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Steinbrüchel
A implacável sincronização Suiça


Aos poucos, os ponteiros da electrónica Europeia alinham-se e apontam no sentido de Ralph Steinbrüchel como um dos mais cativantes estudiosos da intricada ciência que estuda o convívio entre tons alargados e outras partículas sonoras muito mais mínimas e indistinguíveis entre si. Tendo já confiado dois discos - Circa em 2003 e o magnífico Stage no ano passado - a uma L-ne onde a electrónica é tida como meio provável para a representação paisagística ou arquitectónica, Steinbrüchel parece ultimamente encaminhar a sua gestão exacta de um balanço macro/micro para um panorama que engloba elementos acústicos além dos recursos electrónicos até aqui predominantes. Talvez por isso sejam altas as expectativas que aguardam por Basis, o disco anunciado para breve na australiana Room 40, que regressa ao material bruto gravado por Lawrence English por altura de Happiness Will Befall, um dos mais sólidos clássicos da label portuense Crónica. Steinbrüchel fez uma pausa no seu cronómetro criativo para falar ao Bodyspace acerca desse novo disco e de outras iniciativas recentes.
Podes-me adiantar um pouco acerca do que tens feito ultimamente? Tens criado algumas instalações sonoras?

Em Setembro, o meu novo álbum Basis saiu pela label Australiana Room 40. Viajei também no final de Setembro até Brisbane, Newcastle e Melbourne para algumas performances. O músico Jason Kahn, que também mora por aqui em Zurique, Suiça, também actuará nessas mesmas datas na Austrália.

O Basis é baseado em gravações de instrumentos acústicos. Quatro das faixas baseiam-se em gravações de guitarra trabalhadas em Happiness Will Befall, o disco de Lawrence English lançado pela Crónica. Duas faixas intituladas “These 1 + 2” foram também baseadas em gravações de guitarra feitas por Ben Frost para o seu disco Theory of the Machines, lançado pela Bedroom Community em 2004. A faixa “Falter” foi concebida a partir de gravações de piano de Bernd Schurer e apresentada como uma instalação em sistema de surround 5.1 em Novembro de 2005.

Por volta de Setembro ou Outubro um novo disco de colaboração chamado Falte, a meias com o músico Suíço Bernd Schurer, será também lançado pela label Nonvisualobjects. O disco incide numa instalações de múltiplos canais sonoros que apresentámos durante um dia no Museu Kunsthaus de Zurique, em Setembro de 2006. A capa desse disco foi criada pelo artista Suíço Yves Netzhammer, que também contribuiu com visuais para a instalação original.

Além disso, trabalhei também em algumas faixas para compilações e numa remistura para um tema do artista holandês Machinefabriek que foi lançada há alguns meses.

É fabuloso mencionares o facto de Basis incluir novo material feito a partir de Happiness Will Befall, que é um daqueles discos que me parece riquíssimo em termos de recursos trabalhados. Tentaste capturar um sentimento específico desse disco? Interrogo-me se não terá sido a tua abordagem semelhante à que exerceu Taylor Deupree quando teve acesso a todo o material gravado pelos Eisi por altura de Awaawa, para transformar isso no resultado que foi Every Still Day. Conheces esse disco, certo?

Sim, conheço o disco a que te referes. Mesmo assim, parece-me muito diferente o que fiz em Basis, atendendo a que não tentei reinterpretar ou remisturar as faixas de Happiness Will Befall do Lawrence English. Nem sequer tinha como objectivo capturar um momento ou sentimento próprio desse disco. Em vez disso, “apenas” usei os mesmos sons-brutos que o Lawrence muito generosamente partilhou comigo. Trabalhei-os depois sem tomar em consideração o resultado final das faixas que ele já havia lançado.

Enquanto compunha as faixas de Basis achei que seria importante trabalhar sons acústicos e, a partir desses, formar e processar novos sons resultantes da mesma fonte, mas sem uma relação específica com os trabalhos ou discos dos artistas envolvidos. É claro que escolhi a dedo o trabalho de gente cuja música aprecio e muito admiro. Espero, mesmo assim, que as minhas composições, integrem um pequeno fragmento ou pedaço do carácter da fonte a que recorrem, ou também a alma das gravações originais.

