mim, gostaria muito de ter continuado a gravar, apesar de ao contrário do Pete eu não andar a acordar em diferentes países, mas sim a acordar normalmente, a ter uma série de empregos, com algumas pausas pelo caminho, durante o contrato de quatro anos. Ter um contrato não permite o luxo de não teres de fazer pela vida. O single apenas demorou uma manhã e uma tarde a ser gravado. Os discos demoraram um dia a gravar cada um, e o dia seguinte para ser misturado. Até as sessões com os Honeybus aconteciam apenas de quando em vez. Por isso perder o contrato não trouxe assim grandes mudanças, no que toca à vida do dia-a-dia, para mim. Eu escrevi sempre em casa e isso continuou. Por isso, não houve problemas com drogas. Não houve mistério. Não houve um desaparecimento. Não foi muito rock ‘n’ roll, mas esta é a simples verdade.
Regressou ao estúdio no final dos anos 70 para gravar um terceiro álbum que foi apenas lançado em 2005 com selo Durtro/Jnana. Chamava-se Tomorrow Tomorrow and Tomorrow e foi creditado ao Bill Fay Group. Como foi ter esse disco tanto tempo por editar?
As gravações das demos com o Roy e com o Alan tinham chegado ao fim. O Roy tinha-me dado um gravador de cassetes velho da Sound-on-Sound e eu ia gravando as canções em casa. A certa momento nessa altura, do nada, uma carta foi reenviada para mim de parte da Decca que vinha do Bill Stratton, baterista com um grupo chamado The Acme Quartet, com o Gary Smith na guitarra e o Rauf Galip, no baixo. Uma espécie de grupo de rock instrumental improvisado. Eles tinham gostado dos discos na Decca, e do tipo de coisas que o Ray estava a fazer, e ofereceram-se para ser uma espécie de
backing group. Começou aí um encontro duradouro, uma vez por semana, primeiro na sala das traseiras do Gary, depois num par de pequenos estúdios, e depois num par de grandes estúdios, o que resultou num álbum, algo que tínhamos traçado como um objectivo. Não necessariamente para ser lançado sequer. Canções que nós queríamos completar, para a nossa própria satisfação. Enviei o disco para cerca de 12 companhias discográficas e, apesar de ter havido algumas respostas simpáticas, não deu em nada. Apenas havia grandes editoras na altura. Essa é a grande diferença entre essa altura e os dias de hoje. Se eles não conseguiam adivinhar o sucesso mainstream, ouvir um single, não admitiriam ninguém a bordo. É muito mais saudável agora, apesar de saber que muitas coisas boas não conseguem ainda encontrar o seu caminho. Por isso o motivo para o disco ter estado na gaveta tanto tempo é sobretudo esse. A diferença entre aqueles tempos e estes. Agora existem todo o tipo de pequenas editoras que trazem cá para fora a música que simplesmente querem trazer cá para fora, por razões musicais. Nem sequer alguém como tu existia naquela altura, André. Tanto quanto sei não existiam companhias discográficas que fizessem reedições. Não havia críticos na internet. Acho que a Mojo só apareceu em 1993. Muita coisa mudou. Cerca de dois anos antes do Colin Miles ter reeditado os dois discos da Decca em 1998, com o selo da See for Miles, o guitarrista Gary Smith, que na altura tinha um par de discos de música improvisada em pequenas editoras, falou comigo acerca de lançar o
Tomorrow numa pequena editora que ele conhecia. Nada se materializou nessa altura mas depois dos lançamentos na See for Miles, o guitarrista norte-americano Jim O’Rourke, que mais tarde lançou o
Live at the ICA ‘71 na sua própria editora, contactou um amigo dele em Londres, o David Tibet, dizendo-lhe que devia ouvir as reedições da See for Miles. O David gostou e através de um amigo jornalista da Wire, contactou o Gary Smith. O David foi até à casa dele e ouviu o
Tomorrow sentado no chão e quis lançá-lo em colaboração com o seu amigo Mark Logan no Canadá. O Gary, o Bill e o Rauf encontraram-se para masterizar o disco e mais algumas coisas nas quais tínhamos estado a trabalhar e depois o Davis e o Marl lançaram o disco porque gostaram dele e porque queriam fazê-lo musicalmente. Demorou esse tempo naquela altura até que as pessoas certas chegassem e fizessem isso, não por motivos financeiros, mas sim por motivos musicais. Essa é a diferença entre antigamente e hoje.
Sente que tinha muito mais para dizer depois do lançamento de Time of the last persecution? Considera Tomorrow Tomorrow and Tomorrow o seu terceiro disco?
