Os Clockwork Boys têm no carisma algo que os distingue de boa parte das bandas punk actuais. Hinos como “Casino”, “Chalana” ou “Hooligans na Noite” ajudaram a criar uma certa reputação e mística nos meios
underground, que consolidaram com o recente lançamento de
A Dor Passa… o Ódio Fica!, disco onde se nota uma produção mais apurada e um espírito mais revoltado com a realidade envolvente. Nesta entrevista fala-se do percurso da banda (e dos três elementos com quem conversámos: o
frontman Marion Cobretti e os baterista e guitarrista Tony Musgueira e Zé Abutre) e de vida malvada, seja vivida ou cantada. Mas também se abordam outras artes bem presentes na música que fazem, como são os casos do futebol (embora já não haja jogadores com amor à camisola) e do cinema, que não só é uma forte influência como faz parte da mecânica diária de alguns destes rapazes.
Qual foi o vosso percurso musical antes dos Clockwork Boys? Como é que os Clockwork Boys se juntaram e qual tem sido o caminho até agora?
Marion Cobretti:: Fui em parte o quinto elemento dos The Sadists, mais tarde rebaptizados Legion of The Sadists, e participei no LP
A Ira da Corrente como vocalista convidado e também no CD
The Return of Semen and Blood. Por volta de 2004, durante o Europeu de futebol, andava com a ideia de começar os Clockwork Boys, facto que veio a acontecer por volta de 2005. No começo era só mesmo para curtir um bocado e beber uns copos, mas toda a gente reparou que havia potencial para uma cena mais a sério. Desde aí até hoje, com algumas paragens pelo meio e alguns altos e baixos, temos evoluído e conseguido alguns lançamentos em vinyl e CD e temos dado alguns bons concertos.
Tony Musgueira: Tony Musgueira: Os Clockwork Boys juntaram-se devido à amizade entre as pessoas e à vontade de fazer algo diferente, punk rock em português sem as tretas do politicamente correcto do costume, e as coisas foram evoluindo. Temos oscilado um pouco entre intensa actividade e hiatos, não só devido a mudanças de formação, mas também por causa de vidas pessoais complicadas (risos)... Já todos fizemos e fazemos parte de inúmeras bandas, por isso ninguém é propriamente novato nestas lides...
Zé Abutre: Antes de mais obrigado pelo vosso interesse na nossa banda . Não vou explicar o meu passado em termos de bandas pois isso seria para uma entrevista só sobre esse assunto (risos). Os Clockwork Boys formaram-se pois eu e o Cobretti já éramos amigos de longa data e decidimos formar uma banda de punk rock com colhões, basicamente foi isso, sem tretas... As outras bandas em que também toco são Dawnrider, Legion of the Sadists, Sons of Misfortune, entre muitas outras...
Este novo disco parece mais “zangado” do que o anterior. Será contágio da realidade exterior nas vossas vidas e músicas?
Marion Cobretti: Acho que sim. No fundo, tudo o que nos rodeia acaba por influenciar, seja no bom ou no mau sentido. Mas eu senti que tinha que deitar alguma da raiva acumulada ao longo dos anos cá para fora, por isso algumas das letras têm um lado mais pessoal. E no fundo estamos a viver um período negro, e eu sinto-me a cada dia que passa mais revoltado. Sou um dos muitos desempregados deste país e vejo muitos amigos e família a enfrentar dificuldades por culpa de quem nos andou a enganar e a roubar anos e anos a fio na impunidade. Andamos a dar o cú aos alemães e a vender as nossas empresas de interesse nacional e que no fundo também são pertença do povo (EDP, por exemplo) ao capital estrangeiro a preço de saldo. Conseguiram afundar um país e o nosso futuro é incerto, mas estamos cá para erguer a nossa voz e não vamos ficar quietos e calados enquanto vivermos numa sociedade (tão) injusta e desigual. Portugal está de luto.
Tony Musgueira: Sim, definitivamente, mas as letras são todas extremamente pessoais, não há letras de "critica social", só letras sobre o que sentimos e vivemos....
Zé Abutre: São historias de escárnio e maldizer actuais, são histórias das ruas sobre as nossas vivências decadentes numa sociedade perdida!
O recente disco A Dor Passa… o Ódio Fica! aborda temáticas clássicas do punk mas com um carisma e uma verdade raras. Talvez por já teres passado por muita da “vida malvada” que apresentas em disco…
Marion Cobretti: Não escondo o meu passado, é verdade que vivi uma vida de excessos e sem regras ou limites. As letras novas mostram um bocado desse vida malvada que eu vivi.
No álbum Arquivo Vol. 1 tinham dois temas inspirados por futebolistas: “Paulinho Caskavel” e “Fernando Chalana Era R’n’R”; neste disco têm “Maradona”. Os futebolistas têm um apelo rock? Se escolhessem um futebolista em actividade para outra música qual seria ele?
Marion Cobretti: Eu acho que sim, no fundo alguns desses jogadores tinham vidas boémias rock n´roll, e no entanto eram grandes jogadores e tinham amor à camisola. Tínhamos também um tema dedicado ao George Best, que saiu num single 7"em vinyl (Lathe Cut) limitado a vinte e quatro cópias. Os jogadores de hoje em dia são muito diferentes dos de antigamente e à maioria só lhes interessa o dinheiro e não o prazer da "coisa", sinceramente não me revejo em nenhum deles.
