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RA
Dualidades fundidas


RA, ou melhor dizendo Rei Abutre, é Ricardo Remédio e mais umas tralhas. Vindo de Setúbal, o teclista de Löbo inicia-se em 2012 no mundo da electrónica com este projecto que, apesar das diferenças evidentes, nos traz reminiscências escuras. Com apenas um EP para mostrar, Rancor já ganhou um prémio pela remistura de um tema da autoria dos Memória de Peixe e Da Chick, “Fish & Chick”, atribuído pela Factmag e pela Lovers and Lollypops, promotora que agora o acolhe. Depois de nove anos sem tocar guitarra, revela-se produtor de sons deveras idiossincráticos que lhe permitem uma viagem entre os mais variados rótulos. Acredita que a música electrónica é um género válido para se tocar ao vivo e como tal reserva-nos colaborações e experiências visuais nos futuros espectáculos. Advém também daí a vontade do músico de querer levar o projecto para os palcos. Para Ricardo esta não é um projecto de estúdio e evoluir é a palavra-chave para o futuro. Ah! E talvez tenha um fetiche por animais.
Löbo, RA... Algum fetiche por animais?

Inconscientemente, se calhar. Contudo, em ambos os projectos, a escolha do nome foi bastante inconsciente. Tanto em Löbo, como em RA nunca houve um processo de estar sentado com uma lista de nomes num papel a escolher qual soava melhor. Foram os que fizeram sentido e pegaram. Há a coincidência de ambos serem animais e talvez fosse um bom tópico de uma sessão de psicanálise, mas diria que foi apenas coincidência. Onde há, eventualmente, um padrão é na escolha de nomes curtos, que, por si só, não digam nada sobre o som ou sobre a banda. Sempre gostei da ideia de que são as bandas que definem os nomes e não os nomes que definem as bandas. Acho que foi esse o principal objectivo: um nome a que eu pudesse dar um significado e não um nome que me limitasse.

Quem é RA, o que é RA e porquê esse nome?

RA sou eu, um computador portátil e uma série de sintetizadores. A quem, recentemente, se juntou uma guitarra. E é o nome que escolhi para me apresentar a solo. No que diz respeito ao nome, quem for à pagina no facebook e reparar no URL da página percebe o significado – Rei Abutre (ou Abvtre). Foi um nome que começou há uns anos a surgir na minha cabeça e que chegou a ser ponderado para um possível projecto entre mim e o João Vairinhos (baterista original de Löbo). Esse projecto não chegou a acontecer, então pensei em usá-lo para mim. Porém, achando que talvez fosse um nome que me denunciasse bastante por ser algo negro, decidi fazer dele um acrónimo e passou a ser RA, somente. A coincidência de ser também o deus do sol egípcio agradou-me.

És teclista dos Löbo como já referi e essa atmosfera ‘pesada’ sente-se nas faixas de RA. Como surge a ideia de criar um projecto que ligasse a electrónica com o doom? É algum tipo de falsa libertação?

Essa ideia tem sido recorrente na minha cabeça e é algo que gosto de explorar. Löbo, em certa parte, acaba por ter uma componente que considero mais electrónica de que muitas bandas do seu género. E acho que é algo que distingue a banda. No que toca a RA, curiosamente tentei deixar o doom um pouco de fora, inspirando-me só nos seus ambientes e no seu estado de alma. Quase como pegar em todas as influências que tenho e escolher umas e deixar outras. Incutir, de certa forma, algumas limitações. Acredito que as limitações, às vezes, obrigam-nos a ir por caminhos que não iríamos de outra forma. Mas, claro que acaba por haver semelhanças quer nos ambientes, quer nessa atmosfera pesada e densa que existe em ambos os projectos, sem dúvida.

Esta é a tua primeira experiência no mundo da electrónica e como produtor?

É a primeira experiência sim, tanto no mundo da electrónicia, tanto enquanto produtor. Apesar disso, esta vivência é o culminar de muitos anos a tentar chegar a um certo nível técnico e de uma procura em tentar arranjar um som próprio. Foi um processo constante de tentativa e erro. Ainda o está a ser.