Na sua profunda crítica na internet à reedição da See for Miles, o Marcello Carlin disse que, tendo expressado o conteúdo dos álbuns, não havia realmente algo para dizer, e por isso não havia mais output musical. É algo que podia facilmente ser verdade. Poderia ser visto dessa forma. Eu aprecio a atenção que ele colocou na sua crítica, e no
Tomorrow Tomorrow and Tomorrow. Tal como expliquei antes, o que aconteceu foi que o contrato terminou. Como escritor de canções, continuei a escrever canções. É uma questão de natureza. É verdade que em termos líricos, depois dos dois álbuns, havia já um molde estabelecido. Algo novo seria sempre variações dos mesmos temas. Mas ao mesmo tempo o
Tomorrow Tomorrow and Tomorrow estava um patamar à frente, em termos líricos, do que o
Time of the last Persecution - menos amplificado para o mundo, como alguns dizem, e mais subjectivo. Mais “calmo”, como disse o Marcello. Por isso sim, vejo o
Tomorrow Tomorrow and Tomorrow como o terceiro álbum, musicalmente e em termos líricos. Em termos musicais, também me deu a oportunidade de trabalhar algumas partes com teclados, algo que não tinha conseguido fazer nos álbuns da Decca, para além de uma camada de órgão em “Release is in the eye” e um mellotron e partes de órgão no single. Algo que eu realmente gosto de fazer. Sinto-me em divida com o contributo do Gary, o Bill e o Rauf, tal como todos os músicos antes desse disco.
Manteve contacto com os membros das bandas que acompanharam-no nos seus discos ao longo dos anos? O que fazem eles hoje em dia?
Estou em contacto com o Pete Dello e o Colin Hare dos Honeybus. Os Honeybus tiveram uma antologia lançada pela Sanctuary há um par de anos atrás e há algumas canções fortes nesse disco, o que mostra que eles não são o grupo vulgar que muitos podiam pensar que eram. Há uma canção fabulosa, entre outras, “Hear me only”, do Pete, gravada no final dos anos 80. Ele está a pensar em gravar um novo disco. O Colin tem agora tardias e bem merecidas criticas positivas ao seu disco a solo,
March Hare, lançado no início dos anos 70. Há uma canção excelente, entre outras, desse disco, chamada “Find me”. Em anos recentes ele tem vindo a lançar gravações recentes na sua própria editora, a Runfast. Uma vez mais, na minha opinião, tem grandes canções. Ele continua a gravar, portanto. Estou em contacto com o Ray Russel e o Alan Rushton, que tocaram no segundo álbum. O Ray tem um álbum lançado recentemente na Cuneiform Records,
Goodbye Svengali, um tributo ao Gil Evans, com quem ele tocou e inclui estilos musicais muito diversificados. É um guitarrista não celebrado e inovador que, tal como disse antes, o Jim O’Rourke reeditou há alguns anos atrás. Ele também escreve música para filmes e televisão e também faz algumas sessões de estúdio e concertos. O Alan tem 70 anos agora mas tem oi seu próprio Alan Rushton Quartet e dá concertos em clubes de Londres. Também dá aulas de bateria a alguns miúdos de 14 anos e uma mulher de meia-idade e está a trabalhar num novo álbum. O Ray também ensina guitarra a alguns miúdos, assim como o Pete Dello. O Gary Smith, guitarrista no
Tomorrow, tem um disco a sair na editora Sijis, chamado
Supertexture. É um CD duplo. No primeiro CD toca guitarra a solo improvisada e no segundo CD contribuição para as mesmas coisas que tocou no primeiro CD de uma variedade de pessoas, desde músicos de electrónica moderna como o Steve Roden e Bernhard Gunter, a uma faixa com o David Tibet e uma faixa comigo. Ele também tem vindo a tocar com uma banda chamada Aufgeheben, que ele descreve, na falta de melhor descrição, como noise moderno, e têm dois discos a sair em breve, um na Riot Season e outro na Holy Mountain (tudo confirmações do que estava a dizer antes, André, nem a Emi, nem a Universal, nem a Warner Brothers…). Também vai sair um disco de uma banda com quem ele toca, Powerfield, numa editora chamada FMR, com o Joe Gallivanm que também tocava bateria com o Gil Evans. A minha esperança pessoal é que algures no futuro, o Gary e o Ray possam fazer um disco em conjunto nas áreas mais
free. Acho que seria um bom disco. Um grande encontro de guitarras. O Bill Stratton e o Rauf Galip, baterista e baixista do
Tomorrow, vão tocar com o Gary em algumas coisas novas em breve. Eles estão a trabalhar em compilar uma versão em vinil do
Tomorrow, que a Drag City vai lançar. Tendo a ver o Rauf mais vezes, socialmente, uma vez que ele não vive muito longe de mim. O Peter Eden diz-me que o George Bird, baixista de The Fingers, que tocaram no single e no primeiro álbum, ainda toca num duo e o Richard Mills, guitarrista de The Fingers, que tocou no single e guitarra acústica no primeiro álbum, ainda toca num grupo. O Mike Gibbs tem escrito música para vários filmes e lançou um disco recentemente chamado
Nonsequence e nos anos 90 lançou um disco mais clássico chamado
Europeana. Há alguns anos atrás comprei uma reedição de
Throb, que foi escrito pelo Mike e tocado pelo Gary Burton Quartet. Excelente.
