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Jibóia
Veneno bom


Ao longo dos últimos tempos esta Jibóia tem vindo a ser alimentada, acarinhada, deixada à solta para seu próprio divertimento. Primeiro chamou a atenção pela intensidade dos concertos e depois acabou por se mostrar ao público geral num certeiro EP com selo da Lovers & Lollypops que tratou de confirmar todas as expectativas que deixou pelo caminho. E acabou por desenvolver um veneno bom. O homem por detrás desta espécie potencialmente perigosa é Óscar Silva. É o seu dono, mentor, encantador. Na edição 2013 do Milhões de Festa, Jibóia vai contar com a colaboração de outros músicos (bastantes), naquilo que se quis chamar de Jibóia Experience - e esse foi um dos motivos principais desta conversa. Em entrevista com Óscar Silva, aproveitamos ainda para tirar um raio-x a este réptil, para saber de onde veio e para onde vai.
Sei que esta já não é a tua primeira entrevista nesta casa, mas diz-me: como é a tua vida musical até chegares a Jibóia? Conta-nos tudo.
 
Aprendi a tocar guitarra com o meu pai quando era puto. Depois aí aos 14 anos a guitarra não saiu mais do meu quarto e comecei a tocar com o Ricardo e o Gui uns anos mais tarde. Tínhamos uma banda chamada K-Half Noise que foi passando por muitas mutações (chegou a chamar-se My Legs, Señor e a ter o Filipe Felizardo como vocalista / contador de histórias - e guitarrista dos míticos Bonanza, banda constituída pelos maiores do secundário que convidaram o miudinho óscar para tocar guitarra, abandalhar festas no ginásio e fazer slides na guitarra com tripés de micro) até que, num ensaio em que eu faltei, o Ricardo e o Gui formaram os Lobster e eu perdi-me na genialidade daquilo, passei a ser roadie deles e a tocar com Suchi Rukara (que apareceu entretanto), uma cena mais extrema do que tudo o que tinha tocado até aí, também com o Ricardo e o Iuri. Fizemos 3 àlbuns e a nossa (e minha) primeira tour, juntamente com os Adorno (em 2007) e aí descobri tudo o que me fez chegar aqui, o que me faz continuar a fazer música e a rodear-me de amigos para o fazer. Dois anos depois estava a substituir um deles numa outra tour. Outro bocado depois e comecei a fazer parte integrante dos mesmos. Por essa altura juntámos mais dois (o Rui e o Tiago) à formação Suchi e formámos os I Had Plans, com quem também andámos pela Europa uma série de vezes e editámos um enorme LP. A seguir foram os Asneira, 3 guitarras e uma bateria onde se ia treinando os dedilhados que já na altura o Filho da Mãe dominava. Pelo meio ainda houve os VRBLS (duo CMYK com o Ricardo), os Living Dead Orchestra (devaneio teclados zombie ainda com o Ricardo e o Gui), os Inget (trio com o Bráulio, que de alguma forma foram a génese dos Papaya – banda formada numa noite e com um álbum feito em 3, que saiu em vinil a semana passada), mais umas perninhas nuns Lídia’s Sleep (e mais outras que aconteceram mas é de manhã e não me consigo lembrar de tudo). Foi no meio deste reboliço todo de bandas e amigos e vontade de tocar mais numa altura em que andava a tocar de menos, que surgiu a Cobra.
 
Ouves muito o tipo de música que influenciou o que fazes em Jibóia?
 
O que faço em jibóia é influenciado constantemente, por música muito díspar. Quando comecei a fazer músicas andava muito a ouvir cenas indianas, Turcas, Sírias, e continuo com esse fascínio pelos países de pessoal mais moreno. Mas tenho ouvido muita coisa diferente, música que não ouvia há dois ou três anos atrás. A Jibóia tende a ser algo muito mutável, o meu tacho de cozinhados cheios de especiarias diferentes que me vão dando os meus amigos, as minhas viagens, e o Paquistanês da mercearia aqui de baixo.
 


O teu EP de estreia, é tudo o que querias que fosse a tua estreia? Ou já mudavas alguma coisa?
 
É muito o que queria que fosse a minha estreia. Já andava a tocar aquelas músicas há algum tempo e senti que precisavam de ser gravadas para poder passar para outras. Por isso não, não mudava nada. Gosto dele assim como é. 
 
Alguma vez te sentes aprisionado dentro do som de Jibóia?
 
Engraçado, porque comecei a fazer música para jibóia exactamente com esse intuito: não me aprisionar musicalmente por nada nem ninguém. Posso experimentar tudo e fazer o que quiser. Essa liberdade é tentadora e é com ela que quero e vou continuar a fazer coisas. Mas o engraçado é que dentro da liberdade, arranjas sempre algo em que podes sem querer ficar preso, e depois o verdadeiro desafio é estares constantemente a tentar desprender-te disso.
 
Achas que alguma vez Jibóia pode vir a ter outros membros, como tem por exemplo a Ana Miró ao vivo?
 
A cobra foi feita a pensar sempre noutros membros, como quem diz colaborações. Como viste, sempre fui habituado a fazer música rodeado de gente, já toquei (e toco) com muitos e quero tocar com muitos mais. Mas Jibóia serei sempre só eu (como a cobra, só tem um membro). Os outros são répteis diferentes que vou encontrando pelo caminho.
 
Fala-nos do projecto alargado que levas ao Milhões. O que é que nos podes contar acerca disso?
 
É uma experiência. Músicas que foram feitas para serem tocadas por um, a serem tocadas por muitos. A ideia é simplesmente essa: pegar num punhado de amigos e transcrever aquelas músicas solitárias para o oposto. Há uma bateria-chave, um baixo a sério, percussões, milhões de guitarras, vozes, roupas à medida e muita livreza. Está a ser uma experiência única, que foi desde o início o objectivo principal.


 
Como estão a correr os ensaios?
 
Bem. Há muita gente diferente com linguagens diferentes, que é o que torna as músicas mesmo diferentes do que elas eram, isso é espantoso. É muito complicado gerir uma “produção” assim: espaços, horários, material, trabalho…é muita coisa ao mesmo tempo. Mas com muito boa gente a ajudar no que pode, a coisa vai-se dando, e cada vez que ouço uma música minha tocada por aquela gente toda, soa a cheio. E cheio de bom. Um cheio extra-musical, que ainda é melhor.
 
Um disco a sério, é uma coisa que te passa pela cabeça neste momento?
 
Não penso muito nos discos em termos temporais. Foi uma coisa em que deixei cada vez mais de pensar, não sei porquê. Se tiver 5 músicas que sejam coesas e façam sentido juntas, vou tentar lança-las. Não vou esperar por ter 10. Se tiver 10 nesses moldes, vamos a isso. Se tiver duas, faz-se um 7”. Para mim o que interessa é fazer. Se é a sério ou a brincar, é uma fronteira que me fascina não pensar.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
24/07/2013