bodyspace.net


DJ Ride
Possibilidades infinitas


Com Turntable Fodd chamou-nos a atenção, e agora Beat Journey, com selo Optimus Discos, assegura-nos que este é um dos valores máximos do turntablism e scratch nacional. "Protegido" de Rui Miguel Abreu, DJ Ride tem vindo a conquistar território no hip hop português desde que tudo começou num laboratório das Caldas da Rainha. A possibilidade remota virou possibilidade infinita, e agora DJ Ride colhe os frutos de um percurso em que foi ganhador de prémios mas sobretudo aprendiz das movimentações mais interessantes que o género tem para oferecer. Em entrevista ao Bodyspace, Ride aborda com interesse e dedicação as questões mais importantes da sua existência musical; com a frontalidade habitual e característica do hip hop.
As coisas para ti começaram, ouvi dizer, num laboratório nas Caldas da Rainha. Quais são as possibilidades?

Caldas da Rainha, alem de ser a minha cidade, é um dos sitios mais carismáticos que conheço, e não o digo por causa do artesanato... Mas sim pela quantidade de talentos e mentes criativas que se juntam nesta pequena cidade. Muito por culpa da historia a nível cultural da cidade, e da escola de artes, ESAD, antiga ESTGAD, que durante muito tempo, foi o meu laboratório no que diz respeito a festas e live acts. Tive noites lá, juntamente com o DJ Ovelha Negra/Stereossauro, que superam muitas idas ao estrangeiro em festivais de renome... Continuo a ter o meu Home Studio nas Caldas, mesmo que hoje em dia passe mais tempo em Lisboa. Continua a servir como um refúgio, mantém-me mais focado no que quero fazer/compor/produzir, e de certa forma distancio-me de certos hypes e vícios que existem na grande cidade.

Sei que ganhaste alguns prémios de scratch noutros tempos. Cresceste muito durante esses tempos como DJ? Como era e onde anda a tua competição de então?

Costumo dizer que a parte de DJ veio por acréscimo. Comprei os pratos só para fazer scratch, e para ser Turntablism/produtor, acima de tudo usar o gira discos como um instrumento diferente. Para poder dar o salto, ganhar credibilidade e mostrar a um maior número de pessoas o meu trabalho, entrar em campeonatos era obrigatório. Evolui imenso nessa altura, tecnicamente, e ganhei quatro categorias diferentes, duas do ITF (solo e team), duas também no DMC (Supremacy e Team), e chegamos a ficar em terceiro lugar no mundial, na categoria Show. Na altura fazia mais sentido focar as minhas energias na competição, hoje em dia é totalmente diferente. Acima de tudo, só quero fazer musica e trabalhar nos meus projectos, já não consigo estar um dia inteiro sequer a treinar scratch para campeonatos. Acho que tudo tem o seu tempo. E agora é tempo de fazer música, de evoluir musicalmente e sobretudo de elevar a fasquia a nível de produção.

Para ti o djing é uma desculpa para cruzar os mais diversos estilos musicais? É o que parece com este EP na Optimus Discos…

Djing é uma necessidade, e uma extensão natural do meu trabalho. Não o vejo como uma desculpa para cruzar estilos embora isso aconteça sempre em todos os meus sets. Esse cruzamento vem daquilo que ouço em casa e das influências que absorvo de tudo a minha volta. Nunca me consegui resumir a um só estilo, embora ainda exista quem me catalogue só como hip hop ou scratch/turntablist. Este EP vem reforçar isso, a minha busca por algo diferente e acima de tudo músicas difíceis de encaixar numa etiqueta.

Esperas que este novo lançamento traga uma maior atenção para o teu trabalho?

Sim, o feedback do Beat Journey tem sido incrível... Mas a atenção em Portugal é sempre tão relativa...

O que achas desta acção da Optimus que está de braço dado a música gratuita e livre? Achas que este é um processo inevitável para o qual as majors estão apenas a acordar agora?

Sim, acho que é inevitável encontrarem-se novas soluções para a música hoje em dia. Esta iniciativa da Optimus em conjunto com o Henrique Amaro é um excelente exemplo e tem sido um sucesso, até pelo número de downloads. Se as editoras não se actualizarem aos tempos que correm, acho que o cenário nos próximos tempos pode piorar ainda mais.

