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William Tyler
Guitarra com uma causa


Impossible Truth, o segundo disco do norte-americano William Tyler, confirma-o facilmente como um dos mais interessantes e legítimos herdeiros do finger-picking. Mas a guitarra nas suas mãos tem uma mensagem: a mensagem do fim-dos-tempos, destes tempos, com uma réstia de esperança para o que possa vir depois. William Tyler assume-se neurótico, apaixonado por Nashville (onde nasceu), leitor ávido, consciente das suas limitações, desejoso pelo reconhecimento mais alargado de John Fahey e da sua genialidade. Dias antes de se estrear em palcos portugueses (é já esta terça-feira no Musicbox), falamos com o guitarrista norte-americano para descobrir isto e muito mais.
Li algures que escreveste o teu belíssimo novo disco em digressão, entre a leitura de dois livros. Fala-me mais acerca disso, da inspiração, do cenário…

Eu andava a ler uma data de livros ao mesmo tempo que falavam sobre a teoria urbana, ambientalismo especulativo, o pico do petróleo, alguns dos quais são explicitamente referidos nos títulos das músicas, como em "The Geography of Nowhere" e "Desert Cadillac". Eu tinha muitas dessas músicas, ou pelo menos os quadros gerais, quase completadas mas queria algum tipo de conceito narrativo para moldar o disco e eu acabei, de ânimo leve, por optar por algo sobre o fim do mundo.

Quando olhas para trás, para o teu Segundo disco, quais dirias serem as maiores diferenças deste ultimo trabalho?

A diferença sónica óbvia entre este disco e o anterior Behold the Spirit é a presença central da guitarra eléctrica em vez da acústica, mas acho que de uma forma geral o disco tem uma progressão mais unida e linear. Isto acontece em parte tendo em conta a minha tentativa de contar uma história, como dizia há pouco.



Neste disco tiveste uma certa ajuda dos teus amigos. Como foi o processo de escrever e gravar este Impossible Truth?

Escrevi-o eu próprio, em casa e em digressão mas sim, existem outros músicos envolvidos. São apenas amigos, pessoas com quem toquei no passado, pessoas a quem eu posso telefonar e perguntar se querem vir a estúdio tocar, nas quais confio implicitamente em relação à direcção [musical] que eles vão tomar.

Qual é o significado por detrás do título do disco? Porquê Impossible Truth?

Foi um encontro fortuito com um título apropriado. Impossible Truth foi o nome da primeira curta cómica que o Albert Brooks realizou para o primeiro episódio do Saturday Night Live. Adorei o título e ao mesmo tempo a ambiguidade que está implícita.

Como é explorar o legado do fingerpicking? Sentes algum tipo de responsabilidade ou peso pelo facto de teres assumido esse papel?

Sim, existe uma tradição muito séria e um “ofício” e eu estou sempre a tentar honrar isso. Pode ser intimidante e libertador ao mesmo tempo.

Quais são os teus guitarristas americanos favoritos hoje em dia? Algo entre músicos bem conhecidos e outros não tão conhecidos…

Adoro o Ben Chasny, Richard Bishop, Steve Gunn, Ira Kaplan, Nels Cline, Buddy Miller, Blake Mills. Há um guitarrista de Nashville chamado Kenny Vaughn que eu acho que poderá ser o melhor guitarrista no planeta. Ele consegue tocar como o Chet Atkins ou o Marc Ribot.

Descreve-nos Nashville para aqueles que nunca lá foram. Quais são as tuas memórias de crescer por lá?

Senti sempre Nashville como uma grande vila em vez de uma grande cidade. Pessoas amigáveis, pessoas com olhos brilhantes, muitos grandes sonhos, muitos sonhos desfeitos. Verões húmidos e sufocantes, viagens até ao campo aos fins-de-semana. Mais e mais restaurantes de sushi e engarrafamentos causados pela saída de pessoas do Sul da Califórnia que foram viver para o Tennessee. É o tipo estranho de lugar que é construído principalmente à volta da música e das pessoas que a fazem, e isso é um hímen para pessoas criativas. Não necessariamente um hímen para gente estranha ou progressistas, mas definitivamente um hímen para músicos e pessoas que querem ser famosas.



Conheces um guitarrista português chamado Carlos Paredes? Tenho a certeza absoluta que te vão fazer esta pergunta na noite em que tocas em Lisboa…

Sim, conheço. E ele é fantástico.

Presumo que toques a solo em Lisboa. Como te sentes ao vivo a tocar um disco que tem um som tão cheio?

Aprecio bastante. Existe um balanço entre o grande risco e a grande recompensa quando estás a tocar a solo e eu prefiro assim.

Sinto-me sempre um pouco preocupado quando conheço um americano que não sabe quem foi John Fahey. O que devo fazer?

Eu acho que a consciência do Fahey enquanto força cultural e artística avançou finalmente para além de alguns poucos guitarristas, críticos e coleccionadores de discos. Quando eu conheci a música dele, não conseguias encontrar os discos dele em lado nenhum, não havia informação, tive de os encontrar numa livraria. Agora ele é referido em críticas a discos a todo o momento, embora às vezes de forma pouco precisa. Eu continuo a esperar que a apreciação pela música que ele fez possa crescer mas a verdade é que ainda é conhecida apenas por algumas pessoas.

Não me perguntes porquê mas o teu disco parece-me uma banda-sonora perfeita para estes tempos conturbados. Achas que há uma saída para esta grande confusão?

Espero sinceramente que sim. Eu lido muito com uma certa angustia existencial e preocupação, e categorizar-me-ia inclusive como uma pessoa bastante neurótica. Por isso tento canalizar uma espécie de energia ou melodia positiva para a música que escrevo. Talvez como penitência por ser um tipo tão estranho.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
02/09/2013