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Tenniscoats
Milagres & fantasias de quarto


Até ver, o duo japonês Tenniscoats ainda é um daqueles pequenos grandes segredos que vai colhendo simpatia aqui e ali, referências dispersas em listas de melhores discos do ano, mas que, mesmo assim, vai deixando escapar um reconhecimento firme que por esta altura já era merecido no Ocidente. A culpa talvez seja daquela noção invisível que dita como menores grande parte dos discos dedicados a uma pop de quarto – secreta e intimista - que teima em nunca ambicionar mais do que aquilo que dela se espera. Alheio a tudo isso, o casal formado por Saya e Ueno Takashi continua a produzir fabulosas canções melódicas e melancólicas (sem serem derrotistas) que formam álbuns que muito facilmente encontrariam o seu lugar num estojo reservado à melhor bedroom pop chegada do Japão (que é nação experiente nesse ramo). Em lugar também destacado, We Are Everyone é tão somente uma daquelas horas de música que demonstra exactamente como um álbum pode ser também um laboratório de amor onde se ensaiam as químicas do shoegaze e outros sonambulismos do rock. Tan-Tan Therapy e Totemo Aimasho, mais recentemente, provaram que as coisas permaneceriam em alto patamar, com o bónus dos seus autores nunca se repetirem. O Bodyspace conheceu a sorte de falar com Saya e Ueno acerca do passado, presente e futuro dos Tenniscoats.
Ao lançarem o Tan-Tan Therapy e Totemo Aimasho separados por tão curto espaço de tempo, ficaram entusiasmados com a perspectiva de que as pessoas escutariam os vossos diferentes aspectos em pouco tempo ou de alguma forma receosos que um dos álbuns eclipsasse o outro?

Saya: As diferentes facetas dos Tenniscoats surgem por estímulo de outras influências. Achamos que devemos tocar música a um ritmo natural e aceitando a sorte e inspiração que nos toca a cada vez. Como resultado disso, os discos nascem e cada um deles tem o carácter de uma criança. Isso deixa-nos felizes.

Ueno: Se pensares nos primeiros anos dos Beatles ou Rolling Stones, os nossos discos não são assim tantos.

Algumas das músicas incluídas no Tan-Tan Therapy parecem absorver aquela essência da bossa-nova própria das melhores manhãs solarengas de Domingo e da alegria do Carnaval. Podiam falar um pouco dos vossos discos favoritos de bossa-nova e de como esses provavelmente vos inspiram?

Ueno: Sim, eu amo a bossa-nova. Os meus intérpretes favoritos são João Gilberto e Astrud Gilberto. De facto, nem consigo explicar bem porque fico impressionado a cada vez que oiço “Chega de Saudade” de João Gilberto. Não existem palavras que o possam descrever. É simplesmente um milagre.

Saya: Na verdade, tenho de aprender muito mais bossa-nova! Embora seja um estilo muito complexo, que implica o domínio de técnicas especiais, soa sempre suave, meigo e paradoxalmente selvagem também. É natural esse fascínio que mantemos pela bossa-nova.

O que podem já adiantar em relação ao material recente gravado já este ano?

Saya: Gravámos com os Pastels que respeitamos desde há muito. Tem evoluído a bom ritmo e encontra-se perto de estar finalizado. Neste disco, os Pastels e os Tenniscoats tocam juntos nas canções de cada uma das bandas. Estamos muito empolgados com isso!

E, em Agosto, o disco Tenniscoats and Secai será lançado pela japonesa Noble. Nesta colaboração, compusemos juntos e desde a raíz algumas canções. Foi uma experiência fantástica. Secai é um grupo de dois tipos de Tóquio: Daisuke Namiki e Takeshi Hiruma. Dedicam-se habitualmente a música obscura e cheia de beats.

Como decorreram as coisas com os Pastels? Podes avançar com outros detalhes sobre esse próximo disco?

Saya: No passado mês de Abril fui até Glasgow para misturar o disco com os Pastels. O Ueno juntou-se a nós por e-mail. Grande parte das misturas ficaram concluídas nesses dias – por isso, imagino que a masterização e o lançamento esteja para breve.

Considerando que lançaram um disco de Tenniscoats pela Room 40 e atendendo a que o teu próximo disco a solo – Sui-gin - será também editado por essa label, eras capaz de contar como conheceste o Lawrence English (patrão da Room 40)? Ele sempre foi encorajador?

