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Lau Nau
Sonhar com a música do futuro


Lau Nau é Laura Naukkarinen e vive na Finlândia, país de onde tem vindo alguma da folk mais interessante e estranha dos últimos tempos. Há ali qualquer coisa de muito fértil naquele solo que nos anda a desviar o olhar de alguma folk pouco inspirada vinda de outras paragens. Lau Nau é um dos nomes maiores que saíram desse conjunto. E é-o desde que editou o seu álbum de estreia, intitulado Kuutarha (Locust, em 2005), caixinha de surpresas tão intima quanto bela, passeio pelas paisagens frias e ternas da Finlândia. Nukkuu, três anos mais tarde, de novo na Locust, confirmou tudo o que havia para confirmar. A sua relação com a música é a soma de todas as suas partes: a maternidade, a sua terra natal, as suas experiências com outros grupos. A sua música está ligada à vida por um fio – e isso sente-se de canção para canção.

Agora, Lau Nau estará entre nós a 18 de Setembro na Culturgest, no Porto, e no Museu do Chiado, em Lisboa, no dia seguinte. E será aí então altura para perceber que isto é real ou tudo um sonho, se a Finlândia é uma galinha dos ovos de ouro e se a vida é mesmo assim tão real nas canções fio da navalha de Lau Nau. A entrevista com Laura Naukkarinen é no mínimo reveladora da sua íntima ligação com a música e com a vida. A sua vontade de falar sobre a sua música é notável; ouvi-la demorar-se nas respostas é um prazer. O Bodyspace foi tentar descobrir um pouco mais sobre o maravilhoso mundo de Lau Nau.
Há algum tempo atrás, chegou a todas as partes do mundo muita música bonita, música folk, que vinha da Finlândia. O que é que resta desse fenómeno, dessa energia?

Se continuares a ouvir vais ouvir ainda muita música bonita vinda da Finlândia. A música que teve alguma atenção da imprensa há alguns anos atrás tem vindo e evoluir para algo ainda mais bonito e ambicioso. Algumas das bandas continuam a ser fortes ainda, como Kiila, Avarus, Hertta Lussu Ässä, Kemialliset Ystävät, Maniacs Dream, Lauhkeat Lampaat, e muitos dos artistas solo continuam também muito fortes: Islaja, Kuupuu, Tomutonttu, Es, Topias Tiheäsalo, Pekko Käppi, Lau Nau, etc. Ao mesmo tempo, novas bandas e projectos a solo nascem a toda a hora: Maailma, Nuslux, Pasilian Savut, Fricara Pacchu, Two Who, Tsembla...

Achas que a Fonal foi a responsável principal pelo aparecimento e destaque dado a todos esses projectos? Podes descrever-nos mais ou menos a importância da editora na Finlândia?

Hoje em dia o impacto da Fonal é muito importante – é inspirador e encorajador que exista uma editora na Finlândia que esteja interessada em editar música interessante e mesmo assim manter o nível de qualidade elevada. Nos primeiros tempos a Fonal lançava sobretudo música da região de Pori, por isso eu e algumas das minhas bandas amigas lançávamos música em editoras como a Eclipse, HP Cycle, Qbico, Lal lal lal, Vauva, Pok, Whistle along, Audiobot, Secret Eye, Ultra Eczema, etc., apesar de o primeiro lançamento em que estive envolvida ter sido um split EP de Chamellows e Kiila, que foi realmente lançado na Fonal, e conhecer o Sami (da Fonal) e o seu colega de banda Niko-Matti foi um dos encontros mais felizes da minha vida, a sério. Acho que a existência da Fonal e de algumas editoras DIY na Finlândia criaram um sentimento seguro de uma comunidade de amigos. De qualquer das formas, como podes ver, a música foi lançada em muitos países logo desde o inicio, não apenas na Finlândia.

Tens muitas oportunidades para tocar no teu próprio país? Como é a Finlândia para a Lau Nau e os outros artistas que partilham as tuas sensibilidades? Existe um sentimento de grupo, algo que une todos estes projectos?

Sim, existe um sentimento de grupo e isso é o que faz disto tudo algo tão doce. A música aproximou-nos a todos e ainda é excelente tocarmos juntos, apesar de não ter muito tempo para isso hoje em dia. A amizade é o poder que nos une. Mas os círculos são muito pequenos aqui na Finlândia por isso toco mais no estrangeiro. Eu posso ter entre 4 a 8 concertos na Finlândia por ano, normalmente espectáculos pequenos… e depois muitos mais na Europa e nos Estados Unidos. Em Novembro vou viajar para o Japão para uma mini digressão por lá, também. Escusado será dizer, estou muito excitada com isso.

Nos anos que passaram depois do lançamento do teu álbum de estreia, Kuutarha, tornaste-te mãe e mudaste-te para o campo, na Finlândia. Como é um dia típico para ti?