Sei que teve a oportunidade de conhecer John Peel há muitos anos atrás. O que nos pode contar dessa história?
Não muito tempo depois do segundo disco ter sido lançado, fui a um evento musical ao ar livre no norte de Londres apenas como ouvinte. Havia um jogo de futebol de caridade ao mesmo tempo e ao passar de um palco ao ar livre para o outro passei pelo campo de futebol no exacto momento em que o árbitro apitou para intervalo. Alguns metros à frente estava o John Peel, que estava a jogar futebol. Não teria tomado a decisão de ir falar com ele se não fosse por três motivos. Um deles foi terem-me dito que alguém na Decca lhe tinha dado uma cópia do primeiro álbum e que ele terá dito: “Bill Fay – Screams in the Ears”. Segundo, sabia qual era o papel dele, nas rádios, que coisas que seriam passadas no programa dele não seriam tocados em mais lado nenhum e eu respeitava isso. em terceiro, e mais importante, no vasto mundo da música, senti que tínhamos conseguido algo que valia a pena, em termos sónicos, com o segundo disco. Dentro do progresso da música rock, senti que o disco merecia na altura ser ouvido. Por isso fui falar com o John e falamos durante alguns minutos. Lembro-me de ele falar da quantidade de coisas e pessoas diferentes para ele passar no programa, quão difícil era e eu lembro-me de dizer-lhe “mas eu ouvi-te passar meio disco de Jethro Tull”. Antes de ele atacar a sua muito necessária laranja, antes da segunda parte começar, pedi-lhe que ouvisse a “Come-a-day”, a última faixa “três em um” do disco. Duas semanas depois, um amigo disse-me que tinha ouvido o John passar uma faixa do disco. Eu perguntei qual tinha sido e ele disse que tinha sido a “Come-a-day”. Na semana seguinte passou outra e eu telefonei para o programa para lhe agradecer. Atendeu o John Walters, o produtor, e disse que ele já andava para passar alguma coisa há muito tempo e que esperava ansiosamente ouvir a próxima. ele teve um papel importantíssimo no sentido em que ele tocava coisas que não seriam ouvidas em mais lado nenhum. Acho que apenas fiz em pessoas e brevemente, por causa da circunstância e pelos motivos que mencionei, aquilo que muitos fizera via correio com cassetes, CDs, etc, e é sabido que ele fazia um esforço para ouvir tudo. Não era algo que alguma vez tivesse feito ou tivesse voltado a fazer.
As suas letras pareciam ter sempre alguma mensagem implícita. Colocava muito peso nas palavras. Quais eram as suas influências literárias na altura? Sei que lia muito naquela altura…
Por volta de 1968 as canções ganharam uma forma diferente em termos de letras, reflectindo mais o local onde estava internamente, como se fosse uma procura. Daí “I’m planting myself in the garden”. Liricamente, a superficialidade e irrealismo da festa na “Screams in the Ears”, é no primeiro álbum a superficialidade e irrealismo do mundo. Com “Garden Song” a procura começa a sério com “I’m planting”, tentando colocar-me a mim mesmo numa realidade verdadeira, sem sombras, para acordar para algo que não anda apenas às voltas no mundo, mas algo que está realmente a acontecer; uma realidade mais profunda para a qual eu podia acordar – e depois eu podia ser capaz de levantar-me da minha cadeira ao pé do mar e ser capaz de dizer que tinha estado lá, que eu tinha visto, que senti algo de uma realidade mais verdadeira e profunda, apesar de não saber o que isso era. Tudo aquilo em que eu acreditava fortemente era que havia algo a descobrir e que podias encontrar. O ponto de partida seria o mundo natural que nos rodeia – as árvores, as coisas vivas. Não apenas o que nos diziam sobre as coisas. Descobrir alguma coisa da essência das coisas no seu próprio direito.”Looking for lasting relations”. “Down to the bridge and there we’ll be quiet and listen awhile”. Eu não estava a tentar ver dentro. Eu estava a tentar sair fora da minha cabeça, para ligar-me a alguma coisa que existir por seu próprio direito, fora de nós. Eu estava a tentar chegar até um mundo mais verdadeiro que está à volta de todos nós, e que existe de uma forma profunda fora de nós. Parecia-me que quando demos nomes às coisas, as tínhamos explicado “para fora” – apenas tinham significado na nossa própria cabeça. Isso era basicamente onde eu estava na altura do primeiro disco. O que influenciou esse espaço de procura é difícil dizer. Conversas com amigos foram provavelmente mais importantes do que outras influências. Olhando para trás e tentando responder à tua pergunta acerca de influências literárias, talvez, apenas talvez, o John Steinbeck, cujas coisas li quando tinha cerca de 16 anos, foi uma influência dessa forma. Há uma parte no
