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Ben Frost
Disco quente, homem frio


A frio, há que referir que Ben Frost tem, em By The Throat, um impressionante disco sem atalho para inversão de marcha. Disco em que o ruído ataca em matilha, monumento de atrito sinfónico e núcleo tão hostil quanto irresistível, armadilha assegurada pela claustrofobia d’O Reino, de Lars Von Trier, e dos primeiros filmes de John Carpenter. A lei de Murphy é a única a imperar em By The Throat: o que pode correr mal, corre mal. E o colapso provocado por isso contribui para uma escuta paranormal e a qualquer momento vertiginosa. Mergulhamos nas duas mini-séries incluídas em By The Throat (“Peter Venkman” e “Through The…”) e aí ficamos retidos. Aviso: isto é tudo excepto uma escuta gratuita.

De modo a obter os tais píncaros de intensidade de By The Throat, a família Frost contou com os já habituais membros Valgeir Sigurðsson (co-produtor) e Nico Muhly (arranjos), e estendeu, desta vez, os seus ramos às Amiina, ao metal sueco dos Crowpath e à percussão de Jeremy Gara, dos Arcade Fire. A força esteve com todos.

No próximo dia 5 de Novembro, quando vigiar as baleias, no Teatro Maria Matos, em Lisboa, em parceria com Sam Amidon, Nico Muhly (o tal) e Valgeir Sigurðsson, é provável que Frost ocupe o lugar do manipulador de crescendos ofuscantes, entre outros fenómenos. Ou, então, nada disso, porque a visão desobedece ao previsível, e aí está um dos mais prodigiosos e ecléticos ensembles internacionais, capazes de contrariar as palavras escritas nas brochuras, nos comunicados de imprensa e mesmo nesta introdução. Ben Frost neutraliza expectativas a curto prazo ao criar ficção científica sonora para os anos vindouros. Antes da intempérie na avenida de Roma, respondeu a algumas questões do Bodyspace.
Foste obrigado a ultrapassar alguns obstáculos para lançar By The Throat tal como desejavas?

Na verdade, o processo de masterização foi quase tão difícil como o de mistura. By The Throat foi masterizado, em três momentos distintos, por mim e pelo Valgeir (Sigurðsson), antes de ficarmos satisfeitos com o resultado. Além disso, deixámos escapar um erro desastroso na impressão da capa e só demos conta disso muito tarde, quando os discos já estavam a ser distribuídos. Significa isso que os primeiros 2000 compradores ficarão com uma “edição limitada” acidental, algo que me vai deixar a boca amarga durante os próximos tempos. Não cedo facilmente.

Theory of Machines e By The Throat parecem, às vezes, transmitir a noção de um estado clínico, que vai de uma pulsação fraca ao estado de hiperventilação e fricção intensa, para regressar depois ao início. Procuras jogar com a vitalidade da “coisa” nas músicas que compões?

Aí está uma pergunta interessante. Agradeço-te, pois não costumam ser frequentes. Tenho consciência absoluta da forma da minha música e do formato dos meus álbuns. No fundo, remover uma peça de Theory of Machines ou de By The Throat cria um vazio na narrativa sónica desses trabalhos, que os destrói precisamente por esse motivo. Enquanto trabalho, preocupo-me com as macrodinâmicas do disco, assim como com os pormenores microscópicos de cada peça de música; dentro disso, há um lado dramático que me atrai a atenção, mesmo que seja alheio à música e à melodia. Mesmo assim, quando enquadrado num campo auditivo, restringido à imagem estéreo e incolor do som, esse drama ultrapassa o que os olhos alcançam, com a excepção do artwork que acompanha o disco e de alguma iluminação em palco. Por isso, tendo a procurar instrumentos sónicos que componham o meu estado emocional como ouvinte e que, inflexivelmente, criem um espaço para a narrativa. A natureza “condicional” de aparelhos como o electrocardiógrafo ou o dialisador produzem em mim um efeito emocionalmente forte, talvez porque, tal como a respiração dos animais, aqueles sons de raiz partem de imagens humanas e físicas, que, na ausência de vocalizações e letras, fazem falta a grande parte da música mais “experimental”. Eu exijo mais da minha música. Não sei se sou capaz de o explicar, nem tão-pouco sinto necessidade de o fazer com maior detalhe, mas devo dizer que é eminente a proximidade entre a minha personalidade e os elementos que mencionas. Estão entranhados nas raízes essenciais do meu trabalho.

Aproveitaste o nome da personagem d’Os Caça-Fantasmas como título para as duas partes de “Peter Venkman”? Inspiraste-te em algum vilão desse filme?

Não.

Reuniste uma grande variedade de colaboradores, como as Amiina e os Crowpath. Foram participações gratificantes? Ficou alguma colaboração pelo caminho?

A colaboração com os Crowpath estava pendente há vários anos. Há ainda muitas pessoas com quem adoraria trabalhar, nem que seja por razões puramente egoístas. Espero, com o tempo, poder fazê-lo.