Não tenho dias típicos, sinceramente… Apenas quando estou a trabalhar na livraria da aldeia, aí estou a trabalhar mas tudo o resto pode variar bastante. Estou a viver no limbo das rotinas de uma mãe que mantém o jardim e a casa e a destruição de todas as rotinas. É um jogo sensível…

E como é um dia típico para ti enquanto escreves música e prepares um novo trabalho? Levas tudo muito a sério, com regras, com momentos de reclusão, ou levas tudo de forma soft e fácil?

Para mim é difícil ter tempo para mim própria, por isso quando finalmente tenho isso e tenho a oportunidade de fazer música levo-o com seriedade, a não ser que esteja a improvisar com amigos, aí tudo é bastante mais solto. Pode acontecer eu ir para o meu estúdio no sótão depois do nosso filho ter ido dormir e depois começo a trabalhar. Por vezes ouço apenas as minhas primeiras gravações, experimentar com o som e com o equipamento, sonho com a música do futuro, levo a coisa nas calmas, mas mesmo assim estou ainda no meu mosteiro pessoal. Às vezes começo a gravar ou a editar e tenho períodos intensos em que a música está realmente a ser criada.

Falavas há pouco disto. Quão difícil é conciliar a vida de família e a vida da música, com digressões e com outras obrigações normais desse tipo de experiências? Parece-me que não é um processo pacifico para ti…

Acho que esta é uma pergunta muito importante e dura que não foi ainda discutida o suficiente. Ser mãe e ter uma carreira musical não é uma combinação fácil, pelo menos se desejas dar concertos e ensaiar muito. Ohh, acho que esta vai ser uma longa resposta… Depois de um ano a amamentar a criança, a relação entre uma mãe e um filho é única. Arriscaria até dizer que, normalmente, +é mais fácil para o pai, no momento, ir em digressão e viajar do que para a mãe. De qualquer das formas, eu tenho vindo a dar muitos concertos: no ano passado quando o nosso filho tinha 2/3 anos dei perto de 30 concertos que foram sobretudo fora da Finlândia. Foi muito duro para mim e para o meu filho (ele não seguiu comigo mas o seu pai sim porque ele toca na minha banda ao vivo) e comecei a ficar doente antes de cada viagem. A única opção foi realmente deixar de andar em digressão. Agora toco menos concertos do que antes. Também deixei de tocar em algumas bandas em que costumava tocar porque é muito difícil encontrar o tempo para viajar para outra cidade para ensaios que me tirariam todo o fim-de-semana. Ainda toco com Hertta Lussu Ässä e Maailma, assim como em algumas formações improvisadas, a tocar com amigos e pessoas queridas é uma das coisas mais felizes na música. Mas uma banda também pode ser algo chauvinista nas atitudes; por exemplo, eu tive de ter uma pausa de tocar numa certa banda já que tinha tido uma criança, foi substituída por dois novos membros que também continuaram a tocar na banda quando fiquei pronta para regressar. Não havia basicamente mais nada para eu fazer na banda. Num contexto de trabalho esse tipo de comportamento seria punido por lei, mas nas bandas ninguém pensa sequer que existe algo errado com isso. Estes membros da banda são grandes amigos meus por isso não disse isto com maus sentimentos, mas queria deixar algo para pensamento em relação a mães e bandas. Um dos meus maiores desafios é também encontrar o tempo para fazer a minha própria música. Eu gravei o Nukkuu enquanto o nosso filho estava a dormir uma sesta ou quando era a vez do pai dele de tomar conta dele durante o dia. Não havia hipóteses de me concentrar no processo de fazer música, tinha de fazer tudo em pequenos pedaços, dar pequenos passos. Hoje em dia é mais fácil para mim concentrar-me, mas não quero fazê-lo enquanto o nosso filho está connosco em casa. Esse é o tempo de fazermos jogos e estarmos juntos, por isso o tempo de gravação tem de acontecer durante a noite. Agora, depois de quase quatro anos de aprendizagem estou a começar a ser capaz de apreciar ser mãe e fazer música ao mesmo tempo. Demorou muito tempo e o processo foi uma surpresa para mim – acho que devíamos mesmo falar mais acerca de como é ter uma família e tocar ao mesmo tempo para que os outros possam saber como nos sentimos. Criar arte é difícil se é feita em conflito com o resto da vida de uma pessoa, por isso a única maneira é resolvendo o conflito. No meu caso significa menos viagens, pensar menos acerca de como me tornar conhecida em todo o mundo, ser mais presente na vida do dia-a-dia e concentrar-me em fazer música, não tocá-la em concertos. É uma pena que o dinheiro dos músicos venha de tocar concertos, por isso tenho agora de trabalhar noutro lado para arranjar dinheiro para viver. Mas tenho um emprego porreiro numa livraria, e isso é muito porreiro, também.

Quais são os teus sentimentos em relação a Nukkuu, o teu segundo disco? Ambos parecem discos muito pessoais, mas este parece especialmente afirmativo. Concordas?

