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X-Wife
O Rock veste-se de amarelo e preto


Em 2003, o EP Rockin' Rio, deu o mote para aquilo que viria a acontecer e a partir daí o nome X-Wife começou a andar de boca em boca. Os primeiros concertos, os flyers, os badges, o estilo. Nos X-Wife nada parece acontecer por acaso. Agora, em 2004, surge o primeiro disco da banda portuense de João Vieira, Fernando Sousa e Rui Maia. Feeding The Machine é para a menina da foz, para o beto, para a freak, para o punk e para quem se quiser divertir. O Bodyspace esteve mais de duas horas e meia à conversa com João ‘Kitten’ Vieira que nos falou sobre o passado dos X-wife, mas acima de tudo sobre o futuro que parece reservar a internacionalização e álbum novo para breve. Há que alimentar a máquina.
As coisas para os X-Wife aconteceram muito depressa. O sucesso do single, os concertos, e o álbum de estreia. De que forma é que tudo nasceu?

Nasceu de forma muito simples. Acho que o facto de já tocarmos em bandas há muitos anos ajudou. Houve uma química muito forte entre os três que permitiu que começássemos a escrever músicas bastante rápido e de forma muito natural. As músicas começaram a sair muito rapidamente e soaram-nos bem. Começámos a fazer um reportório para tocar ao vivo e passados quatro meses demos o nosso primeiro concerto. Achámos que era uma oportunidade a aproveitar, o facto de estarmos os três bastante satisfeitos com o trabalho que estávamos a produzir e, mais importante ainda, estarmos a gostar de o fazer com entusiasmo. Acho que a palavra-chave para responder à tua pergunta é "entusiasmo". Sem isso nada teria acontecido. Pelo menos não tão rapidamente.

E achas possível dissociar deste sucesso instantâneo dos X-Wife a existência do Club Kitten?

É evidente que não. Muito do público que assistiu aos primeiros concertos era o mesmo público que ia ao Club. Isso é natural, as coisas estão associadas. Se tu gostas da música que um DJ passa tens alguma curiosidade em ver a banda desse DJ. É tudo música, uma sou eu que passo, outra é a música que nós fazemos. Uma coisa é verdade, os X-Wife nunca tocaram numa noite Club Kitten. E a meu ver encaixavam perfeitamente. Mas eu não gosto de misturar as coisas. Pode haver gente que goste dos X-Wife e não goste de mim como DJ e vice-versa. Por isso separo as coisas. Quando os X-Wife começaram já a minha cena de DJ era conhecida. Mas eu sempre quis que os X-Wife crescessem por mérito próprio. Por isso é que enquanto como DJ passava musica para mil pessoas e os X-Wife tocavam para cem. Agora se as pessoas anunciavam a banda como a banda do DJ Kitten, isso é perfeitamente natural.

Os 2 Many DJ's estiveram associados aos Soulwax e vice-versa. É normal e não me surpreende a mim nem aos dois outros elementos da banda...

E a ti, pessoalmente, o que te dá mais gozo? O Club Kitten ou os X-Wife? Ou são coisas tão distintas que não podem sequer ser comparadas?

São distintas, mas se me deres a escolher, escolho os X-Wife. O Club Kitten começou por ser uma coisa para curtir que mais tarde muita gente começou a levar demasiado a sério. Eu gosto do que faço e dá-me imenso gozo.
Mas os X-Wife somos nós que estamos a criar algo de raíz e isso é uma sensação única. Gosto de fazer as duas coisas e uma coisa não tira a outra... Acho que há espaço para tudo.

Em relação à imagem dos X-Wife… Dão muita importância ao look, à aparência. Dos badges aos flyers, esse aspecto foi essencial para a criação da do culto que está por detrás da banda. O que é que tentam evocar?

Nós somos como somos, nada foi planeado, nada foi mudado depois de começarmos a tocar juntos. Não há regras para cortes de cabelos nem t-shirts justas, nem nada dessas coisas. Continuamos iguais ao que éramos. A imagem gráfica da banda já é outra coisa. Isso foi planeado. O facto de ser designer gráfico também ajudou pois tens sempre um cuidado especial em relação ao aspecto gráfico das coisas.
Quisemos fazer uma onda muito simples. Usar duas cores, o preto e o amarelo para tudo o que fizéssemos (flyers, badges, capas de CD, vídeo, cartazes, etc…).
É um bocado inspirado no espírito punk de 1977. O flyer fotocópia a preto e branco, as capas dos discos a duas cores... É algo com que nos identificamos e gostamos...

