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BnP
O triunfo da mediocridade


Existe um momento em que uma pessoa a todos os níveis banal se pode tornar gigante aos olhos de outras: quando pega numa guitarra e solta a sua raiva cá para fora. Independentemente da distância que possa existir, o sentimento de derrota, de revolta, de inabilidade para mudar o que existe de errado é comum a todos aqueles que se apanharam no meio deste estabelecimento prisional a que chamaram sociedade contemporânea. Daí que faça tanto sentido, ideologicamente - musicalmente, com a chegada da Internet, faz ainda mais - falar de uma pequena banda punk Neo-Zelandesa como se falaria das Portuguesas, Britânicas, Norte-Americanas. Estes são os BnP, de Christchurch, e estão tão fodidos com a vida como nós. E isso resultou num grande disco. As maravilhas do correio electrónico possibilitaram esta entrevista com Stephen Nouwens, vocalista. Entrevista que acabou por não ser nada medíocre.
Começo pela pergunta do costume: quem são os BnP e quando se formaram? Algum dos membros já tinha tocado nalguma banda?

Os BnP são uma organização formada em Christchurch, 2009. Foram criados exclusivamente para acabar com os comportamentos burgueses do público Neo-Zelandês em geral. Enquanto estes vão caminhando através de mentes salpicadas de pózinhos brilhantes, trabalhando sob a ilusão do bom comportamento, nós sentamo-nos para uma refeição de auto-depreciação e espíritos sortidos. Quando eu conheci os membros dos BnP, eles tocavam numa banda local, os The Lonely Harris Club, que faziam covers dos Brian Jonestown Massacre.

Deveremos nós, pessoas medíocres, ser optimistas e tentar escapar a essa mediocridade, ou deveremos abraçá-la e estarmo-nos a cagar para o status quo?

Medíocre: de qualidade ordinária ou moderada; nem bom nem mau; quase adequada; indistinta; vulgar; pedestre; dia-a-dia; insignificante. Viver é resignares-te a este estado de alma. O optimismo é para os que estão iludidos. A maior parte passa as suas vidas a tentar sair do fosso. O fosso tudo engloba, consome-te, à tua hipoteca, aos teus filhos, aos teus três carros, à merda dos teus ténis, ao teu gato. Persegue-te aonde quer que vás, lembrando-te de que não existe saída. A insatisfação com o status quo é a negação do teu "eu".

Onde e quando foi gravado o Welcome To Mediocrity? Planearam disponibilizá-lo gratuitamente à partida ou decidiram fazê-lo mais tarde?

O Welcome To Mediocrity foi gravado na All Plastics, que é uma fábrica renovada de plásticos onde o Stephen (voz), o John (guitarra) e o Rhett (bateria) vivem todos os dias. No que toca a ter disponibilizado o disco gratuitamente, encaro-o mais como um programa de consciencialização pública. Diógenes disse-o da melhor maneira: «Outros cães mordem os seus inimigos, eu mordo os meus amigos para os salvar».

Mesmo que esteja enraízado no punk, notam-se influências bastante diferentes. Como é o vosso processo criativo? Quantos whiskeys bebem antes de escrever uma canção?

A maior parte da escrita é feita por etapas. Normalmente faço um resumo das minhas análises a vários aspectos da sociedade (um exemplo é a "Meating People", uma analogia sobre como seremos tratados como comida da forma como nós a tratamos), e dou-o depois ao John Harris e ao Ben Dodd (baixo) que me ajudam a moldar o caos em ruído.

Este é o vosso segundo disco: lançaram o I´m In You no ano passado. Enquanto banda, delineiam algum plano ou seguem a onda e gravam o que querem quando querem?

O I´m In You era uma colecção das primeiras canções que escrevemos quando éramos só dois, o John Harris na guitarra e eu com um farfisa. À medida que fomos adicionando e perdendo membros afinámo-nos progressivamente. Houve um enorme espaço vazio após termos gravado o I´m In You, em que não demos nenhum concerto e sucumbimos à estagnação que nos rodeia a todos. Percebendo que não existir uns BnP era prejudicial à sociedade, escrevemos o Welcome To Mediocrity em semanas, depois gravámo-lo.

Tendo ouvido ambos graças ao Bandcamp, o Welcome To Mediocrity parece-me em geral um álbum mais negro. Houve alguma razão em particular para esta mudança subtil no som?