A capa do novo álbum parece uma imagem retirada de um filme de acção, logo após o Bruce Willis ter salvo o mundo algures no Alasca. Procuraste sugerir esse tipo de cenário ou aproximar a capa dos uivos de “Leo Needs a New Pair of Shoes”? Qual a história por trás desta capa?

Quando trabalho num disco, é costume chegar a uma perspectiva visual muito antes de sentir a chegada da perspectiva sonora. Para este álbum, fui procurar uma série de imagens relacionadas com fenómenos naturais, como vulcões em erupção e incêndios florestais incontroláveis. O disco parece-me extremamente vermelho, como se estivesse envolvido por uma névoa brilhante. Sabia, desde cedo, que a capa contaria com uma matilha de lobos ou outros animais ferozes. Uma enorme parte da narrativa visual foi aperfeiçoada ao longo de um ano, mais ou menos, com Sruli Recht, o meu fiel aliado. Para tirarmos as fotografias, viajámos até ao norte da Islândia, em pleno Inverno de 2008, com o fotógrafo Bjarni Gríms. Estava muito frio e foi extremamente cansativo obter aquelas imagens; foi preciso correr pela neve durante cinco horas. Todos os contornos dessa experiência ganharam um brilho brutal e uma beleza aterradora. Mais tarde, em Janeiro, quando estava em Los Angeles com Sruli, fui apresentado a um dos seres mais incríveis que já conheci, a designer Rebeca Mendez.

Que proveito tiraste da colaboração com os Rational Academy (A Heart Against Your Own)? Aprecias trabalhar com o Lawrence English? Ele é um tipo impecável.

Essa colaboração surgiu através do Lawrence, à semelhança de muitas outras em que estou envolvido. Ele é o grande pulmão australiano no que respeita a colaborações. Eu estava em Brisbane, quando eles começaram a gravar, e fui convidado para tocar algumas segmentos de guitarra. Foi com enorme agrado que aceitei.

Fala-me dos teus trabalhos recentes para as companhias de teatro na Austrália.

Estou, neste preciso momento, num avião a sobrevoar a Austrália Central, a caminho da minha casa na Islândia. Estive na Austrália, durante o último mês, para a produção de uma peça de dança intitulada Black Marrow para a companhia de dança Chunky Move.

Surpreendeu-te o facto de Mary Anne Hobbs incluir a tua faixa “Theory of Machines” na compilação Evangeline? Foi uma opção ousada, mas que acabou por resultar. Como decorreram as negociações?

Mary Anne era uma grande entusiasta desse álbum, mesmo antes de alguém ter demonstrado algum interesse. Tenho uma enorme admiração por ela. Se alguém tivesse de ocupar o trono deixado vago por John Peel, esse alguém teria certamente de ser a Mary Anne. O processo que levou a essa inclusão foi extremamente simples: ela perguntou-me, e eu respondi que sim. Foi mesmo só isso.

Que novidades da Bedroom Community estão alinhadas para o futuro próximo? Tens alguns projectos na calha?

O Valgeir (Sigurðsson) está prestes a concluir um álbum de material escrito para o documentário islandês Draumalandið (Dreamland). O disco de estreia do compositor islandês Daníel Bjarnason e o segundo de Sam Amidon, pela Bedroom Community, também estão a ser produzidos. Devo aproveitar a ligeira calma, que se segue ao By The Throat, para lançar material de outros projectos, como a banda-sonora para uma série islandesa intitulada The Cliff e duas peças gravadas para os coreógrafos Erna Ómarsdóttir e Damien Jalet.

Tens-te sido confundido com o artista plástico Ben Frost? Já te pediram uma colagem de um Porky Pig cortado às fatias, com umas mulheres nuas pelo meio?

Não, nem por isso De vez em quando, eu e o Ben somos obrigados a trocar e-mail equivocado, mas isso acontece muito raramente e acaba por ser divertido. Mantemos esta associação há vários anos, e não há nenhum problema. Na verdade, sinto que tenho imensa sorte por ter o mesmo nome de um artista que trabalha tão arduamente e com tanto empenho. Seria muito pior partilhar o nome com alguém cujo trabalho não respeitasse. Não sou um fã do seu trabalho por si só, porque não estou verdadeiramente interessado naquele tipo de estética. Ainda assim, admiro muito as suas ideias e convicções criativas.

Que podes adiantar acerca da actuação no Teatro Maria Matos com Sam Amidon, Nico Muhly e Valgeir Sigurðsson? Como é que se organizam nestas ocasiões?

Esta digressão parte de experiências anteriores. Tocávamos juntos uma vez por ano na noite da Bedroom Community, no festival Iceland Airwaves. Essa era uma rara oportunidade de partilharmos um só palco. Estamos todos entusiasmados com a oportunidade de a explorar numa escala maior. Conhecemo-nos muito bem, e estou mesmo empolgado com a hipótese de observar a evolução do meu trabalho durante um período de colaboração intensa com estas pessoas fantásticas.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
02/11/2009