The pastures of Heaven, que acontece no Salinas Valley, que me marcou imenso na altura, onde há um homem velho nos ramos de uma árvore e noutro ramo há um rapaz que estava a faltar à escola, e ambos discutem o significado da vida. Identifiquei-me muito com essa “imagem”. Acho que o homem acaba por dizer que o melhor livro que alguma vez leu tinha sido o
Travels with a donkey, do Robert Louis Stevenson. Fui direito à biblioteca e trouxe-o. É um livro simples e idílico que acontece em França, com muitas “colinas” e “estrelas”. Andei de livro em livro do John Steinbeck quando tinha 16 ou 17 anos e neles existem todo o tipo de coisas, injustiças, muito humano; coisas simples como alfalfa, remendos – o tipo de coisas idílicas e também aquele lado da vida mais duro. Também havia “mais alguma coisa” como naquela situação na árvore, lado a lado com lutas. Estranho também, acho eu, títulos como
The Grapes of Wrath e
East of Eden, quando influências bíblicas vieram até à minha própria imagem e moldaram
Time of the last Persecution. é muito difícil descrever em poucas linhas então o que influenciou a procura. Houve livros como o budismo zen e outros que subscreviam a ideia que estávamos “adormecidos”. Os livros de Teilhard de Chardin tiveram efeito. A ”Garden song” encapsulou de certa forma aquilo que estava a tentar fazer. A tentar acordar do sono, no que dizia respeito às coisas à nossa volta. Lembro-me de ler os seguintes autores como George Orwell, Samuel Beckett, Henry Green, Kurt Vonnegut Jnr., Herman Hesse, Mervyn Peake, Somerset Maugham, W. B. Yeats, T. S. Eliot, Jack Kerouac, David Karp (
One), Yevgeni Zamyatin (
We); e muitos outros. Normalmente quando gostava de alguma coisa que tinham escrito, tentava ler todos os outros. Se alguns deles me influenciaram depois de os ler, ou se senti mais empatia com o que escreveram é difícil dizer. Fico-me com a possibilidade do John Steinbeck, acho. Se a soleira de alguma pessoa está envolvida é certamente merecedora que nos deitemos nela.
Como descreveria os anos que passaram entre o lançamento de Time of the last persecution e hoje?
Bem, é metade de uma vida que se passou. Por isso não é um de tempo que possa simplesmente ser sumarizado ou descrito de uma forma pessoa, em algumas frases. Isso é verdade para toda a gente. Ninguém pode fazê-lo, na verdade. Aconteceram mudanças, mas não mudanças no geral, acho eu. Eu vi o David Attenborough, o naturalista, falar na televisão recentemente, numa breve entrevista. Estavam a falar dos anos 60, dos problemas que existiam na altura e ele disse que havia ainda mais nos dias que correm. E eu acho que isso é verdade.
Imagino que ao longo de todos esses anos tenha continuado a ouvir música… Quais são os discos que gosta sempre de manter perto de si?
Esta é uma questão realmente difícil. Porque se mencionas alguns que ouviste que gostaste não menciono outros e não é justo para esses discos. Só existe um determinado tempo para os ouvir de qualquer das formas, uma vez que muita coisa continua a ser lançada que nem sequer chegas a ouvir. A melhor parte dessa música nem sequer ouvirias na rádio de qualquer das formas. Se eu mencionasse um excelente álbum de há algum tempo atrás, por exemplo o
Land of Dreams do Randy Newman, não mencionaria o Eric Bibb ou o Chris Smithers, por exemplo, ou o Richard Ashcroft em tempos mais recentes. E ao mencionar estes já não estou a mencionar outros que deveriam ser mencionados. Coisas ao vivo do Paul Brady e do Steve Earle, digamos. É mesmo difícil. As últimas coisas que ouvi na rádio que achei serem óptimas foram a “Somewhere only we know” dos Keane e alguns temas do último disco do John Prine. A “Poor Places” dos Wilco é uma grande canção, apesar de não a ouvires na rádio. Sempre gostei muito de um grupo chamado Procol Harum – algumas das canções deles - e comprei uma reedição dos discos deles recentemente. O Bill Stratton enviou-me o mais recente disco dele,
