O rock-zoófilo-urbano está aí para durar. O único rótulo que falta à caderneta da imprensa musical britânica tem nos Feromona os seus fundadores. Após anos a fio de arte e ensaio entre as fileiras de diversas bandas da microscópica cena musical de Mafra (com os Crise de Fígado à cabeça), os irmão Diego e André Armés (voz/guitarra e bateria, respectivamente) unem esforços com o baixista Cristóvão D'Almeida de maneira a levarem a bom porto o fervilhar criativo que expiram a cada música em palco. Neste convento há lugar para o impulso primário do punk, assim como para a digressão experimental, a ponderação vive paredes-meias com o non-sense Monty Python, a femme-fatale partilha a penthouse com o cadáver de Steve Mcqueen. Os Feromona ainda não conhecem norte. Acabará por ser a feromona a regular o ciclo menstrual das freiras, à semelhança da direcção musical que mais cedo ou mais tarde se há-de impor. Mas já dizia Lemmy: "The chase is better than the catch". Diego Armés dá-nos as coordenadas.
Resume
o percurso dos Feromona até aqui.
Eu e o André voltámos a fazer umas
jams juntos,
só nós os dois, numa garagem. Não tocávamos um com o outro havia algum tempo
e notámos que as coisas estavam a sair particularmente bem. Achámos que devíamos
aproveitar para arrancar com algo mais sério, partindo de determinados pressupostos.
Falámos com o Cristóvão, explicámos-lhe a intenção e a essência da ideia. Ele
gostou, ensaiámos, gravámos umas músicas... até que, um ano e meio depois de
nos termos fechado no estúdio, nos estreámos no palco (Agosto, no NetjazzCafé
- Chapitô) já com material de alguma forma consistente e que corresponde, em
larga escala, à ideia primária da banda.
Os erros cometidos no passado foram essenciais
à maturação? Acreditas que este podia ser o teu primeiro projecto?
Não considero que tenham existido "erros", propriamente
ditos. Houve uma aprendizagem. Obviamente, este poderia ser o meu primeiro projecto...
mas, para isso, teria que ter começado a tocar só com vinte e tal anos. Aos
dezasseis ou dezassete a forma como olhas para a música e para os fenómenos
que a rodeiam é completamente diferente. Hoje preocupo-me muito mais com a essência.
Na altura ia directo ao resultado final. [risos]
Todo o material em reportório é relativamente
recente ou há por aqui pérolas repescadas?
Há pérolas, mas são raras. "Better Again", que chegou
a ser tocada em
Shave, é a única que se mantém, embora devidamente reformulada
e actualizada. Existe ainda "Homicide", que é uma música de gaveta. Curiosamente,
são temas que começam a ficar descontextualizados num alinhamento que, apesar
da diversidade, considero coerente. Surgem um pouco como excepções...
Costuma ser a música a impor-se à letra, ou é
o contrário que acontece?
Nunca aconteceu a letra impor-se à música. Mas também
não acontece o contrário. O normal - e nem sempre é assim - é que a música sugira
determinado ambiente ou acontecimento ou história... conjugando a sugestão da
música com o nosso padrão, a letra surge. Quando a música já tem a letra, é
a letra que orienta a música - procede-se antão aos ajustes. Por exemplo, se
a letra pede tensão, damos tensão à interpretação musical; se é alegria, o ajuste
vai nesse sentido. Mas sempre sem tocar na essência das melodias, fica tudo
na execução. Há excepções, contudo. "Paquiderme Magrinho", por exemplo, foi
uma música começada pelo título. Fizémos uma melodia que não desvirtuasse o
título e lhe desse vida. Depois eu fiz a letra. No final, nem precisou de grandes
arranjos, foi tudo muito conceptual.
"Baton Original" é para já cartão de visita. Perfila-se
um novo tema para o substituir? Será cedo demais para isso?
O Baton foi gravado em maqueta tínhamos nós dois meses
de ensaio e seis ou sete temas (alguns deles já descartados) em alinhamento.
É um bom tema e, para já, vai manter-se como cartão de visita - tem videoclip,
levou pós-produção... Além disso, as pessoas já começam a habituar-se a esse
som... Mas, num futuro próximo, é natural que a "Balada do Encore" ou o "Mustang",
até mesmo o "Paquiderme Magrinho", venham a tomar o seu lugar.
Optar pela língua portuguesa para dar voz às vossas músicas é algo ponderado
racionalmente, ou surge espontaneamente?
De início, a intenção era fazer uma coisa poliglota, temas
para todos os povos. Portanto, não se pode dizer que a opção "português" tenha
sido programada. Acontece que acabámos por concluir que a qualidade das letras
em português era esmagadoramente superior às outras. Foi uma opção e, aos poucos,
o número de temas em português têm vindo a ganhar o seu espaço no
set.
Chegará o dia, penso eu, em que só teremos músicas em português e instrumentais.
Mais a Latina Woman, claro, que é o nosso lado bem-disposto e é em inglês. Rudimentar,
mas é inglês na mesma. [risos] Claro que isto sou só eu a falar, as coisas mudam
e a evolução de Feromona tem sido muito empírica: experimentamos uma coisa;
se resulta, óptimo, se não resulta, refazemos a experiência a partir de outra
perspectiva. Isto, respeitando sempre a intenção fundamental: divertirmo-nos,
criarmos novidade com qualidade e gostarmos mesmo do que andamos a fazer.
