A Sacred Bones tem-se revelado uma mina enorme de tesourinhos: dos Pop. 1280 aos The Men, de Zola Jesus aos Psychic Ills, muitos são os nomes que a editora de Brooklyn catapultou para os holofotes da ternura não-
mainstream. E entre os seus lançamentos mais recentes está
Abandon, disco de estreia de Pharmakon,
nom-de-guerre de Margaret Chardiet que explora o
noise e a definição de electrónica de monstros como os Whitehouse, enquanto injecta alguma vida num género que parece sempre prestes a colapsar sobre si próprio - ou a fazer colapsar tudo à sua volta.
Punk de gema com presença marcada no Porto e em Lisboa, fomos falar com ela sobre o que significa este trabalho.
Cresceste num ambiente marcado pelo punk, mas viraste-te para o noise e para a power electronics na tua adolescência. O que é que proporcionou essa mudança? Qual foi, na altura, a tua maior inspiração?
O momento em que ouvi
noise pela primeira vez foi [para mim] uma epifania. Fiquei empolgadíssima por ouvir algo totalmente novo e tão diferente de tudo o resto. Não é que tenha parado de ouvir outros géneros, mas assim que ouvi
noise apercebi-me que era aquilo que queria fazer. Havia encontrado a minha forma de expressão. Con-Dom, Whitehouse, Anenzephali e Atrax Morgue são alguns exemplos de bandas que me cativaram - definitivamente a
power electronics, cenas com conteúdo/conceito, letras e obscenidade.
Mesmo tendo raízes no noise e apesar do título, Abandon parece-me um disco muito humano - por exemplo, o facto de lhe teres adicionado a tua voz confere-lhe uma certa vulnerabilidade, uma vez que nos relembra que aqueles sons são, em última instância, criados por alguém. É por isso que "Milkweed" começa com o som dos teus gritos? Consideras o noise um estilo desafiantemente anti-humano ou, por outro lado, como uma exploração de um lado que existe em todos nós?
Considero o
noise desafiantemente humano. Encaro sons que manifestam as palavras, ideias ou emoções que estou a tentar exprimir e dou-lhes vida. Deste modo, os sons são um produto directo do meu cérebro, e o que é que pode ser mais humano do que isso? Começo o disco com um grito porque a voz é o instrumento mais íntimo que pode haver. É vulnerável e única ao seu possuidor, fala aos nossos instintos. Eu queria desde logo dirigir-me ao ouvinte, de um humano para outro.
"Sour Sap" é uma faixa bónus presente em algumas edições de Abandon. O que é que tem de tão especial?
"Sour Sap" foi escrita em 2009, foi gravada duas vezes, ficou perdida durante anos, e quando foi recuperada e concluída já o meu material se tinha encaminhado noutras direcções, portanto já não representava muito bem o projecto em questão. Inicialmente era para ter sido o meu primeiro longa duração, mas estava como que amaldiçoada. Tornar-se numa faixa escondida foi o ideal para ela, uma vez que sempre existiu na obscuridade.
Quem projectou a capa do disco e qual o significado por detrás da mesma?
Foi numa altura turbulenta da minha vida. Estava a ver-me livre da maioria dos meus pertences porque não tinha onde viver. Deparei-me com uma carta antiga que continha uma rosa prensada e, quando a abri, caíram-me larvas no colo. Pareceu-me uma manifestação física e directa da morte de um mundo que tinha sido arrancado por debaixo de mim. Decidi deixar-me ir numa sensação de abandono. Queimei a carta e, espontaneamente, parti numa
tour de um mês. Foi durante esse período que escrevi as canções de
Abandon. Pode-se assim dizer que a capa, o título e as canções surgiram em simultâneo. A minha irmã, Jane Chardiet, ajudou-me a fotografar a capa.
Nos teus concertos reges-te estritamente pelo álbum, fazendo com que tudo soe ao que está gravado, ou encaras o palco como uma espécie de tela onde podes explorar e ir mais além? O que poderemos esperar dos teus concertos em Portugal?
Eu não improviso, portanto irei tocar um conjunto de canções do
Abandon e algum material novo no qual tenho andado a trabalhar.
Como é que acabaste na Sacred Bones?
Os nossos caminhos foram-se cruzando, entraram na minha vida fortuitamente. Sempre me deram muito apoio e iam aos meus concertos, e durante o tempo em que estava a escrever o
Abandon andava em
tour com uma outra banda da editora. Quando se ofereceram para editar o meu disco, tudo fez sentido. Gosto que só editem bandas pelas quais tenham alguma paixão, independentemente do seu estilo ou género.
O que é que o futuro pode esperar de Pharmakon?
Estarei em
tour por toda a Europa de 18 de Outubro a 7 de Dezembro, e espero continuar a explorar o novo material, no qual tenho vindo a trabalhar, quando regressar, e provavelmente gravá-lo quando estiver pronto.
És uma leitora compulsiva. O que é que tens lido ultimamente?
Minha Mãe, de Georges Bataille, e
The Process, de Brion Gysin.
Tradução por Inês Sousa Vieira