Ambos os meus discos são trabalho muito pessoal, especialmente pela forma como eu trabalho, improvise e gravo a música. Agora quando olho para esses discos não estou satisfeita com o grau de pessoalidade das minhas letras, de certa forma não conseguem endurecer-me mais. Por isso, parece que o meu terceiro álbum vai conter algumas letras que correm o risco de ser quase demasiado pessoais e sensíveis, é algo que preciso de fazer agora neste momento. Mas de volta ao álbum Nukkuu: durante o processo de criação desse disco dei absolutamente tudo o que tinha, apesar de o meu tempo e a minha concentração terem sido danificadas um pouco por todo o lado eu concentrei-me a fazer o disco tão intensamente que se tornou uma parte de mim. Fazer esse disco não foi uma tarefa fácil e eu queria fazê-la o melhor que pudesse. Todos os que ouvem o álbum ouvem uma parte de mim naquele momento, e isso é incrível. Apesar de saber que o próximo álbum vai ser ainda melhor, claro.

Por falar nisso. Como é a tua relação com a tua própria música? É como uma necessidade; é um escape da realidade, uma necessidade de produzir um documento artístico?

Acho que é a necessidade de ter pelo menos uma paixão, algo na tua vida à qual podes chamar realmente a tua própria criação. Para mim é a minha música. Eu posso ter períodos em que não toco assim muito e esses tempos não também importantes, porque aí consigo alcançar uma certa distancia da minha música e concentrar-me nas coisas concretas que me rodeiam, a família, escavar a terra, criar outras coisas, ser social. Mas sempre que esses períodos passam, quando começo a compor e a escrever de novo sinto que me encontrei a mim própria de novamente. Não é um escape da realidade mas um regresso à minha realidade. Uma necessidade verdadeira. Espero que toda a gente tenha uma paixão como esta.

Tens tido também tempo e paixão para te envolveres noutros projectos. Durante este Verão compuseste e gravaste música para a coreografia Tuu hakee mut pois täältä para seis bailarinos, de Marianne Petters. Como foi essa experiência? Viste a peça ao vivo? Como é que foi?

Foi uma das experiencias mais inspiradoras em muito tempo. Não estava à espera disso, na verdade estava bastante ocupada com outras coisas quando comecei a fazer a música mas depois sugou-me para o seu mundo com tanta força que fiquei espantada. A Marianne baseou a coreografia dela em entrevistas que ela fez com pessoas acerca do tema do desaparecimento, da perda, por isso ela deu-me os resultados das entrevistas e falou-me um pouco da estrutura da dança e deu-me mãos livres para fazer o que eu quisesse. E funcionou como a dança. [risos] Tive um mês intensivo de escrita e de gravação e ela ficou satisfeita com cada peça que lhe dei, entendemo-nos uma à outra de uma forma incrível. Houve alguns solos de dança que ela coreografou antes de ouvir a minha música e quando a música ficou pronto, coube na perfeição mesmo sem eu ter visto a dança até esse momento. Eu vi a dança na totalidade na estreia e estava tão excitada que nem me conseguia sentar direita. Tive de ir ver o espectáculo de novo. Tinha pele de galinha nos braços e lágrimas nos meus olhos depois de ver bailarinos profissionais e amadores criarem os seus solos a partir da minha música. Bem, fico feliz por não ter sido a única tonta sentimental com lágrimas nos olhos na plateia, a peça é bastante tocante.

Não é a primeira vez que partilhas a tua música com outras artes. Aprecias sempre essas experiências, sentes-te confortável a fazer isso?

Sinto-me confortável se eu tiver todo o tempo do mundo… Mas se fico preocupada as coisas tornam-se complicadas – e isso é uma realidade quando estás envolvida em projectos que têm prazos. Preciso também de uma grande liberdade artística porque não acho que a música deva ser tão subjectiva em relação a outras formas artísticas. Deve existir em cooperação com os outros elementos. Gostei muito de fazer música para filmes, exposições de fotografia e agora até mesmo para dança contemporânea, por isso espero continuar neste caminho, em paços pequeninos.

O que é que podemos esperar dos dois concertos em Portugal? Novas canções de um novo disco, talvez? Tens noticias para nos dar em relação a um possível novo trabalho?

Vou tocar algumas canções novas que nunca foram tocadas ao vivo até agora, isso é tão excitante que vou provavelmente ter pesadelos acerca disso… Espero lançar um disco com a música para a peça de dança mais tarde ou mais cedo e também estou agora a gravar demos para o meu próximo álbum. Nunca tinha feito demos antes – apenas gravava tudo direito para o álbum, por isso este processo vai ser novo para mim. Vai ser um álbum diferente de Lau Nau de certeza. Tive algumas propostas interessantes de alguns produtores mas não tenho a certeza se a minha música pode ser produzida já que o meu processo criativo é tão direito – eu acredito nos meus instintos. Mas vamos ver, vou levar as coisas com calma e com facilidade e prometo fazer um disco muito bom para todos vocês ouvirem.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
14/09/2009