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Xinobi
Afinal, ele gosta do som das guitarras


Xinobi é o alter-ego de Bruno Cardoso. Influenciado pela família e motivado pelas consequências da quebra de um braço, desde criança se ambientou ao meio musical. Levando o lema Do It Yourself à letra, dispensou “mil instrumentos” e um estúdio em prol da autenticidade do seu quarto, embora mais tarde se tenha dedicado à convergência da produção electrónica com a instrumentalização dita tradicional. Reconhecido internacionalmente no meio, Xinobi já remisturou faixas de artistas como Kris Menace ou Toro y Moi. Paralelamente, actua com a The Discotexas Band, onde cada um dos elementos da editora potencia o trabalho individual em regime live. Criador de sonoridades peculiares que reavivam o groove da disco e do funk, sintonizando-as, de forma perfeita, com o house e a música electrónica de vanguarda. Ao longo dos quatro anos como Xinobi, Bruno coleciona vários singles e EP’s mas ainda não editou nenhum longa-duração. 2013 é o ano.
Na tua biografia pode ler-se que és miúdo crescido obcecado com a música. De onde nasce essa obsessão? 
 
Nasce, essencialmente da convivência com o meu pai e com o meu tio; de haver discos e um par de guitarras acústicas no nosso lar-doce-lar. Desenvolve-se irreversivelmente quando um braço partido me roubou um verão inteiro de praia e sol, em troca de umas férias mais solitárias e pacatas a brincar com legos e a ver/ouvir uns concertos de Jean Michel Jarre, Pink Floyd, Rolling Stones, gravados da televisão.
 
Que contar como chegas ao género de música que produzes hoje?
 
Essencialmente a música que produzo hoje advém da necessidade imediata de fazer música sem ter necessariamente uma banda, mil instrumentos ou um estúdio. Músico de quarto, só para mim e para alguns amigos; mais tarde para alguns desconhecidos, quando instalaram Netcabo em casa.

 
Rapidamente se promove uma promiscuidade positiva entre a produção electrónica e a instrumentalização tradicional, misturando guitarras, sintetizadores, etc. De que forma isso pode enriquecer a música em si mesma?
 
Pode dar o "caliente" orgânico a um projecto de raiz mais electrónico, como o meu. Fomentar a noção muitas vezes desejada de que musicalmente não sou fruto de uma solidão monumental. Ou pode, por exemplo, gelar algumas bandas de heavy metal se feito ao contrário; quando se dá a perfeição maquinal a algo que foi tocado por humanos. 
 
O primeiro trabalho a solo, Day Off, sai em 2008. Há desde sempre um vontade intensa da internacionalização?
 
A vontade de internacionalização nasce a sério quando me convidaram a primeira vez para tocar fora de Portugal – onde ainda também estava a tocar em modo brincadeira. Até lá, confesso, nunca tinha pensado nisso em demasia. Não por falta de ambição... Meramente por burrice.
 
Como surgem as oportunidades para mixar Kris Menace e Toro y Moi?
 
Remisturar o Kris Menace veio pouco depois de editar pela editor dele, a Work It Baby. Foi tipo uma consequência natural. Já o voltei a remisturar, a meias com o meu amigo Moullinex mas ainda não saiu e está secretamente gravado num disco rígido do estúdio da Discotexas. No caso de Toro Y Moi, as pistas vieram parar-me à mão oficialmente, após umas conversas entre o Hugo Moutinho / Mr. Mitsuhirato (um outro Boss da Discotexas) e o manager deles. Ficou altamente, mas acho que eles não gostaram por aí além. É uma pena. Creio que foi das melhores coisas que já fiz na vida e perdi algumas horas de sono sagradas para a fazer. Anyway, teve algum sucesso. É o que interessa.
 
Em Portugal há público para o teu trabalho, quer em Xinobi, quer em Discotexas? E ofertas? A realidade na europa central parece bem diferente.
 
Há. Ainda é um público de nicho mas já começa a dilatar-se para um outro, mais abrangente. Muito culpa também de nós nos termos tornado mais transversais no que fazemos e, claro, por haver uma reconhecimento crescente e uma disseminação do nosso trabalho. E talvez por causa da rádio. Sim, a rádio ainda serve alguma coisa e não deve ser extinta só porque sim. 