Wells on fire, gravado depois de uma longa ausência, e quatro ou cinco temas tiveram grande impacto em mim. Excelente. E pergunto-me porque é que eles não passam na rádio apesar de ter reparado que tocaram no Festival Isle of Wight este ano, ao lado dos Coldplay e do Richard Ashcroft e isso é bom. Obviamente ouvi todas as coisas dos Wilco e de Uncle Tupelo, e a formação actual deles é excelente. E estou a ouvir algumas coisas do Jim O’Rourke via Loose fur e espero ouvir mais algumas das coisas dele em breve. O novo álbum do Ray Russel, o do Colin Hares, o do Gary Smith, Nels Cline dos Wilco, Current 93 e o Michael Cashmore dos Current 93, tenho ouvido estes ultimamente. E o
Kicking Television, o disco ao vivo dos Wilco – grande faixa a terminar, “Comment”. O John Terrill da América e os Blue Eyed Black, um grupo de Manchester e a música de um amigo, John Maslen, e um velho vizinho, Sean Dempsey. Um escritor sueco, Karl-Jonas Wingvist, e um par de americanos, Leigh Gregory e Gabriel Minnikin. Ainda estou à espera que o álbum do Alan Rushton seja editado e os The Acme Quartet também. Também tenho ouvido muito a Box Set de 5 CDs que o David Tibet e o Mark Logan lançaram na Durtro/Jnana, chamada
Not alone, que ajuda o trabalho da Medicins Sans Frontiers – toda a receita das vendas vai para eles. Entre as contribuições estão temas do Devendra Banhart, Antony, Six Organs of Admittance, Shirley Collins, Vashti Bunyan, Max Richter, Bonnie ‘Prince’ Billy, Nurse with Wound, Current 93, Clodagh Simmonds, Thurston Moore, Jim O’Rourke, Marc Almond, entre muitos outros – 75 ao todo. O David perguntou se eu queria contribuir com um tema e por isso fiz uma gravação caseira. Existem muitas coisas boas nessa compilação. Eu tinha ouvido uma peça do Max Richter antes num programa de rádio australiano para o qual tinha tido uma conversa ao telefone. Gostei muito. Reparei que ele tinha feito alguns dos arranjos do novo disco da Vashti Bunyan. Há um tema excelente de Baby Dee também nessa caixa. Outra Box set que tenho ouvido recentemente (talvez seja por isso que estou a demorar tanto a responder às tuas perguntas, André – todas estas audições)… Desta vez 88 temas -
Athens in Eden – an anthology of British & Irish Folk 1955-1978, compilada para a Sanctuary pelo David Wells, que foi simpático o suficiente para me incluir – “Warwick Town”. Desta vez com uma lista de artistas demasiado longa para mencionar mas para mim os destaques são as canções de Harvey Andrews, Bert Jansch, Matt McGinn, Mick Softley, Sandy Denny, Al Jones, Michael Chapman, Shelagh Mcdonald, Andy Roberts, Nick Drake, Sweeney’s Men, Dransfield, Ian Matthews, Decameron, Heron, Duncan Browne e uma grande canção de C. O. B. – “Spirit of Love”. Foi bom ouvir todas estas pessoas que nunca tinha ouvido antes e uma quantidade enorme de grandes canções. O Rob Cochrane, que tem colaborado em termos de letras com o John Howard recentemente, e que contribui com letras para os Blue Eyed Black, um grupo de Manchester, vai lançar o disco de estreia deles em breve na sua editora, a Bad Pressing. Eu ajudei a compilar o conteúdo e escrevi algumas notas no livro do CD sobre eles. O Steve Hywyn, vocalista, guitarrista e escritor de canções, costumava tocar na respeitada banda de rock galesa Y Brodyr. É um excelente grupo. Boas canções. Bom som. Para fechar esta secção, gostava de falar de alguém cuja música é bastante própria para mim neste momento. Ouvi pela primeira vez o Matt Deighton há uns três anos atrás quando ele foi bom o suficiente para gravar um par de canções minhas para um futuro álbum. Tive a oportunidade de ouvir o antigo disco dele e havia algumas canções muito fortes. O Brian Anger tocou nele. Ele não o promove mas soube através de outra pessoa que ele tinha tocado guitarra com os Oasis numa digressão europeia e tocou com a banda do Paul Weller também, assim como com o Brian Anger. Ele também começou a colaborar com o Chris Difford dos Squeeze e ainda toca com ele. Tive a oportunidade de ouvir essas canções também e algumas delas eram muito fortes. Quando ele lançou um álbum chamado
Wake up the Moths, enviei algumas coisas deles a alguns jornalistas musicais. Recentemente ele tem escrito e gravado com um amigo, Chris Sheehan e o conjunto de canções que eu ouvi, chamado
The Bench Connection, salta directamente das colunas para o teu coração. Eles ligaram-se mesmo a uma veia musical, tudo, o som das vozes, a harmonia vocal, musicalmente e em termos líricos, é mesmo especial. As coisas dele já eram suficientemente fortes mas agora parecem ter saltado para um nível que para mim está ao lado do melhor que qualquer um possa estar a fazer neste momento – ou tenha feito. Acho que o disco vai sair em breve na Fifty-Fifty e um single estará disponível para download.