Por falar em inspirações, fala-se muito das semelhanças da vossa música com a dos Rapture. Numa das fotos dos X-Wife, podem-se ver discos dos Gang of Four, Talking Heads, Jesus and Mary Chain, David Bowie, Lou Reed ou os B-52's. Como é que se formou o som dos X-Wife?

Nada foi estudado. Limitámo-nos a usar os instrumentos que tínhamos na altura e tentar fazer o máximo de barulho possível. Como não tínhamos baterista usámos uma drum machine que o Rui tinha. Eu comecei a tocar guitarra (antigamente era só vocalista), o Fernando começou a tocar baixo (ele é guitarrista) e o Rui (baterista noutras bandas) começou a tocar teclados e a programar a drum machine. Trocamos todos de instrumentos e depois as influências estão na tua cabeça. Algumas são mais visíveis, outras menos. Nunca foi nada propositado. É impossível fugires ao que andaste a ouvir durante anos e do que andas a ouvir na altura. Todas as bandas têm isso. Já ninguém cria nada de novo, é tudo reciclado. Os discos são simplesmente bandas/artistas que são e foram importantes para nós e que de certa forma nos marcaram. Nós somos os três malucos por discos, passamos horas em lojas de discos e desde putos que gastamos a nossa mesada em discos. Daí um dos motivos de nos darmos tão bem... passamos horas a falar deste ou daquele disco...

Quer dizer então que, para vocês, ser melómano, é uma ocupação a tempo inteiro?

Acho que sim. Nós somos os três apaixonados pela música e tudo em redor... Vivemos muito à volta de tudo isso. Os concertos que vimos em putos de bandas de quem éramos fãs, como os Jesus and Mary Chain, Bowie, Iggy Pop e outros, marcaram-nos muito e deram-nos vontade de fazer música. Acho que o nosso sonho não está muito longe daquilo que nós idealizamos... só falta mesmo a internacionalização...

Mas, e voltando ao “episódio” Rapture, é realmente uma situação curiosa, até porque disseste nunca ter ouvido o disco… Suponho que já o tenhas feito.

Quando começámos, não. Foi passados quatro ou cinco meses depois de termos começado a ensaiar que ouvi pela primeira vez o "House of Jealous Lovers" e tenho que admitir que achei estranhíssimo termos uma voz tão parecida. Eu tenho o álbum. Acho que a parte musical é bastante diferente, a grande semelhança é a voz, mas não em todos os temas. Há um ou outro em que são mais parecidas.

Como é que decorreram as gravações de Feeding the Machine? Como surgiu o conceito do álbum, o rumo a seguir?

Não houve grande conceito. Tínhamos onze músicas com as quais estávamos mesmo satisfeitos e queríamos gravá-las, queríamos que ficassem registadas num primeiro álbum, para depois começarmos a trabalhar do zero no próximo álbum. O álbum foi produzido por nós. Não quisemos embelezar muito as coisas. Era chegar lá e gravar os temas ao vivo (menos a voz) com entusiasmo, força e garra. Era isso que queríamos mais do que tudo. Que o álbum tivesse muita força e energia.

O disco foi gravado e masterizado em Londres. A vida londrina teve alguma influência na forma como as coisas correram?

Claro que sim. Estive lá durante seis anos, toquei em bandas, dei concertos, fiz o Club Kitten com dois amigos meus, vi mais de trezentas bandas, fui a quinhentas festas, conheci imensa gente que me influenciou e que me inspirou para depois fazer tudo o que faço hoje, seja o Club Kitten, sejam os X-Wife, seja no design gráfico. Foram os melhores anos da minha vida e aprendi mais nesses seis anos do que durante toda a minha adolescência em Portugal. É claro que a nossa música há-de ter influências londrinas… é inevitável. Fez parte da minha vida, não foram umas férias.

E estão satisfeitos com o resultado final? Era esse o resultado que idealizavam para o primeiro disco dos X-Wife?

