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Jolie Holland
Caminhando pelo nevoeiro


Nasceu em Houston, Texas, e em tenra idade mostrava já dotes de gente graúda. Jolie Holland aprendeu a tocar vários instrumentos, correu pelos bosques, cresceu, vagueou por aí com aquela atitude que todos nós reconhecemos e fez parte das Be Good Tanyas após algum tempo à procura de um rumo certo. Mas as Be Good Tanyas não eram o suficiente, e rapidamente se lançou a solo com Catalpa, um disco que aconteceu quase por acaso. Se dúvidas restassem, Escondida, o seu segundo álbum de originais, confirmou Jolie Holland como uma das mais interessantes songwriters do momento. O Bodyspace foi falar com Jolie Holland que, entre outras coisas, nos contou alguns dos mais curiosos episódios da sua existência. Tudo isto enquanto se recupera o secreto passado Americano.
Aos dezasseis anos escreveu a primeira canção. Um ano depois escreveu o primeiro poema. Foram anos prolíficos…

Sim, mas, de certa forma, assustei-me a mim mesma ao escrever essas coisas. Parei de o fazer mal tive a noção daquilo que eu estava a fazer. A falta de apoio ou compreensão de toda a gente que me rodeava congelaram-me, e demorei alguns anos para reunir a motivação suficiente para continuar a trabalhar no vazio. Depois disso comecei a escrever poesia e a escrever canções sem palavras. Aos catorze anos comecei a escrever canções com palavras. Apercebi-me que ser um prodígio podia ser muito isolador.

Tocou piano, viola, violino e guitarra na tua adolescência. O que é que lhe dava mais prazer?

Correr pelos montes, perder-me enquanto andava de bicicleta em nenhures.

Em 1994 decidiu abandonar a ideia de ir para a faculdade. Depois passou algum tempo entre Austin, Texas e New Orleans junto com outros artistas. Parece-me uma forma bastante inspiradora de crescer como artista e de traçar perspectivas. Como é que foram esses dias?

Foram dias muito duros, carregados de ansiedade e pobreza. A maior parte das pessoas não consegue imaginar. Comemos sonhos e espreitamos contentores. Mesmo assim, havia a sensação de se viver numa alcateia, o que pode ser fantástico, e cheio de beleza.

Apesar de todas essas adversidades, co-fundou as Be Good Tanyas. Como é que isso tudo aconteceu?

Tinha sonhado com uma banda e depois encontrei algumas raparigas que me ajudaram a fazer com que se tornasse realidade. Foi tudo muito natural. Trabalhamos mesmo muito e, lentamente, começou a criar-se um burburinho. Havia um sentimento de magia muito forte em redor da concepção das Tanyas.

E como é que foi a experiência?

Aprendemos muito em relação ao que significa trabalhar criativamente umas com as outras. Depois da Frazey Ford entrar na banda (uma terceira escritora de canções) apercebi-me que um projecto colectivo não podia ser a minha banda principal e, por isso, abandonei a banda e comecei a trabalhar na minha presente banda. Sou uma escritora muito prolífica e necessito do meu veículo próprio, o que não quer dizer que não dê valor ao trabalho colectivo. Todos os músicos com quem trabalho são grandes escritores de canções e eu toco em cada uma das suas bandas. Aprecio o sentido de autonomia e cooperação.

Blue Horse foi o seu primeiro trabalho a sério. Conseguiu transportar para o disco toda a experiência e conhecimento que tinha adquirido em todos aqueles anos?

O primeiro disco das Tanyas chama-se Blue Horse e não foi lançado por uma grande editora. O alinhamento original das Be Good Tanyas – Sam Parton, Trish Kline e eu gravamos onze canções em oito horas. Tocar constantemente nas ruas é uma boa educação para as bandas. Não precisamos de uma semana ou mesmo um mês para gravar todas aquelas canções. Isso foi o que aprendemos das nossas viagens. Depois de eu ter abandonado a banda elas lançaram outro álbum chamado Blue Horse que continha algumas canções do álbum original.

Voltando à separação das Be Good Tanyas… Porque é que decidiu abandonar as Be Good Tanyas, ir para Califórnia e criar o seu próprio projecto? Foi devido à necessidade de criar algo totalmente seu? Foi uma decisão difícil?

Era a única coisa que eu podia fazer que fizesse sentido. Não tenho tempo para estar numa atarefada banda colectiva, ao mesmo tempo que trabalho no meu material. A minha presente banda move-se muito mais rapidamente que as Be Good Tanyas. Posso atirar uma canção à minha banda numa noite, e sentir-me confiante ao tocá-la numa audiência esgotada. As Be Good Tanyas têm uma forma muito diferente de trabalhar. Podem demorar meses a introduzir uma nova canção. É claro que existem circunstâncias nas Be Good Tanyas em que não é o caso, mas é justo dizer que a minha banda trabalha de uma forma muito mais improvisadora, que é muito mais próxima do meu coração.

Sente que a sua experiência a solo é realmente muito diferente daquela que tinha com as Be Good Tanyas? Além dessa total liberdade criativa, quais são as maiores diferenças?