Ueno: Conhecemos o John Chantler em Tóquio e ele, além de manter o projecto Four Barry Ray, faz também parte da Room 40. A primeira coisa que ele fez, quando veio até nossa casa, foi gravar o som enquanto dos alhos que eu cozinhava. Foi um encontro interessante! E depois o John apresentou-nos ao Lawrence English, e eu fiquei a pensar que o Lawrence gostava do som dos alhos. Talvez gostasse também da nossa música… Acho que o Lawrence não se importa com categorias ou estilos, ou significados muito profundos. Ele é justo e bondoso para todo o tipo de sons. E isso torna tudo muito mais divertido!

Quem, além de ti e da Satomi (de Deerhoof), esteve envolvido na gravação do disco de estreia de One One? Contaram com a ajuda de alguns engenheiros de som nos aspectos técnicos do disco?

Saya: One One sou eu e a Satomi: um mais um! E às vezes os nossos amigos juntam-se a nós para tocar brilhantemente em partes especiais. O Greg de Deerhoof foi um árduo trabalhador enquanto engenheiro de som. Fez isso com que pudéssemos compor e gravar tudo em apenas um mês!

Foi divertida a oportunidade de colaborar com a Satomi? Como se deram enquanto desenvolviam o disco?

Saya: Eu acho que a Satomi e eu partilhamos de algumas características, que eu não sei nomear especificamente. Talvez o modo de pensar, as vozes. Foi, por isso, muito divertido estar com ela e debater ideias. Para mim, a opinião da Satomi é sempre muito justa e inspiradora. Foi muito natural e rápida a conclusão dos arranjos e partes em que tocávamos juntas.

A partir de que altura é que começaste a reunir o material que haveria de formar o Sui-gin? Que factores levaram a que se tornasse um disco diferente dos outros?

Ueno: Comecei por fazer sons com a guitarra acústica e com um sintetizador Moog. Esses foram instrumentos essenciais. A combinação de ambos gerou uns quantos clicks e beats e abriu-me as portas de um novo mundo para a guitarra. Tentei explorar essa combinação, e tudo isso proporcionou-me um enorme gozo.

Até que ponto o Sui-gin te parece diferente do Two Things Always Happen Simultaneously? A sua concepção foi mais descontraída ou exigente?

Ueno: Ambos foram descontraídos e, ao mesmo tempo, exigentes para mim. E ambos me trouxeram sentimentos de profunda alegria. Quando gravei o Two Things Always Happen Simultaneously, começava o dia bem cedo a tocar madeiras.

Eu tentaria normalmente evitar esta questão, mas gostava saber que aspectos da cultura japonesa vos inspiram a fazer música?

Ueno: Eu sempre amei a música japonesa underground, que merece geralmente esse nome, embora eu devesse evitá-lo, porque, aos meus ouvidos, parece enorme e estandardizada.

Em que outras colaborações se envolveram além daquelas que já foram faladas nas questões anteriores?

Saya: Em Maio passado, lançámos um novo disco,Moere /Saya, Ueno, Tetsuya Umeda, Ikuro Takahashi, na nossa label Majikick. É uma gravação instrumental ao vivo. Gravámo-la em Sapporo no norte do Japão.

Como se procedeu a tua actuação a solo em Londres no dia 13 de Abril?

Saya: Eu toquei no Café Oto e era o John Chantler que estava a organizar. Foi a estreia do Oto. Eu estava nervosa e o pessoal da casa e organização também. Lembro-me muito bem da atmosfera. Foi fantástico.

Que bandas mais vos impressionaram ultimamente ao organizarem concertos e ao tocarem um pouco por toda a parte?

Saya: Vivi uma experiência especial com uma exposição de Tetsuya Umeda em Março passado. Sucedeu-se durante três dias numa Escola Primária que entretanto fechou por falta de crianças. Ele decorou as várias divisões com aparelhagens de som, balões, bambus, colunas, cordas, ventoinhas. Não só nas divisões normais, como nos corredores, jardim, escadas e casas-de-banho. Toquei com ele e estive toda a noite com os presentes nessa actuação.

Ueno: A banda que mais me influenciou foi Maher Shalal Hash Baz. E recentemente tenho gostado também de escutar Eddie Macron (de Himeji, no Japão). E And Gonzo Murakami, Tetsuya Umeda, Popo, Hose, Yumbo, My pal foot foot. No Japão existe uma quantidade enorme de artistas, músicos, organizadores e lojas de discos. Não os consigo nomear a todos numa resposta. Tens de vir até cá!


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
21/07/2008