Ouve alguns dos artistas da chamada nova geração folk – ou freak-folk – que floresce nos Estados unidos, como o Devendra Banhart e outros? Parece que todos eles conhecem a sua música e a apreciam…
O David Tibet foi simpático e enviou-me os discos do Devendra. Achei que “Heard somebody say” e “When they come” do
Cripple Crow e “Will is my friend” e “Autumn’s Child” do
Rejoicing in the Hands eram grandes canções. Verdadeiramente tocantes. Ouvi um disco do Ben Chansy enquanto Six Organs of Admittance,
Compathia, através do David também e achei que era excelente. O Ben foi muito simpático há uns anos atrás depois da See for Miles falir e escreveu algumas linhas sobre os meus álbuns no site dele. Tem muito significado para mim que ele tenha feito isso. Acho que eles são amigos, o Devendra e o Ben, talvez o Ben tenha tido a oportunidade de ouvir os discos através do David Tibet, uma vez que ele toca bastante nas coisas do David. A música deles parece chegar a um público cada vez mais amplo e isso é óptimo. É complicado para mim compreender quando, depois de tanto tempo, outros músicos e escritores de canções acolhem o que fizeste na altura e o valorizam. Sobretudo quando as canções não existiram literalmente durante 30 anos, é um sentimento difícil de explicar, quando são respeitadas e sentidas hoje em dia por pessoas que tu próprio respeitas imenso.
“Be not so fearful” foi incluída no filme dos Wilco e há quem diga que eles chegaram a fazer uma versão da canção em alguns concertos. O Jim O’Rourke fez uma versão da “Pictures of Adolph” no projecto Protest Records do Thurston Moore. Está consciente de tudo isto? O que pensa sobre tudo isto?
Eu não sou muito de computadores e quando descobri através de uma pessoa que havia algumas coisas na internet também descobri que a “Be not so fearful” estava a ser mencionada em alguns fóruns em ligação com o Jeff Tweedy dos Wilco, porque ele tocava-a ao vivo a solo às vezes. Eu sabia da existência dos Wilco e tinha visto um documentário sobre o envolvimento deles no projecto de Woody Gutherie,
Mermaid Avenue. Fui apanhado de surpresa. Mais tarde sobre do documentário em DVD sobre a banda,
I am trying to break your heart, no qual o Jeff canta um extracto da canção nos bastidores. Isso já teria tido significado o suficiente para mim. Não esperava uma versão de grupo da canção. Pensei que era algo que o Jeff gostava e tocava sozinho às vezes. Imaginei que quando o Jim O’Rourke misturou o
Yankee Hotel Foxtrot tenha mostrado os meus discos ao Jeff, tal como falou dos discos ao David Tibet, que lançou o
Tomorrow. Todos os caminhos pareciam ir dar ao Jim naquela altura, particularmente porque ele editou na sua própria editora uma reedição do
Live at the ICA’71, do Ray Russel. Embora na verdade todos os caminhos fossem dar realmente até ao Colin Miles, que editou os discos trinta anos depois e o Jim Irvin, que os criticou de forma tão favorável na Mojo. Mais tarde fui ver os Wilcon num concerto no London Astoria. Sabia que eles estavam a atravessar algumas alterações na formação e eu senti que foi um concerto fenomenal, um excelente conteúdo em termos de som e de canções de uma banda que agora tinha seis elementos. Eles atravessaram por uma tempestade e por isso pensei que estariam rodeados por sabe-se lá quem nos bastidores, jornalistas de música, por isso não queria intrometer-me e pedir para dizer “olá” por isso enviei um par de cópias do
Granfather Clock, que tinha acabado de sair (que tinha a demo original da “Be not so Fearful”), uma para o Jeff e outra para o Sam Jones, o realizador, que disse no DVD que gostaria de ter uma cópia da canção – isso era o melhor que podia fazer, uma vez que a See for Miles tinha acabado de falir. Mandei-os com uma grande nota de agradecimento e disse que tinha ouvido falar que existia uma compilação bootleg de fãs na internet que tinha uma versão completa do Jeff a tocar a “Be not so Fearful” a solo algures. Eu perguntei se havia uma versão disso. Não muito depois chegou-me um CD-R no correio e uma mensagem dizendo que eu devia definitivamente dizer “olá” quando eles voltassem. Eu estava numa rua bem movimentada do norte de Londres às espera de alguém, a ouvir o CD num walkman, que era uma gravação ao vivo dos Wilco em Nova Iorque. Era incrível, e questionei-me se no fim estaria a versão solo do Jeff da canção. O CD-R do concerto terminou com “Got one more song…” e depois surge uma versão de grupo da “Be not so Fearful”. Foi totalmente inesperado e tão tocante quanto é possível ser. Era uma grande versão