É mais uma representação honesta de uma opinião formada.

A "Meating People" é uma das minhas canções preferidas do Welcome To Mediocrity, tem esta cena meio tribal. Qual é a melhor maneira de cozinhar uma perna humana?

Eu prefiro comê-la crua, agarrando o osso. Enquanto está viva. Sei que o Ben Dodd prefere em sopas e com alho-porro. O John Harris gosta delas ligeiramente fritas, em que ficam com um lado mais moreno por contraste com a poça de sangue. O Jamie Stratton (guitarra) não pode comer porque possui uma estrutura etérea. O Rhett Copland embrulha-as em alumínio, e depois assa-as para que a medula se entranhe na carne tenra.

Considerando que utilizam uma série de samples de filmes neste disco, para qual gostariam de escrever a banda-sonora?

Para o Gritos Mortais, de 1995. Se não conheces, é uma adaptação para filme de um conto do Phillip K. Dick, "The Second Variety". Robôs criados por robôs que têm a forma de crianças e que te querem matar, aos teus amigos, à tua família. Também há esferas com serras que se movem pelo solo (e que fazem um barulho parecido com gritos), e que saltam e te cortam os membros para que usem o teu material genético em fábricas subterrâneas. A faixa de abertura seria intitulada "Mata e Come os Teus Amigos".

Considerando que, provavelmente, ninguém de Christchurch irá ler esta entrevista depois de eu a traduzir, qual é a primeira pessoa que abateriam enquanto circulassem por aí aos tiros a ouvir a "Cleanliness"?

O Rhett, o Grant Freeman. O John optava por um skinhead qualquer. O Jamie pelo Sam Miller. O Ben pelo Brian Feary. Eu era quem quer que visse primeiro.

Quem faz os vídeos que vocês colocam na vossa página do Facebook e qual é a cena com o Mythical Maidens? Já agora, se a Elizabeth Bathóry fosse viva, seria candidata ao título de Miss Universo?

Sou eu que faço os vídeos utilizando o que quer que me interesse na altura. Sim, o Mythical Maidens era um interesse predominante nos primeiros vídeos. Outros temas incluem damas-de-ferro, arder na fogueira, ratos, lesmas, mortos, New Wave francesa, espadas, ideias distópicos, druidas, vudu e o Charlie Manson. Se a Elizabeth fosse viva hoje, não precisaria de um título que a fizesse sentir válida enquanto membro belo da raça humana. Tudo o que ela fez foi usar o seu poder e influência para assassinar camponeses e banhar-se no seu sangue, enviando igualmente os seus serventes para a forca (mereceram-no). Poucas pessoas na vida têm o luxo do prazer imoral sem que sejam identificadas como dissidentes. Quando ela se erguer do túmulo, pode muito bem ficar na minha casa.

Sei que estão prestes a partir em tour pela Nova Zelândia, é a primeira enquanto BnP? Há alguma história memorável de concertos prévios que queiram partilhar?

É a primeira tour dos BnP pela Nova Zelândia. Hmm, histórias memoráveis... fomos convidados para substituir uma banda, os The Cribs, que não vieram à nossa cidade com medo dos plebeus. O espaço era grande e as setenta pessoas que vieram só faziam sobressair o vazio. O John estava tão bêbedo que não conseguia pôr a guitarra ao ombro sem ajuda, sem contar com o facto de que eu estava completamente mocado. Tocámos uma canção, e depois, o John e eu concordámos que seria melhor se ele saísse do palco. Tentámos tocar mais uma enquanto o John nos insultava antes de ser expulso do espaço. Também foi o último concerto do nosso ex-baixista no país, connosco. Também tocámos num festival de gastronomia quando estávamos a começar. Pagaram-nos com uma tina cheia de álcool, mas odiaram todas as canções que tocámos. Queriam Lenny Kravitz, demos-lhes canções sobre incesto.

Existem mais bandas como vocês na cena punk Neo-Zelandesa ou devo acreditar no Andrew Barry e não me chatear a ouvir mais nada?

Nunca ouvi outros BnP. Eis algumas bandas que entendem a mediocridade: God Bows to Math, Pylon, Ralph, Palace of Wisdom, Small Claims Court.

Qual é o pub favorito do Harry em Christchurch?

O Shroeders. «A beber a cerveja de amanhã, hoje».


Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
12/04/2012