 
Também há oferta. E o que não há e possa ser necessário, inventa-se.
 
Na Europa central a realidade é partida. Não há uma realidade definida ou, pelo menos, não há uma que possa caracterizar como a verdadeira cena. Tens Berlim e o seu snobismo, que é radicalmente diferente do snobismo de Paris, só para citar exemplos mais óbvios. Tens Inglaterra que dita as tendências mais Pop e que parece ser quase impenetrável Claro que é possível esteticamente unir pólos distintos como estes (e, curiosamente, acho que nos safamos bem a fazer isso). 
 
Olhando para o panorama actual português, culturalmente inclusive, e num país onde a música electrónica não tem propriamente tradição, como perspectivas o seu futuro?
 
Não faço a mínima ideia. Até porque há muito que deixei de equacionar Portugal como um sitio singular. Se o fizesse, já estava morto. Daí que eu vivo, tenho os meus melhores amigos e a minha família em Portugal mas não me dou excessivamente bem com este país. Já considerei emigrar várias vezes. Por outro lado, e quase a contradizer o que disse, culturalmente acho que vamos assistir a um enriquecimento vasto, com bases sólidas numa juventude que necessita de inventar e reinventar. Entre a cultura-lixo dominante e uma outra mais interessante, há um abismo que cresce como o que divide ricos e pobres. Mas a cultura social vai precisar de se inteirar da artística. Para se tornar criativa, para celebrar e para encontrar um modo de escape. Se calhar isto parece presunçoso da minha parte mas estou-me positivamente a cagar pois só não entende quem não quer. Adoro ver borbulhar coisas novas e com qualidade, independentemente de me encherem o gosto ou não. 
 
São bastante perceptíveis as passagens funk e disco nas tuas composições. Sentes que és de alguma forma revivalista, embora actual?
 
Sinto, claro. Sou revivalista mas não me revejo num usar de máximas como “recordar é viver” ou “naquele tempo é que era”... Adoro o passado e o presente da música. Não consigo ver música desprovida de raízes. Nunca a houve. As novas tecnologias permitem reinterpretar o passado. Podes ser puro a fazê-lo. Podes buscar coisas beras duma década distante e dar-lhes uma classe superior. E o inverso, claro.
 
Ao contrário do que acontece na maioria dos casos, Discotexas, como banda, parte da junção de diferentes projectos individuais. Quais foram as principais dificuldades neste processo?
 
A The Discotexas Band nasce para transpor um conjunto de músicas que, na sua essência, foram feitas em estúdio sem objectivo de serem interpretadas em regime live, com uma banda num formato mais ortodoxo. As principais dificuldades foram recriar para palco alguns arranjos de estúdio dessas músicas e adapta-las às limitações de músicos interpretes que nos é própria. O mesmo com as vozes - cantar coisas gravadas por outras pessoas. Tudo isto a fazer-se sem denegrir originais.

 
Ao longo destes 4 anos contas com várias colaborações, alguns EP’s e singles. A não edição de um trabalho mais extenso por agora é uma opção?
 
Já podia ter acontecido mas, por um ou outro azar, as plataformas necessárias a fazer um álbum com algumas condições desabaram. Daí que tenha adiado por opção própria. 2013 é ano para acontecer. Arranjo um mês para ficar na cave a trabalhar. Já o decidi. Se tudo correr bem, saco uns 10 temas realmente bons nessa altura e desenvolvo-os nos meses subsequentes. Há ainda um trabalho a acontecer que é deveras importante e que assenta numa zona de desconforto musical. Eu e o Moullinex estamos a trabalhar em conjunto com o Teatro Praga numa ópera. A Tempestade, de Shakespeare, musicada por Henry Purcell, que vai ser reinterpretada por nós. 
 
Em concertos ao vivo contas sempre com elementos extra? Tenta descrever um sem as palavras "dança" e "festa" incluídas.
 
Alto e bom som.
 
Admite lá: odeias mesmo o som das guitarras?
 
Há sonoridades que alguns guitarristas sacam que me irritam profundamente mas amo, incondicionalmente, o som das guitarras que tenho e o que faço a partir delas. Para sempre.


Alexandra João Martins
alexandrajoaomartins@gmail.com
22/01/2013