e o Pat, o teclista, simulou os arranjos de cordas do Mike Gibbs. Estar ali naquela rua muito movimentada do norte de Londres a ouvir uma versão tocante da canção por um grupo que respeitava… Foram uns minutos que ficariam comigo para sempre. Como se isso não fosse suficiente, eu pensaria certamente, mais tarde enviaram alguns convites para o próximo concerto deles em Londres e eu acabei por conhece-los nos bastidores depois de eles terem terminado o concerto deles de novo com essa canção. Foi uma noite muito tocante. Excelentes pessoas. Excelente banda. Grande concerto. Fico ansiosamente à espera daquilo que eles possam fazer a seguir musicalmente. No que toca ao Jim O’Rourke e a “Pictures of Adolph Again”, alguém me disse que havia uma referência na internet e eu perguntei ao David Tibet, que estava em contacto com o Jim via e-mail, se ele lhe podia pedir uma cópia. O Jim disse ao David que ainda não estava ainda terminada. Bastante tempo depois fiz um spot na BBC 6 no programa Freakzone do Stuart Macorie, tocando alguns temas de diferentes pessoas com quem tinha tocado. Depois disso o Stuart falou da canção pelo Jim, que estava disponível para download e se eu queria que eles me enviassem uma cópia. Eu disse-lhe que o Jim tinha dito ao David que ainda não estava terminada e que por isso seria melhor eu esperar até que estivesse. Eu acabei por gravar o programa da semana seguinte (é um excelente programa) e acabei por ter outra experiência como a que tive com os Wilco. Perto do final do programa, o Stuart disse que tinha falado comigo sobre a versão do Jim da “Pictures of Adolph” e que eu tinha dito que não estava terminada. Ele disse que estava terminada e depois passou a canção. Tal como o walkman e os Wilco, foi totalmente inesperado e era uma versão tocante. Grande voz, a guitarra é excelente, o piano e o Gleen dos Wilco na bateria. Grandes arranjos. Que maneira incrível de ouvir versões das nossas canções de pessoas que respeito imenso – ambas inesperadas, uma num walkman numa grande rua e outra na minha sala de estar na rádio. São mais alguns minutos que ficarão comigo para sempre. É um feedback mais do que suficiente para um escritor de canções. Significa muito para mim.
A Wooden Hill lançou em 2004 From the Bottom of an Old Grandfather Clock, uma colecção de demos e outtakes. O que nos pode dizer acerca deste lançamento?
Alguns anos depois da reedição na See for Miles, descobri pelas declarações de um editor que uma velha canção minha dos anos 60 e algumas demos do primeiro álbum tinham sido lançadas numa pequena editora de vinil, Tenth Planet -
Nice – an anthology of Peter Eden productions. a editora era um projecto do jornalista musical David Wells. Uma das faixas do LP, “Pilgrim”, do Gerald Moore, justifica para mim os seus esforços para desenterrar dos anos 60 coisas que não foram previamente ouvidas. Uma grande faixa. Telefonei ao David a agradecer-lhe e ele disse-me que o Peter Eden tinha-lhe passado as demos antigas por consideração pelo LP e no fim da chamada ele falou da possibilidade de lançar um LP meu se eu tivesse alguma coisa ainda dos anos 60 ou até esticar até aos anos 70. Ao longo de um período de tempo, as coisas que eu lhe enviei preencheram o conteúdo do álbum, que eventualmente ficou se transformou num CD na sua editora Wooden Hill, em vez de uma edição em vinil na Tenth Planet. Demorei a algum tempo a vasculhar algumas coisas diferentes dessa altura e eu queria nesse disco alguma coisa do meu irmão, que também tinha escrito nos anos 60. Submeti uma foto antiga do meu pai e minha, tirada na altura, e o David concordou que essa fosse a capa, por isso fiquei feliz por ter o meu pai e o meu irmão a bordo dessa forma também. É uma espécie de colecção honesta de coisas dessa altura. O título vem do facto de um amigo antigo ter comprado um relógio de cuco [grandfather clock] no final dos anos 70 e quando por alguma razão ele abriu a parte de trás havia lá uma revista na parte de baixo com uma crítica ao meu primeiro disco com o título “Shame about Bill”, que falava de forma pesarosa pelo facto de não ser mais ouvido de uma forma geral, de certa forma derivativa da longa peça do Jeff Clove na Zig Zag em 1970. Não soube da existência dessa crítica na altura. Achei isso muito estranho no final dos anos 70, ainda mais estranho quando o David Wells me pediu vinte anos depois disso para ouvir coisas velhas. O que lhe enviei eram cassetes que de certa forma tinham estado na parte de baixo de um relógio de cuco [grandfather clock]. Daí o título.