Sinto-me confortável a liderar um grupo que seja meu, embora aprecie verdadeiramente estar em bandas de outras pessoas. Fazer ambas as coisas em diferentes projectos ao mesmo tempo faz-me estar mais confortável – gosto muito de estar em último plano, a tocar rabeca ou a fazer harmonias, como no Alabama Chicken do Sean Hayes e no Shooting at the Sun with a Watergun do Dave Dondero. Sinto-me feliz em trabalhar nas margens dos discos das Be Good Tanyas. Elas convidaram-me para trabalhar no próximo disco delas……


O primeiro disco a solo, Catalpa tem uma história bastante peculiar. O que é que nos pode contar sobre isso?

O meu vizinho e colaborador Chris Arnold compilou-o a partir de gravações de quarto. Acabou por ser o meu disco de estreia a solo. É como uma barata – é uma das mais básicas formas de música, logo tem uma incrível mobilidade e durabilidade.

A reacção do público a Catalpa foi muito boa. Estava à espera de tanto sucesso?

As pessoas foram sempre de certa forma loucas pelo disco – pela altura em que havia aí umas quarenta cópias de Catalpa no total, em todo o mundo, um tipo que eu conheço que é editor de uma revista ofereceu-me 25.000 dólares pelos direitos dele. Era empregada de bar na altura mas não pestanejei sequer para lhe dizer que não. Alguns meses depois deixei de ser empregada para vender o disco através do meu website. Entrou para o Top 10 em duas das maiores estações de rádio independentes do país. Acho que fiz mais dinheiro como empregada mas a minha auto estima está melhor agora. Não tenho de servir o pequeno-almoço a sovinas. Agora, a minha forma de arranjar dinheiro é pedi-lo emprestado aos meus amigos e falar-lhes de uns cheques enormes que um dia vão, supostamente, chegar. Acho que o verdadeiro poder de Catalpa é que as canções têm o meu sangue, suor e lágrimas. Nunca encurtei nas canções, para que mesmo que as apresentasse em farrapos, o espírito pudesse passar. Acho que as pessoas estão sempre esfomeadas por honestidade, e o sangue que se pode ver em Catalpa é mesmo real.

A canção “Wandering Angus†incluída em Catalpa é um poema de Yeats. Porquê Yeats?

O meu amigo e guitarrista Brian Miller escreveu essa canção o poema de Yeats. O Brian tem um disco inteiro de canções para poemas de Yeats chamado “Yeats is Greatsâ€. Como eu disse, eu trabalho com grandes escritores de canções. www.sfhomespun.com, o site do Chris Arnold, é um bom sitio para se poder ver o trabalho dos escritores de canções com quem trabalho. A banda do Brian chama-se The Speakers.

Quais são as suas influências literárias? Como é que escreve as canções? Onde encontra a inspiração para o fazer?

Gosto de tudo o que seja bom. O meu mais recente escritor favorito é Bulgakov. Estou impressionada com Nabokov mas gostava que ele fosse menos depressivo. Também gosto muito de Zora Neale Hurston e Isabelle Eberhardt. Boa escrita é inspirador. Adoro o poder literário das canções de Will Oldham, Willie Nelson, Mississipi Fred MacDowel, Blind Willie McTell e Freakwater. Gosto de elevar a fasquia ao máximo.

Escondida, o seu segundo álbum, está disponível nas lojas desde Abril. O que é que mudou desde Catalpa?

Nada, mesmo. Novo elenco de amores, tragédias e glórias sobre as quais escrever. Todas as canções dos dois discos são, na verdade, do mesmo período de tempo. É por isso que lhes dei nomes vagamente similares. Escondida tem canções mais novas e mais velhas que Catalpa - “Sascha†e “Poor Girl†são dos anos noventa (“Tiny Idyl†é de 1981) e o resto são novas. Catalpa contem a folk mais “falsa†e Escondida carrega mais a inspiração jazz e/ou as canções weirdo-psychadelic-folk-rock. O próximo disco terá mais da minha Velvet-Undergroundish-art-freak-rock-music, assim como a habitual mistura que existe como base do meu próprio som, o que quer isso seja.

Porquê Escondida? Sabe que é a palavra portuguesa para “Hidden�

Essa é a alcunha do meu tio que adoptei para mim. Ele é um grande poeta, Bruce Axelrod. Um dos seus nom du plumes é “The Invisible Rabbiâ€. Pus-lhe a alcunha de Rabbi Escondido (falo mal esopanhol porque a) Sou de Texas e b) os meus primos são de ascendência argentina) e depois de nos termos adoptados um ao outro, ele começou a chamar-me a sua “Neice Escondidaâ€. Orgulho-me em ser uma das Escondidas. É uma boa família que tem existido nas nossas mentes há cerca de um ano e meio.

Já aprendeu a tocar trompete?

Não. É muito difícil aprender a tocar alguma coisa do inicio enquanto adulto. Além disso, já tenho muita sorte em poder tocar com alguns dos melhores trompetistas do mundo – Ara Anderson e Jon Birdsong.

Mesmo assim, vai voltar a tossir numa canção?

Tusso sempre quando canto, mas geralmente tento faze-lo longe do microfone. Como disse mais atrás, nem sequer compilei Catalpa - se o tivesse feito talvez fosse um disco sem tosse. Podemos culpar o Chris Arnold.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
05/06/2004