Ainda só estão disponíveis para audição dois temas coadunando-se ambos ao rótulo que tu próprio colocas no bandcamp do projecto “electronic idm doom industrial post-rock witch house”. O que podemos esperar de futuras produções?

Os rótulos valem o que valem e acabam por ser um bocado ingratos, de ora em vez. Aos níveis do bandcamp e do soundcloud, estes dois foram os termos usados até para ajudar na descoberta do meu projecto, por parte dos utilizadores, em ambas as plataformas. Não que ache desapropriado algum desses géneros. RA tem um pouco de todos, penso eu. Sobre futuras produções, agora que acho que criei uma certa identidade musical com RA, queria experimentar introduzir certas influências e sons que deixei de fora com este EP. O facto de ter voltado a pegar numa guitarra (depois de 9 anos sem nenhuma tocar) acho que terá influência. Gostaria, por exemplo, de experimentar introduzir o doom no mundo de RA, sem, no entanto, alienar a sua identidade.

Relativamente às performances ao vivo, já há agenda? O que reservam? Acrescentam algo às gravações?

Já há agenda e a seu tempo irá ser revelada. Sendo um projecto que, em estúdio, é a solo a ideia é que RA ao vivo seja um espaço para colaborações com várias pessoas. E que cada uma traga algo diferente às músicas, por isso acredito que vá haver diferenças entre as músicas ao vivo e as gravações. Até porque sempre defendi que a vida de uma música não acaba quando é gravada. Ao vivo vão para onde tiverem de ir. Se uma música soar perfeita igual à gravação, óptimo. Se tiver que mudar e evoluir, melhor ainda. Assim acabam por haver duas experiências diferentes. Haverá, eventualmente, também uma componente visual que está a ser trabalhada. Acho que a música de RA pede isso.

As ligações com a Lovers and Lollypops confirmam-se? Em que sentido pode ser uma mais-valia fazer parte desse grupo/ dessa família?

Confirmam-se, sim. Foi uma ligação que surgiu de uma forma inesperada – inicialmente, nem tinha pensado falar com nenhuma editora – mas que tem sido, até agora, óptima. No que toca à Lovers, tem sido incrível conhecer e trabalhar com gente nova, que acredita na música que faço e que me quer ajudar. Também gosto bastante do facto de, apesar de se tratar de uma “família” unida, ser bastante eclética em termos de sonoridades. Sinto-me melhor aqui do que numa editora em que todos os projectos fossem semelhantes ao meu.

Acreditas que a música electrónica independente pode vir a ganhar espaço no panorama musical português por exemplo através da aposta deste tipo de promotoras e remover um pouco aquele preconceito de que a música electrónica é “panados com pão”?

Mais do que esperar que se mudem os preconceitos no que toca à musica electrónica em geral, gostava de ver o papel da electrónica e dos sintetizadores nas bandas não renegado para segundo plano. Não que todas as bandas tenham que ter esses elementos ou influências, mas muitas que o têm renegam-no para estúdio apenas, ou para sequências e loops pré-gravados ao vivo, nunca tendo um elemento e achando sempre que "não devem abusar". Como se, de certa forma, estragasse o som ou fosse algo pouco viril ou fixe de se fazer. Talvez essa percepção seja influenciada pelas referências que tenho e pelas bandas que vejo e noutros círculos musicais não exista, mas senti sempre isso. Os teclistas ficam lá atrás a brincar com os seus barulhinhos. E, se calhar, tem a ver precisamente com essas preconceitos que a música electrónica sofre. Mas há boa musica electrónica, indubitavelmente, e acho que é necessário essa aposta em música electrónica mais independente e no mostrar que esta não se resume a música de dança e/ou a alguém a disparar loops ao vivo. Que a electrónica pode e é, acima de tudo, um género válido de se tocar ao vivo e de ter a mesma energia que uma banda rock só vai ajudar a acabar (ou a diminuir) certos preconceitos que ainda existam.

O que esperas para o futuro?

Quero contrariar um pouco a ideia que possa haver que isto é um projecto de estúdio ou um projecto paralelo. Quero levar RA para o palco, fazer estrada. Quero também voltar a gravar este ano com RA e, principalmente, evoluir.


Alexandra João Martins
alexandrajoaomartins@gmail.com
09/04/2012