Como se sentiu quando Eclectic Records contactou-o para reeditar os seus dois discos? Como sente este novo interesse na sua música? Tem um site na internet dedicado a si que se apresenta como o “único site sobre Bill Fay na internet”…
Foi assim: muito tempo depois a See for Miles faliu, e os discos deixaram de estar disponíveis de novo, o Jim O’Rourke, com algum encorajamento do David Tibet, contactou a Decca com vista obter uma licença e disponibiliza-los de novo. A resposta da Decca ao Jim foi que alguém no Reino Unido estava já no processo de obter uma licença e de os lançar de novo. Eu telefonei à Decca para saber quem era e disseram-me que era o Mark Powell, que tinha compilado recentemente uma antologia de material da Decca dos anos 60 para eles,
Legendo f a mind. Falei pela primeira vez com o Mark nessa altura, ele tinha começado todo o processo, e disse-me que a intenção era lançar os discos na sua editora, a Eclectic. Estou contente de estar com eles. São uma editora orientada para a música. são boas pessoas. Eu dou muito valor ao facto da música estar disponível outra vez. Poderia muito bem não ter acontecido. Em relação a site, depois de ter tentado contrariar um par de críticas que estavam totalmente erradas, pedindo que as revissem à luz do que estava a dizer acerca de ter simplesmente perdido um contrato (ainda não foram alteradas até agora pelo que sei), o David Tibet ofereceu-se para criar um site com isso em mente, que contraria tudo o que estivesse errado. Disse na altura que me parecia um pouco uma auto-projecção e demasiado grandioso para mim, apesar de perceber que as pessoas tenham sites. Muito tempo depois acho que estava a falar com o David Wells ao telefone e ele disse “estava a ver o teu site no outro dia à noite” e eu disse “qual site?”. Alguém aparentemente tinha criado um. O David Tibet procurou-o por mim e acabamos por saber que tinham sido uns jovens estudantes de música do norte da Inglaterra que o tinham criado porque não havia um e porque gostavam muito da música. o David imprimiu algumas das letras que estavam lá porque precisavam de alguma revisão e eu fiz isso e enviei-lhes as correcções com uma nota de agradecimento. Os motivos deles eram genuínos e eu senti-me tocado. É um pouco como a forma como falava ali atrás da música do Matt Deighton – gostas e por isso sentes-te motivado a falar sobre ela. Foi isso que os estudantes de música fizeram, acho eu, através de um site. Tu mesmo André, ao fazeres estas perguntas para a tua revista, como os jornalistas, é a tua forma de falar a alguém para além da cerca do jardim. É a mesma coisa com os estudantes de música e do site que eles criaram. O Matt é um pouco similar a mim, creio, uma vez que nos últimos dois anos se fores ao site dele lês “Coming soon” e por baixo há uma foto dele a dormir no sofá. Fica semrpe assim, ainda não foi criado. Apesar que com o disco quase terminado dele e do Chris Sheehan, chamado
Bench Connection, que já tem tido alguma atenção nas rádios, acho que isso vai mudar em breve. Eu não vejo o site uma vez que não uso muito computadores (tenho um gravador oito pistas Korg D8 e um teclado Technics e isso é mais do que a tecnologia suficiente para mim), por isso não sei o que há no site actualmente e acho que eu próprio preciso de estar de certa forma distante de tudo isso, não ter responsabilidade nessa projecção, ou na resposta que há a tudo isso. Eu passo o meu tempo a trabalhar numa canção, não penso nesse lado das coisas, uma vez que pode tornar-se algo preocupante, influenciar o efeito que a tua música pode ter. É bom da parte deles fazerem isso no entanto.
A Vashti Bunyan tem uma história semelhante à sua. Passou trinta anos sem mostrar a cara e agora regressou e lançou um novo disco. Alguma vez lhe passou pela cabeça gravar um novo disco? Podemos esperar um novo disco no futuro?
O período de trinta anos de facto é estranho. Mas há outros casos similares, no entanto. O David Tibet reeditou um álbum do final dos anos 60 do Simon Finn e ele agora toca ao vivo com os Current 93 às vezes. O David disse-me que havia um grupo na Deram mais ou menos na minha altura chamado Mellow Candle e ele conseguiu encontrar um dos membros, a Clodagh Simonds, escritora de canções e cantora do grupo. Ela tem uma canção incrível, “The Glacial Lake” na caixa
Not Alone - Medicins Sans Frontieres, ao lado da Vashti Bunyan. Já mencionei o disco
Pilgrim, do Geral Moore, na editora Tenth Planet do David Wells e quando falei com o Peter Eden a última vez, ele disse-me que os Geral estava a fazer coisas fantásticas e que ele estava a trabalhar num novo disco. Falei do Colin Hare também, e deve haver outros – Buffy St. Marie e o Jack Bruce passam-me pela cabeça, apesar de não saber o que eles têm feito durante estes anos. A “Keep hustling tomorrow”, do Jack Bruce, é uma canção fabulosa e pouco falada e ouvida. Eu acho que há imensas canções raramente ouvidas por pessoas que nunca tiveram uma editora em primeiro lugar. Um pouco como aquela parte da canção dos Wilco – “as melhores bandas nunca são contratadas”. No que diz respeito a gravar um novo disco, a Drag City, que vão lançar o
Tomorrow em vinil este mês, disseram que queriam lançar um disco meu. A Eclectic também o disse. O David Tibet e o Mark Logan (Durtro/Jnana) disseram sempre que queriam também. Até o jornalista musical Richard Morton-Jack, que tem uma pequena editora, a Sunbeam, ofereceu-se para lançar um disco. Sinto-me muito sensibilizado por tudo isso. Não existe falta de canções, nem de outros músicos. Neste momento ainda estou a gravar em casa, como sempre fiz, e a compilar canções.