Acho que sim. Agora mudávamos algumas coisas, mas as coisas não devem ser assim. O álbum marcou uma altura no crescimento da banda e agora que está feito, temos é que andar para a frente e trabalhar no segundo. Mas gostamos da forma como foi gravado. De certa forma acho que é um álbum honesto e humilde... tal como um primeiro álbum deve ser. Quer dizer, esta é a opinião dos três. O próximo vai ser diferente…

Já estão a pensar no próximo disco?

Claro… já escrevemos mais de um terço do disco.

Imagino, então, que o processo de criação seja bastante rápido e natural para vocês...

É como tudo. Há semanas em que saem duas ou três músicas, há meses em que não sai nada. Outra vez, se estivermos entusiasmados as coisas surgem mais rapidamente. Mas nós trabalhamos bastante e somos muito determinados. Perdemos pouco tempo. Se há uma música que achamos não estar ao nível das outras vai logo para o lixo.

E essa inspiração, esse entusiasmo surge de onde?

Isso é segredo … [risos] … posso dizer-te que não vem de substâncias ilegais, nem álcool, nem tabaco. Acho que é a excitação de ir ensaiar e dar concertos. Cria-se um entusiasmo e vontade de trabalhar e fazer mais e enquanto houver isso as coisas funcionam, quando começar a ser uma seca ir ensaiar então isso já começa a ser pior. Para já ainda não sentimos isso..

Como é que surgiu o título do álbum? Acham que representa, de alguma forma, a sensação dominante do álbum?

O título do álbum surgiu em conversa com uma amiga minha (Vicky) que acabaria por fazer o nosso vídeo "Rockin' Rio". Foi em Londres, num coffee shop. Estávamos a ter uma conversa sobre a necessidade de se fazer coisas e criar coisas e fugir um bocado ao emprego das nove às cinco. Em conversa, ela disse que "you've got to feed the machine", e aquilo soou-me bem. Basicamente quer dizer que tens que fazer coisas que te satisfaçam pessoalmente e te dêem gozo. Não podes passar toda a vida a fazer algo que achas uma perda de tempo. É preciso alimentar a máquina para ela continuar a funcionar. A máquina é o cérebro. Tens que o manter activo...

E achas que alguma vez conseguirias levar essa mesma vida, a vida do emprego das nove às cinco, ou achas que só poderias fazer aquilo que fazes? Com ou sem substâncias ilícitas...

Não, não quero essa vida para mim. Já a tive vários anos e não gostei. Enquanto puder vou aproveitar a vida que tenho a fazer aquilo que gosto. Se tiver que, no futuro, voltar a essa vida, paciência. Mas tenho feito tudo por tudo para fugir a isso...

Terás sempre o design que, pelo que vejo, é outra das tuas paixões...

Sim, mas a trabalhar por conta própria, porque trabalhar para os outros acaba sempre por ser um pesadelo. Nem sempre o trabalho que fazes é aquele que te agrada... mas é o que agrada ao patrão...

Há quem diga que tu és bom porque mostraste quem eram os Clash às meninas da Foz. O que achas disso?

[risos] ... Sei lá, acho piada. Acho fixe dizerem isso.

Voltando aos X-Wife, é fácil transportar as canções de Feeding the Machine para o formato live? Como é que é tocar ao vivo para vocês?

É igual ao disco… nós tocamos igualzinho. Não há segundas vozes no disco, não há teclados extra. Todo o material utilizado é o nosso e levamo-lo para todos os concertos. Gravámos o álbum de forma a que o conseguíssemos tocar ao vivo, exactamente como soava nos ensaios.


Nos últimos dois ou três anos tem-se feito sentir um movimento revivalista no rock. Uns acham que este revivalismo é contrário à originalidade, outros pensam que não tem mal nenhum um pouco de nostalgia. Como é que vocês se posicionam? Conferem valor a este novo movimento?

Sinceramente não penso muito nisso. Prefiro o revivalismo do rock de bandas como os Velvet Underground, os Television e os Stooges àquelas bandas dos finais dos anos noventa que gravavam discos com altos custos de produção, com grandes orquestras a gravar música de merda. O rock nunca há-de morrer, existe há mais de 50 anos e há-de continuar para sempre... Como eu toda a vida ouvi rock, nunca senti esse sentimento de nostalgia em relação ao rock...

E quais são as bandas a que atribuis mais valor, nesse movimento? Quais são as bandas que mais ouves? Pelo que sei, os Interpol são uma delas...
Sim, eu adoro o álbum dos Interpol. Também gosto muito do EP dos Yeah Yeah Yeahs, o primeiro álbum dos Strokes, Von Bondies e dos Liars. Ah, e os Pink Grease.

