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Tame Impala
Desejo sim desejo não


Encontramo-lo deitado, dormitando. Não é para menos: esta data no Optimus Alive segue-se a muitas outras por esse mundo afora, concertos atrás de concertos e tours atrás de tours, tudo em nome das canções que fazem de Lonerism um excelente segundo disco, tal como já faziam de Innerspeaker um excelente primeiro. Formados em 2007 por este dorminhoco Kevin Parker, os Tame Impala encontraram o seu apelo junto das gentes sedentas de um pouco de sol na sua música, nutrientes lisérgicos no seu rock, coros de fazer cantar e encantar, um pouco de Beatles, um pouco de Flaming Lips, e está encontrada uma das melhores bandas da década um do segundo milénio. A esta curtíssima entrevista seguir-se-ia um concerto fantástico naquela mesma zona de Algés, o que nos fará perguntar: como raio conseguiu ele despertar tão depressa? Este é Kevin Parker, na entrevista possível ao Bodyspace.
Sei que estás provavelmente muito cansado...

Não, estou bem... Estou apenas um pouco doente, apanhei uma constipação em Espanha ou França, mas estou bem.

Estás em Portugal há dois dias, certo?

Acho que partimos amanhã, hoje é o último dia da tour.

Não estiveste ontem na sala de imprensa... Muitos dos teus amigos foram lá, e estavam completamente fora de si.

Sala de imprensa?

Sim, alguns dos teus amigos tinham uma credencial [a dizer] Tame Impala, e foram expulsos.

Ah sim?! Oh não... [risos]



Sim, se calhar devias falar com eles e ver se está tudo bem.

Ah, entendo... Mas eram amigos ou fãs?

Amigos. Tinham o mesmo que tu tens ao pescoço. Não me digas que tas roubaram?

Hm, não me parece [risos]. Mas de qualquer forma é hilariante.

Tenho um amigo que foi à tua página de Facebook - meio troll mas ao mesmo tempo um grande fã teu - que hoje decidiu ir gozar com o tipo de pessoas que ele pensa que irão assistir ao vosso concerto, dizendo que a maioria apenas cá estará para vos ver tocar a "Feels Like We Only Go Backwards". Achas que é a vossa melhor canção?

Num festival talvez, sim... Não me importaria se isso fosse verdade. Se eu estivesse a tentar provocar as pessoas que gostam de Tame Impala, provavelmente diria que elas apenas vêm aos nossos concertos para ouvirem a "Elephant". Portanto, sim, dizer isso foi mais criativo! Contudo, não acho que a "...Backwards" esteja sequer perto de ser a nossa canção mais popular.

Então não a consideras o vosso maior hit?

Não, não acho que seja... Penso que é a "Elephant". Eu gostaria que a "Feels Like We Only Go Backwards" fosse a nossa maior canção, mas não acho que o seja...

Não achas que a "Feels Like We Only Go Backwards" seja a vossa "Get Lucky", portanto.

[Risos] Achas que soa como a "Get Lucky"?

Não, não... Refiro-me em termos de popularidade. A maioria das pessoas que ouvem o Lonerism falam mais dessa canção. Excepto eu, que prefiro a "Why Won't They Talk To Me"...

Ah, isso é bom!

Por razões anti-sociais...

...sim, é uma canção muito anti-social.

...e que combina com o ambiente em geral do Lonerism, com destaque para o título do álbum, que, aliás, e falando enquanto fã, me parece funcionar como um paradoxo. Acho que fizeram do Lonerism o vosso álbum mais pop, e, no entanto, o mais sombrio... Não te parece paradoxal? Normalmente, quando as pessoas pensam em música pop, associam-na maioritariamente a ideias como "aproveita a vida", "diverte-te", etc., mas vocês foram pelo caminho oposto...

Sim, mas não foi intencional... Apenas acho que gosto desse género de música onde combinas algo alegre com algo mais...

...e no entanto considero o Innerspeaker o vosso álbum mais alegre, tanto em termos de sonoridade como de ambiência no geral.

Muitas pessoas consideram a música [do Innerspeaker]) muito alegre, mas para mim... não sei... Acho que gosto da ideia de combinar música mais edificante com letras mais negras.

É também interessante que tenham feito um álbum chamado Lonerism numa altura em que tudo parece estar ligado aos media, à Internet, etc.. As pessoas estão a deixar de se sentir tão sozinhas: existem grupos na Internet onde podem encontrar outros com os mesmos gostos, amigos no Facebook que nunca conheceram na vida real... Não te parece que lançar um álbum chamado Lonerism numa época em que as pessoas falam cada vez mais resulte também num paradoxo?

Hm, talvez... Mas da mesma forma penso que se coaduna perfeitamente, quanto maior a oportunidade de fazer amigos, maior a sensação de solidão, as pessoas tendem sempre a querer mais e mais... e, devido a isso, acabam por sentir cada vez mais a necessidade de interagir, e quando não o fazem sentem-se confusas.

Consideram que o vosso estilo é psicadélico?

Sim, de uma certa forma sim.

Como é que tudo começou? De onde surgiu esse teu gosto pelo psicadelismo?

Não sei, acho que cresceu dentro de mim. É uma qualidade da música, de tudo. Intriga-me a forma como me afecta desde a altura em que comecei a ouvir música. Tinha um efeito físico, mesmo antes de eu saber o que era psicadelismo. É uma música que te leva numa viagem, uma qualidade diferente da música.

