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David Maranha
Explorador sonoro


Depois de as águas terem acalmado, quisemos ir ao encontro daquele que assinou um dos discos portugueses mais bem falados de 2007. David Maranha assinou Marches of the New World e deu-se bem com isso. É visto como um dos exploradores sonoros portugueses mais prementes da actualidade, depois de uma actividade bem significativa nos Osso Exótico, um dos segredos bem guardados do experimentalismo português. David Maranha gosta de falar sobre a sua música - nota-se; vê-se-lhe gosto quando tenta pensar no seu trabalho. Em entrevista colhida em contra-tempo (no sentido mais positivo de falar sobre algo que já passou há algum tempo), David Maranha lança um olhar num passado não tão passado. Marches of the New World é o tema da conversa mas até deu para vislumbrar o futuro.
Agora que a poeira assentou, o teu disco foi muito bem recebido numa série de publicações nacionais e internacionais. Foi considerado um dos melhores discos do ano pelo Ípsilon. Surpreendeu-te de alguma forma o alcance de Marches of the New World?

Estive a ouvir o disco recentemente e confesso que continuo satisfeito com ele. Isso para mim acaba por ser o mais importante. Não seria muito reconfortante ver as pessoas a gostarem muito de uma coisa que eu considerasse menor. Posto isto o CD acabou por não se distribuir da melhor forma fora de Portugal. Isso não foi muito positivo em termos de vendas, uma vez que geralmente a maior parte dos discos que edito se vende quase na totalidade no resto da Europa, nos Estados Unidos e no Japão. O que me surpreendeu desta vez foi o facto de o álbum ter suscitado mais interesse por cá. Isso é novo. Existe mais motivação quando sentes que existe algum interesse pelo teu trabalho.

Em vez de um disco solitário optaste por um disco partilhado com uma série de músicos. Quais são as diferentes do processo que culminou neste disco quando comparado com o teu trabalho nos Osso Exótico?

O som que eu pretendia era o de um grupo, com uma secção rítmica de baixo, bateria e percussão e uma massa sonora de órgão, violino e violoncelo a funcionar em contínuo. Tentar fazer isto sozinho em overdub não me pareceu o mais correcto. Gosto de tocar com outras pessoas e tive a sorte de trabalhar com músicos que fizeram o trabalho de certeza melhor do que eu faria sozinho. Quanto aos Osso Exótico não temos propriamente um método e também não estamos interessados em criá-lo, mas é também trabalho partilhado, por mim, pelo André e pela Patrícia.

Suponho que a improvisação desempenhe um papel muito activo nas tuas criações. Quando percebes que determinada exploração é editável, pode passar para um disco?

Recentemente não tenho trabalhado com partituras. Não quer isto dizer que ande para ai a improvisar. Quando penso numa coisa nova a primeira coisa que imagino são os timbres e os instrumentos que quero utilizar. Logo a seguir concentro-me na estrutura. Gosto de perder algum tempo nestas actividades e não deixar qualquer espaço para improvisações. Dito isto não gosto de fechar as peças a 100% deixando se possível algum espaço para a interpretação.

Como é que existe este disco ao vivo? Sei que fizeste a estreia da apresentação da versão em banda completa do Marches of the New World na Casa da Música…

Infelizmente não pude contar com o Helena Espvall no violoncelo pois o orçamento disponibilizado pela Casa da Música não contemplava pagar viagens dos States para cá. Optei por dividir o Tiago Miranda que no álbum se ocupou das percussões, entre estas e o Hammond de modo a criar outra linha melódica que substituísse o violoncelo original. Pareceu-me que funcionou bem e vamos ter a oportunidade de repetir a dose no Barreiro no Out Fest 2008 no dia 16 de Maio, desta vez com o Bernardo Devlin no órgão e percussões.

Tanto quanto sei dedicas parte do teu tempo a reunir instrumentos menos comuns. Isso é parte essencial na descoberta de novos caminhos para a tua música?

Alguns, mas nada de especial. Tenho alguma dificuldade em manter algum empenho num determinado instrumento por um período longo de tempo. Em 2006 estava bastante empenhado no dobro, um instrumento incrível mas que analisando à posteriori nunca se adaptou ao meu trabalho. Desde 2007 tenho andado virado para o órgão eléctrico que me parece o instrumento onde consigo facilmente por em prática muitas das ideias mais recorrentes. Penso que encontrei um instrumento a longo prazo pois apesar de um ano e meio a praticar diariamente e com vários trabalhos gravados entretanto, continuo a ter ideias para novos projectos, e o mais importante, ainda consigo gostar de tocar o Hammond.

Fazes também parte dos Curia com o Manuel Mota, Margarida Garcia e Afonso Simões. Em que ponto está essa frente neste momento?

Continuo bastante entusiasmado. Estamos a preparar alguns concertos e a pensar em novas edições. Gostava de pensar que daqui a muitos anos ainda estaríamos a tocar. Vamos lá a ver se ninguém emigra...

E os Organ Eye? Acreditas que a multiplicação em diversos projectos potencia a exploração de novos territórios só por si?

No caso em concreto da musica do Torben e da Jasmine, não tenho quaisquer dúvidas que esta colaboração nos levou por caminhos que dificilmente faria sozinho. Apesar de estruturalmente achar que temos muito em comum eles usam instrumentos electrónicos, geralmente samplers, eu geralmente estou mais inclinado para instrumentos de tradição clássica ou eléctricos. Gostava de voltar a trabalhar com eles.

Como é que foi o concerto com o Charlemagne Palestine e a Colleen. Presumo que tenha sido uma noite especial…

É um local de facto único. Parece-me que funcionou bastante bem por se tratarem de peças e instrumentos diferentes mas que no conjunto resultaram bastante bem. Adoro a música do Charlemagne Palestine e este trabalho para órgão de igreja muito em particular. Pareceu-me logo que podia ser um grande concerto, como se veio a concretizar. Optei por tocar órgão eléctrico em vez de tocar no órgão da Sé, apesar de já o conhecer (gravámos um disco dos osso exótico com ele), pois pareceu-me que funcionaria melhor no contexto dos outros concertos.

Tens trabalhado em novo material a solo? Podemos esperar um novo lançamento para breve?

Creio que em 2007 abusei um bocado em número de trabalhos editados. Vinha de um período de 3 anos à espera da finalização de um CD meio encalhado, gráficos da capa, masterizações e sobretudo falta de tempo do editor que resultaram num processo que, também por minha culpa me distraiu do trabalho da musica. A partir de 2006 comecei a ter mais convites para concertos e com eles surgiram também várias colaborações. Foi por alguma coincidência que todos estes trabalhos acabaram por ser editados em 2007, numa situação que não é muito vantajosa para as editoras que querem vender os discos pois houve mais do que uma situação em que as criticas de dois álbuns de editoras diferentes acabaram por sair coladas, o que parece não ser bom em termos de promoção (dizem-me...). Por agora descanso e faço descansar as pessoas pois já era uma vergonha estar sempre a dar discos aos amigos. Entanto estou com algumas ideias que gostava de começar a gravar. Talvez para o mês.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
14/05/2008