Beat Bombers, SUPA, Rocky Marsiano, Rodrigo Amado, Micro Audio Waves, Coldfinger, Slimmy, André Fernandes, CoolHipnoise, etc. O que é que te dá gozo nestas colaborações, que são tão distintas entre si?

Sobretudo aprender coisas novas, estar e trabalhar com pessoas que têm uma abordagem a música totalmente diferente da minha, e evoluir em cada projecto que entro. Tenho-me divertido imenso em todas estas colaborações, tocado em sítios fantásticos que de outra maneira seria quase impossível, e evoluído bastante musicalmente.

Com quem gostarias de trabalhar se fosse só escolher?

Poderia escrever mil e um nomes, mas assim de repente, divas da Soul que toda a gente conhece, algumas das minhas vozes preferidas, Q-tip, Common, MF Doom... e qualquer produtor da Ninja Tune/Warp/BrainFeeder, por ai...

Turntable Food foi o teu disco de estreia. Quantos anos trabalhaste para esse disco e quanto de ti é que lá deixaste?

Houve músicas que já tinham dois anos, outras que foram feitas meses antes do lançamento. Mesmo só focado no Turntable Food devo ter trabalhado cerca de um ano e meio, desde a composição, a gravação e mistura. Sinceramente não estava a espera da reacção que teve (nunca estamos a espera não é verdade…) , até porque era o meu primeiro CD, e ainda tinha muito do meu background jazzy/funk que recebi da tour que fiz com Rocky Marsiano, Rodrigo Amado e André Fernandes. Ter 22 anos e ver o meu primeiro CD nas listas dos melhores lançamentos daquele ano foi brutal. E consegui por lá o toque electrónico que serviu como uma porta aberta para a sonoridade que ando a explorar cada vez mais. Deixei lá tudo o que para mim fazia sentido na altura registar.

Era o disco disco que querias naquela altura?

Sim, Turntable Food tem tudo o que eu quis "dizer" naquela altura.

O Rui Miguel Abreu foi um enorme empurrão para a tua carreira? Sentes que lhe deves muito?

Como qualquer editora para um musico que esteja a começar, a Loop:Recordings teve um papel muito importante na minha carreira, e sem a aposta deles, de certeza que eu não estaria aqui. Devo-lhes muito, e sobretudo ao Rui por, nas minhas primeiras demos que lhe enviei, ter visto alguma coisa para além daqueles beats que na altura eram muito muito crus e algo difíceis de ouvir. Foi ele que me descobriu e me deu forças para fazer mais e melhor. Devo muito também ao Stereossauro, ao Pedro Santos, da LADO B produções, Henrique Amaro, Miguel Silva, Alex Cortez e muitas outras pessoas que têm apoiado o meu trabalho de várias maneiras.

Trabalhas intensamente com a Red Bull. Sei que lançaste inclusive a primeira ferramenta de scratch portuguesa. O que é que nos podes contar acerca disso?

Eu sou um dos colaboradores da Red Bull Music Academy portuguesa, e sound designer do programa Ginga Beat. Ao contrário do que já se disse, não sou patrocinado nem nada do género, somos apenas bons amigos... o 180 GR Scratch Tool (RedBullHomeGroove), foi uma ideia que tive há uns tempos atrás e que decidi apresentar-lhes. Para mim, era um sonho ter o meu próprio vinil de scratch. Decidi fazer um vinil que tivesse notas e escalas musicais, sons de teclados vintage, sons da rua (andei por Lisboa a captar sons da baixa/metro/eléctrico/etc), e instrumentais quer para scratch quer simplesmente para passar num set. Eles gostaram muito da ideia e apoiaram-me desde o inicio. Quisemos fazer um objecto exclusivo, com edição limitada, e preencher uma lacuna nacional neste tipo de edições. Recebemos criticas excelentes, desde produtores locais, até ao Quantic. E fiquei cheio de vontade de fazer um novo Scratch Tool em breve…


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
16/07/2009