Tony Musgueira: Sim, alguns jogadores de futebol, principalmente nos anos 60 e 70, eram rock stars que andavam em vidas boémias e decadentes, e muitos estragaram completamente a vidinha. Muitos tornaram-se verdadeiros ícones de uma certa contracultura. Infelizmente isso perdeu-se completamente, hoje em dia 99% são mercenários, sem alma e sem amor à camisola. E, tal como o futebol moderno no geral, é só o dinheiro que interessa. Por isso não estou a ver nenhum jogador em actividade sobre o qual gostássemos de fazer uma música...
Zé Abutre: Sim, concordo plenamente. Os jogadores do 80´s tinham um glamour e um amor à camisola que já não existe hoje em dia e além disso eram verdadeiros camafeus, gente que me agradava, não como estes montes de merda actuais cujo único interesse é o dinheiro... Nunca faria uma música para gajos como o Cristiano Ronaldo e outros montes de lixo iguais a ele, são betinhos de merda que só querem é a guita!
“Glória aos Piratas” soa a ameaça de invasão – o que vos daria mais gozo invadir e saquear?
Marion Cobretti: O BPN. Com um bocado de sorte ainda conseguíamos roubar algum dinheiro e sair impunes. Ladrão que rouba ladrão... Por alturas do lançamento do
Arquivo Vol. I queríamos filmar um videoclipe do tema “Há Crime no Ar” em que o enredo principal seria irmos roubar um banco (BPN) no nosso Datsun e depois conseguíamos escapar impunes.
Zé Abutre: Queria invadir Espanha, e com a guita que roubava aos nossos vizinhos levantava Portugal (risos).Depois mandava todos os políticos e merdosos deste país para lá (Espanha) e só ficava cá quem realmente merecia!
Existe algum segredo para os vossos telediscos não serem banidos do YouTube?
Marion Cobretti: Eu acho que sim, isto porque nos nossos vídeos mostramos gajas boas e o lado divertido e boémio da noite e acho que toda a gente gosta de diversão (risos).
Tony Musgueira: Como bons tugas que somos, é uma cunha que temos no youtube (risos).
Zé Abutre: Sim, é que o Cavaco Silva é meu tio e meteu uma cunhazinha no youtube....
Existem várias ligações entre os Clockwork Boys e o cinema. De onde vem este fascínio tão grande pelo cinema? Podem indicar alguns filmes que sejam referência para vocês? Presumo que “Laranja Mecânica” seja um deles…
Marion Cobretti: Sim, a
Laranja Mecânica é um filme marcante e existe toda uma subcultura em torno desse filme. O meu interesse pelo cinema vem desde muito novo, tive a sorte de trabalhar num videoclube e foi aí que comecei a ver mais filmes e a conhecer mais e melhor cinema. Filmes preferidos: alguns do Martin Scorcese ou do Coppola (
Taxi Driver,
Touro Enraivecido,
Tudo Bons Rapazes,
A Cor do Dinheiro,
Casino,
Donnie Brasco,
O Padrinho I & II,
The Outsiders,
Cotton Club, etc). Os western spaguettis do Sergio Leone, sobretudo o
Era Uma Vez na América, que talvez seja mesmo o meu filme preferido de todos porque tem uma grande história de amizade por detrás do enredo e identifico-me muito com os personagens do filme. Também aprecio muito alguns dos filmes do Tarantino, como o
Pulp Fiction ou
Jackie Brown. Depois, adoro o
Feios, Porcos e Maus do Ettore Scolla ou o filme
The Warriors, de Walter Hill, e gosto de alguns filmes brasileiros (
Cidade de Deus,
O Meu Nome Não É Johnny,
Carandiru,
Central do Brasil,
Pixote, a Lei do Mais Fraco,
Barra Pesada, etc). Tenho uma vasta colecção de cinema em casa. Também gosto de alguns filmes do Pedro Almodovar porque mostra o lado mais decadente da vida nas ruas. E gosto de algum cinema Quinqui espanhol.
Tony Musgueira: Quer dizer, as ligações entre músicos e o cinema não são propriamente algo muito raro! E é bom não esquecer que o Zé Abutre (guitarrista) é realizador! Mais do que filmes, assim de cabeça nomeava realizadores, como John Huston, Cronenberg, Kubrick, Walter Hill, Sam Peckinpah, Kurosawa, Scorcese, Coppolla, Paul Thomas Anderson, Brian De Palma, irmãos Cohen, Carpenter, Sergio Leone, Kitano, Polanski. São demasiados para nomear exaustivamente... Todos nesta banda são consumidores compulsivos de música e de cinema....
Zé Abutre: Sim, eu trabalho nesta área, sou realizador e editor, e o meu filme preferido de sempre é o
Garganta Funda (risos)!
No sleeve do vinil A Dor Passa… o Ódio Fica!, entre outras imagens, aparece um frame da cena do golden shower de A Vida Ruim de Marion Cobretti, realizado pelo Afonso Cortez, que tem feito os vossos vídeos. Essa foi a cena mais complicada de rodar?
Marion Cobretti: O álcool a mais nos cornos torna as coisas mais difíceis em coisas fáceis.
Zé Abutre: Sim, o álcool ajudou e muito - ele até diz à rapariga:
"Sabe a cervejola” (risos).
Têm novos lançamentos previstos para breve ?
Marion Cobretti: Gravámos mais alguns temas novos a seguir a termos gravado o LP
A Dor Passa… o Ódio Fica! (o nosso LP está quase esgotado, por isso se quiserem uma cópia encomendem para clockworkboys@gmail.com) e contamos lançar uns singles em vinyl. E também gostávamos de ver o nosso álbum editado em CD. Em 2013 contem com uns novos lançamentos de Clockwork Boys.