Tèm alguma banda portuguesa como referência?
Sim, temos referências. Embora não possamos considerar
"influências". Ornatos Violeta surgem à cabeça, mas não descarto o Jorge Palma
ou os GNR. Talvez, no fundo, tenhamos um pouco de cada um deles, misturado pela
nossa perspectiva. Daí a diversidade.
Qual das duas facetas te agrada mais explorar
em palco: a dita convencional ou a experimental?
No palco, o experimentalismo dá mais gozo, a adrenalina sobe, diverte-me mais,
dá-me mais prazer. Por outro lado, no modo convencional é óptimo quando percebes
que o público está a apreciar aquilo em que andaste a trabalhar durante meses
a fio. É gratificante. Dá-te um prazer menos "radical", é diferente. Mas talvez
seja mais reconfortante. Bom mesmo é aplicar as duas fórmulas. Isso sim, satisfaz
plenamente.
Que diferenças encontraram do NetjazzCafé para
o Santiago Alquimista?
Todas, menos os BIs dos elementos da banda e algumas pessoas do público. No
Netjazz era a estreia de Feromona em palco. E primeira vez só há uma. Os nervos
são maiores que tu, estás ansioso pela reacção das pessoas, suspeitas da tua
própria capacidade para fazer aquilo que sabes que és capaz de fazer. Safámo-nos,
contudo. Até nem correu mal. No Alquimista foi outra coisa. As condições eram
fantástias, o som era muito bom, a sala é lindíssima, o palco é espaçoso...
No Netjazz é um bocadinho apertado. Todas estas condições dão-te uma confiança
muito maior em cima do palco. E isso reflecte-se na interpretação dos temas.
Superas-te, inevitavelmente. Correu tudo na perfeição, sem
gaffes, com
espírito, com segurança, com presença... Foi um bom concerto.

Tocam uma versão de "Happily Divided" dos Sebadoh. Há outra música da
banda de Lou Barlow que gostassem de interpretar?
As versões que temos nasceram de brincadeiras. Quando
estamos a aquecer, nos ensaios, vamos tocando o que costumamos tocar em casa.
Calhou certo dia tocar esta de Sebadoh, gostámos do som, achámos que encaixava
no
set. Ficou. Nunca fizémos uma versão programada. Tentámos, mas não
resulta. Portanto, não está nos nossos planos outra versão de Sebadoh. Mas,
se tivesse que escolher uma, seria o "Forced Love", também do
Bubble & Scrape.
Tocam também uma música que faz parte de uma banda-sonora.
Esclarece-nos.
Isso foi logo no início. Tínhamos começado a ensaiar há duas ou três semanas.
Uma amiga minha estava a fazer uma curta-metragem e convidou-me para compôr
a banda sonora. Aceitei o convite e mandámos-lhe uma maqueta com três temas
(dois deles foram cortesia): "Nave", "Shaka" e "Baton Original". A "Nave" foi
a escolhida. Mas ainda não vi a curta-metragem, não sei como é que ficou o trabalho
final.
Costumam surgir ideias a partir de jam sessions,
ou o vosso método de composição não passa por aí?
O método também passa por aí. Músicas como "Gastrofusão", "Crocodilo" ou "Paquiderme
Magrinho" nasceram e foram inteiramente compostas em estúdio, por todos em simultâneo.
Vários temas surgiram assim.
A composição fica exclusivamente a teu cargo,
ou rege-se pela democracia?
Não é exclusivamente minha. Há coisas compostas por mim,
em casa, que depois são arranjadas e adaptadas em estúdio. É como se eu escrevesse
um argumento e, no estúdio, todos juntos, fizéssemos o guião para o filme, adaptando
a história. Depois existem ainda os filhos da
jam session, de que já
falei na pergunta anterior. Além disso, poderão existir outros sistemas... Mas
nós vamos pela necessidade. Até agora não foi necessário.
Porquê Feromona?
Benzodiazepina era demasiado comprido e difícil de decorar.
Fala-nos um pouco do teledisco "Baton Original". Conceito
e execução.
Conceito é o mesmo de sempre: experimentar. Neste caso, experimentar fazer um
home-movie de Feromona que pudesse vir a ser útil. A execução foi ainda
mais simples. O Cristóvão trouxe uma câmara e duas cassetes. Fomos filmando,
uns bocados cada um, como nos apetecia. Depois o próprio Cristóvão pegou naquele
lixo todo, seleccionou, cortou, colou, limpou... Montou a música e agora parece
mesmo um videoclip.
Acreditas no Benfica de Trapattoni?
Não.
Contaram com um DJ a preencher os intervalos do
vosso espectáculo no Santiago Alquimista. [o grande DJ Arsénio, o nosso enfant
terrible do gira-discos] Portou-se bem?
Sim, não deu muito nas vistas, que era o que se pretendia,
dado que as estrelas éramos nós. As músicas que escolheu tinham nível, enquadraram-se
no espaço e no cariz do evento. Também não dei por pregos nas passagens, por
isso, deve ter estado bem.
Objectivos a curto prazo.
Fazer mais concertos, especialmente em boas salas. Sair
de Lisboa e tocar também em outros centros onde a cena musical esteja animada.
Gravar uma maquete nova, que esta está desactualizada. Mas, para isso, precisamos
de um patrocínio. O Bodyspace é endinheirado?...