Qual foi a primeira banda pela qual te apaixonaste?

A primeira banda pela qual me apaixonei... Nirvana? Silverchair? Provavelmente Silverchair.

Que não são de todo psicadélicas...

Não, de todo. [risos]

Perguntei-te sobre o psicadelismo, porque não sei se estás familiarizado com uma banda norte-americana, os Barn Owl.

Barn Owl?

Sim, estão mais ligados ao metal.

Ah, sim?

Sim, e eles também são muito psicadélicos na sua natureza, ainda que completamente diferentes do vosso estilo. E eu perguntei-lhes - porque parece haver uma espécie de revivalismo do psicadelismo quer em termos de som, quer em termos de estado de espírito, sobre Tame Impala, uma vez que vos considero uma banda psicadélica que tem vindo a tornar-se, não diria mainstream, mas numa banda que já conta com muitos seguidores... e eles responderam - e tu já falaste sobre essa questão da espiritualidade - que achavam impossível que a música mais mainstream conseguisse ser puramente espiritual. Concordas com isso? Achas que as pessoas podem encontrar espiritualidade na nova música pop?

Sim, definitivamente. É apenas um nível diferente... é uma espécie de espiritualidade instantânea, sabes? As pessoas encontram espiritualidade em tudo. Podes encontrar espiritualidade em cocaína. Não podes ignorar essa possibilidade... Não há nenhuma razão para que os Tame Impala ou os Barn Owl devam ser mais espirituais do que, sei lá, Britney Spears... És tu que os tornas [espirituais].

A "Toxic" é uma canção muito espiritual...

Sim, claro!



Há umas semanas atrás disseste numa entrevista que achavas que nos festivais de música apenas 10% das pessoas prestavam realmente atenção à música... independentemente de teres dito que foi algo que foi posteriormente exagerado, tenho a dizer-te que na maioria dos festivais portugueses acaba por ser meio verdade. Ontem estava a assistir a Rhye, no palco secundário, e a maior parte das pessoas estava simplesmente a tirar fotografias a si próprias. Estavam completamente desconectadas da música. E voltando ao tema dos media, não achas que as redes sociais estão a destruir qualquer tipo de ligação espiritual que as pessoas possam ter com a música, ou pelo menos com a música ao vivo?

Acho que sim, mas... bem, nunca pensei em termos de todas as redes sociais. As pessoas estão a fazer isso com tudo, sabes? Tiram fotos delas próprias quando poderiam estar a fazer outras coisas. Para algumas pessoas, isso apenas realça o momento. Se elas quisessem mesmo ouvir a música, então ouvi-la-iam, não estariam a tirar fotos. Obviamente não estão lá por gostarem realmente da música... tem tudo a ver com o social.

Mesmo numa era em que as pessoas têm mais acesso à música? Achas que não a ouvem realmente, apenas dizem fazê-lo?

Eu não acho que as coisas tenham mudado. As pessoas usam a música como uma identidade... É "cool". Sempre houve música cool e música não-cool, [tal como] haverá sempre verdadeiros amantes de música e aqueles que não o são realmente. No final de contas nada mudou. Provavelmente, hoje em dia é mais difícil ter-se uma experiência mais profunda com a música, mas não nos serve de nada queixarmos-nos... temos que deixar fluir.

Muitas pessoas - a maioria delas críticos, esses malditos sacanas - dizem que a vossa sonoridade é muito semelhante à dos Beatles. Então porque é que têm uma canção chamada Led Zeppelin?

Hm... Porque pensámos que soava a Led Zeppelin, suponho.

Qual o teu álbum favorito dos Led Zeppelin?

Provavelmente o primeiro.

Uma vez disseste que se os Impala tivessem que acasalar com um animal, seria com uma fénix... Hoje vão tocar antes dos Phoenix, tem havido muito acasalamento por aí?

[Risos] Bem, ainda não os vimos... eles ainda não chegaram, mas eu digo-te qualquer coisa depois... E depois dos acontecimentos desta noite, vamos ver que espécie de animal pode ser criado. Ainda é muito cedo para dizer, demasiado cedo, e a garrafa de tequila ainda está fechada...

Eu trouxe a minha própria garrafa de gin... temos permissão para tal, se as escondermos. Se quiseres...

Ah, deixa estar, estou bem [risos].

Uma última questão: tens uma canção chamada "Endors Toi" e uma banda chamada Relation Longue Distance. Porquê esse teu fascínio por França?

Não é um fascínio, apenas estava a viver lá há algum tempo e... acho que a língua francesa, por algum motivo, embrenhou-se naquilo que eu estava a fazer. Provavelmente se estivesse a morar em Portugal teria dado um nome em português a uma canção. Não é porque estivesse obcecado por França, apenas estava feliz por lá estar. Foi completamente por acaso.

E também há sempre o cliché de que a língua francesa é a mais romântica...

Diz que sim, mas para alguém realmente o poder afirmar teria de conhecer todas as línguas, não teria? Porque se alguém diz isso e não sabe mandarim, como é que pode afirmar que não é o mandarim a língua mais romântica? Eu não diria que é o francês... Bem, não sei, se calhar é. Talvez o seja o inglês... ou o português...

Tradução por: Inês Sousa Vieira


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
01/09/2013