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Pão
Fermento


Tiago Sousa, Pedro Sousa e Travassos formam os Pão, um OVNI na cena musical portuguesa. O projecto está ainda fresquinho: apareceram no início deste ano, mas já têm dado nas vistas. Foram revelados no Festival Rescaldo, já passaram por salas icónicas como a Casa da Música e a Galeria ZDB e até já actuaram num festival de jazz - o Jazz Ao Centro 2011. Juntam saxofone tenor, piano, harmónio, electrónica analógica e diversas percussões; combinam a liberdade da improvisação, com sonoridades ambientais e a sujidade do "drone", numa amálgama inigualável. Pedro Sousa, o saxofonista, revelou-nos o fermento de que é feito este Pão.
Como surgiu este projecto?

O projecto surgiu de um ensaio semi-falhado, com o Tiago Sousa e outra formação no Trem Azul. O Travassos estava a trabalhar até tarde e ouviu o ensaio todo. Na sequência disso ele sugeriu um ensaio com nós os dois. A parte peculiar disto foi não termos falado sobre a música que dali ia sair. O primeiro ensaio aconteceu e a empatia foi imediata. Nós agora estamos apenas a tentar refinar a "farinha".

Porquê este nome estranho, "Pão"? Quem o fermentou, qual é a explicação?

O nome foi o Travassos que sugeriu. Antes do aparecimento de Pão no seu formato actual, eu e o Travassos já tocávamos juntos em contextos mais noise. Depois de os Flu terem acabado nós ainda ensaiámos umas vezes em duo e ainda chegámos a tocar ao vivo mais ou menos neste formato. Eu tocava guitarra com electrónicas na altura e a música era essencialmente diferente mas chegámos a fazer umas gravações caseiras a que se deram o nome de Pão. Mas depois acabou por ficar tudo em águas de bacalhau até à chegada do Tiago Sousa quase um ano depois.

Como surgiu esta combinação instrumental tão atípica: saxofone tenor, piano, harmónio, percussões, electrónica analógica?

Naturalmente que a combinação invulgar de instrumentos em pão provêem das nossas particularidades enquanto indivíduos que colaboram entre si. O Tiago por exemplo é um pianista "at heart" mas que se interessa por vários instrumentos diferentes, chegando a trazer flautas e uma guitarra para os ensaios. Eu próprio no início senti-me tentado em usar este projecto como uma desculpa para voltar a usar electrónicas, mas acabei por descartar a ideia para poder no processo aprender mais com o desafio de utilizar o saxofone neste tipo de formação e mesmo porque apesar das nossas óbvias diferenças esse trabalho já é feito pelo Travassos.

O vosso eixo é a improvisação total? Que regras definem previamente?

Não temos regras pré-definidas. Não criamos nem estabelecemos previamente uma estrutura. Nós apenas falamos do que gostámos ou não a seguir a um ensaio ou concerto, e como nos damos com regularidade, falamos sobre tudo e mais alguma coisa, esse mais alguma coisa inclui música. Por vezes ouvimos algumas faixas que possamos ter gravadas e assinalamos particularidades que achamos interessantes ou não.

Como preferem que seja classificada a vossa música?

Não fazemos a mínima ideia de como a classificar para além do facto de ser música improvisada. Mas não somo ingénuos, sabemos que tem características que podem ser associadas, por exemplo, a música drone ou ambiental, mas acaba por serpentear os géneros. Há momentos que me parece que estou a tocar rock psicadélico.

Ao vivo a vossa música tem vivido uma tensão constante, mas quase sempre contida. É uma característica que pretendem manter?

De todo, nós achamos que a tensão e a contenção que se vê em Pão acaba por servir propósitos diversos. Em parte o atractivo de esta estética é o transe e a sensação de transcendência que se assume em nós quando tocamos. Mas somos o que tocamos (e o que comemos ouvi dizer), e tudo depende de uma enorme complexidade de vivências e sensações que se manifestam antes de tocarmos. Os últimos ensaios por exemplo têm sido bastante agressivos. No plano geral é como o rebentar de um onda que tinha vindo a crescer dentro do grupo, no plano mais individual tem partido das frustrações que temos sentido no dia-a-dia, principalmente no plano político-social, que tanto nos azucrina a cabeça. De qualquer das formas é uma catarse e é bem vinda, acabando por também dinamizar a estética do grupo.

Que referências musicais comuns se encontram nos três elementos de Pão?

O gosto pela música: Todos nós somos melómanos na nossa singularidade. Apesar de nem todos amarmos as mesmas coisas (O Tiago por exemplo não sente grande afinidade com IDM, enquanto eu sou um doente disso) todos temos referenciais óbvios, amamos os The Necks ou o Erik Satie, o Beethoven e o Mats Gustafsson, rematado por uma qualquer banda de noise. Acho que o elemento mais comum entre os três é capaz mesmo de ser o jazz, mas mesmo por aí é díspar e vago.

Quando será editado um disco? Já há ideias definidas neste sentido?

Já está gravado um disco. Na realidade gravámo-lo mesmo no início da formação de Pão e a música evoluiu bastante desde então. O nosso objectivo agora é podermos lançar este trabalho para podermos começar a pensar já no seguinte. Quando será editado é no entanto, uma incógnita.

Entretanto já tocaram com o Filipe Felizardo. Estão abertos a colaborações regulares com outros músicos?

Claro que sim, mas temos tido cuidado neste aspecto. Andamos a tomar um passo de cada vez e a experimentar com músicos e instrumentos diferentes e a compreender o que acontece à música do trio no processo. Temos já um próximo concerto marcado em que consideramos fazer um convite a um outro músico.

Sentem que fazem parte de uma nova fornada da música experimental nacional? Dos diversos projectos nacionais que se têm evidenciado, com quem sentem mais afinidades?

Bem, é relativo. O Travassos, por exemplo, já está nisto há mais tempo do que eu. E o Tiago apesar de só agora se estar a familiarizar mais com o acto de tocar música improvisada, já toca há largos anos e chegou a ter uma label que promovia em parte o mesmo. Portanto o mais recém chegado aqui sou eu. Da minha idade específica temos por exemplo o Pedro Lopes e o Gabriel Ferrandini, que além de serem grandes amigos nossos, são, a meu ver, músicos incrivelmente talentosos e aprecio na grande maioria os projectos em que eles se envolvem. Mas sentimos grande admiração por vários outros músicos da cena nacional, que se tem mostrado (deve ser da crise) fervilhante. Podemos enunciar vários grupos, nomes ou entidades como as guitarras do Norberto Lobo, do Pedro Gomes, Filipe Felizardo, Guilherme Canhão (os Sunflare são em si uma banda do caraças) e o Peter Shuy. Ou o Sei Miguel e os músicos que o acompanham, e o trabalho de David Maranha e do Manuel Mota, André Gonçalves, os Osso, ou os Olive Troops SOS. Pessoalmente sinto também falta de bandas como os Suchi Rukara, sinceramente acho que fazem falta no panorama nacional bandas com aquele tipo de energia pura e trashy. Enfim, a lista não é interminável mas é extensa sem dúvida.

Quais são os vossos planos para o futuro?

Aqueles clichés: gravar outro álbum assim que possível e planear futuras colaborações, que neste momento não passam de ideias (mas daquelas engraçadas) no papel. Claro que uma tour seria ouro sobre azul, mas neste momento o mais importante é se calhar concentrarmos-nos a editar o nosso primeiro trabalho e aproveitar a ocasião para olear o grupo o mais possível. De seguida pensa-se no resto.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
13/06/2011