Porra, pensava que era só eu que achava a “Say hello to the angels” dos Interpol quase um rip off dos Smiths. Reparei, noutro dia, que não sou o único.

“This charming man”.

Já ouviste os novos discos dos Strokes e dos Liars? o que é que achas?

Desiludiram-me... sinceramente perdi a vontade de ouvir o álbum dos Strokes uma semana depois de o ter comprado. Perdi o interesse sem sequer dar muita atenção a isso... O dos Liars… eu gosto muito do primeiro álbum e apesar de tudo admiro-os muito por terem feito algo muito diferente do primeiro. Acho que foram corajosos e não se preocuparam minimamente com o que as pessoas iriam pensar. Para mim isso é um acto de coragem e genuinidade. Por isso têm todo o meu respeito.

Achas que esse mesmo revivalismo se tem feito sentir em Portugal, ou ainda não se alastrou o suficiente para ser notado?

Acho que a única banda neste momento que pode fazer parte desse chamado "revivalismo" são os Loosers. E talvez nós, mas não me cabe a mim julgar isso...

Era precisamente dos Loosers que ia falar agora. Deram alguns concertos com eles há uns tempos. Vi-os pela primeira vez ao vivo há dias. São bastante enérgicos...

São uma das minhas bandas preferidas portuguesas. Gosto mesmo, não estou a dar graxa… Por isso é que os convidei para tocar no Club Kitten … foram a única banda portuguesa que lá tocou... o concerto foi poderoso...

E de quem mais é que gostas na música portuguesa?

Não me faças essas perguntas pois posso ficar mal...

Muito se fala na crise da música portuguesa, mas os X-Wife não parecem reflectir essa mesma imagem de crise. O que é que pensam sobre o assunto?

Isso é uma pergunta para eu estar a responder horas, mas vou tentar ser o mais breve possível.

Tens todo o tempo do mundo...

Nós também fazemos parte da crise. Temos apoios das rádios, jornais. Temos contrato discográfico, damos concertos, etc... Mas a verdade é que nunca havemos de viver à custa da música em Portugal. Essa é que é a verdadeira crise. Uma banda assinada é capa de revistas e jornais…
Precisares de conjugar um emprego das nove às sete para conseguires sobreviver é bastante complicado. Sei de bandas que só passados dez anos (desde o primeiro álbum editado) é que começaram a ter um "salário" normal à custa da música. A música em Portugal acaba por ser encarada como um hobby para muita gente pois sabem que nunca poderão fazer carreira disso. É evidente que há excepções mas podem-se contar pelos dedos. É mesmo difícil. Daí talvez a desmotivação para muita gente em Portugal considerar a carreira de músico como uma actividade profissional aliciante e com futuro. Não há uma entrega total por parte de muitas bandas porque se calhar não acreditam... Não sei, posso estar errado mas esta é uma das causas, a meu ver... Outra causa, é que talvez o produto não seja suficientemente bom para competir contra outras bandas/artistas estrangeiros... Acredita, isto é uma pergunta para horas e horas...

Então e, na tua opinião, a solução está nas mãos de quem?

Nas mãos de quem quer fazer, de quem acredita. Olha o exemplo dos Parkinsons. Mandaram-se para Londres, foram trabalhar para umas lojas de roupa de segunda mão, começaram a dar uns concertos, arranjaram um contrato, editaram um disco, apareceram em tudo o que era jornal de música e revistas tipo Face, I-d's, Sleaze Nation. Acreditaram e mandaram-se daqui para fora…

A propósito disso, disseste algures que Portugal é demasiado pequeno para qualquer banda. Vão apostar seriamente na internacionalização, como falavas mais acima?

Vamos. Se vamos conseguir ou não, não sei, mas vamos tentar. O nosso disco já anda a passar nas rádios de Nova Iorque. Parecendo que não, pode ser um pé na porta, mas também pode não significar nada, logo se vê. Sem tentar é que não se chega a lado nenhum.

São apologistas da máxima que diz que “é melhor falarem mal de nós, do que não falarem de todo?

Não sou apologista de nada. Sou apologista do "não se pode agradar a todos".

Qual é o limite dos X-Wife? Existe?

Não. Ainda estamos a começar...


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
29/04/2004