Sei que o teu disco Stage foi também adaptado a partir de material gravado com o propósito de ser usado na performance de dança Hybridome. Podias ser um pouco mais detalhado acerca das mudanças activadas nessa transformação que conduziu ao disco em si? Embora o providenciar de contexto sonoro a uma performance de dança represente certamente muito esforço, crês que o Stage implicaria maior responsabilidade se tivesse sido planeado de raiz como um álbum?

Bem... Durante a criação das faixas procurei organizar o pensamento de modo a produzir segmentos individuais que, somados, resultariam num trabalho completo. E sempre parti do princípio que as faixas seriam lançadas como um álbum, ou, de outra forma, nunca teria concordado contribuir para o projecto. Esse aspecto foi muito importante para mim desde o início.

A versão em CD tem as faixas ordenadas de uma maneira ligeiramente diferente e os dançarinos dessa performance optaram por não usar todas as faixas que tinha desenvolvido para eles. No que respeita à performance em si, as faixas seriam trabalhadas e reestruturadas por dois dançarinos actuantes, que controlariam os sons através de sensores interactivos.

Em que situação se encontra actualmente o Hybridome? Está prestes a ser terminado? Actualiza-me em relação a isso, por favor.

A bem da verdade, diria que não faço ideia de qual é o ponto actual e acho até que a colaboração resultou em enorme desilusão. Por isso, deixa-me bastante feliz ter lançado o Stage com todo o material em que tinha trabalhado. Não acredito que venham a concluir esse projecto e não recebi quaisquer novidades ou explicações da parte deles nos últimos meses.

Estou ciente de algumas das diferenças que determinam que discos são inseridos no catálogo da 12k e na L-ne. Mas quais dessas achas que terão sido mais importantes para levar o Circa e Stage a merecer o selo da L-ne?

Acho que terias de perguntar isso ao Richard Chartier e Taylor Deupree para receber uma resposta satisfatória. Quando trabalho em algum material, não tenho em mente uma label. Pondero isso apenas após ter concluído o trabalho e dependendo de quem possa estar interessado em lançá-lo e a quem eu queira confiá-lo.

À medida que me fui familiarizando com “Opaque” e com as suas reinterpretações (compiladas em Opaque (+re)), pensei num cenário imaginário que te oferecia a oportunidade de inverter o esquema e escolher uma peça de um dos contribuidores para a trabalhares à tua própria maneira, usando os teus próprios métodos. Quem escolherias nesse caso?

A minha resposta pode apenas ser uma: escolheria cada um deles. Escolhi, em conjunto com o Lawrence English, esta combinação específica de artistas para Opaque (+re) e cada um desses tem o seu modo característico de moldar e abordar o som. Talvez por isso, é-me impossível escolher um favorito – admiro a música de cada um dos intervenientes e podia constituir um enorme desafio reinterpretar as estéticas de cada um deles.

Algo que me pareceu fascinante acerca da faixa “Mono”, incluída na compilação On Isolation, é que pareces confiante de que podes depender dos teus recursos habituais para transmitir aquele sentimento de isolamento. Alguns dos outros presentes na compilação escolheram formas bastante invulgares de se expressar. Encontravas-te confiante de que serias capaz explorar a tua perspectiva de isolamento sem abandonar o fulcro do teu som?

Achas que transmiti um sentimento de isolamento nessa faixa? Não sei ao certo e não estou tão confiante disso quanto possa parecer. Com esse contributo, tentei realmente gerar um sentimento melancólico de isolamento, solidão. Talvez até mesmo um modo positivo de sentir o isolamento, que, para mim, não tem necessariamente de ser negativo ou deprimente. Limitei-me a tentar não seguir a via mais óbvia que seria desenvolver uma peça sombria e estática adequando-a ao tema. O título “Mono” sugere também a solidão que se sofre em isolamento, mas, mesmo assim, aceitando com agrado essa situação. O titulo e faixa tentam realmente transmitir uma sensação de “isolamento” por opção própria e momentânea.

Ainda acerca desse conceito de isolamento, que outros artistas sonoros te parecem ser mestres na criação desse sentimento?

Em resposta a isso, tenho mesmo de mencionar Thomas Köner, criador de paisagens capazes de cortar de respiração, sem deixarem de ser calmas e focadas na sua vocação. Quando escuto a sua música, acabo sempre por visualizar terrenos carregados de neve e gelo a serem expelidos pelas minhas colunas, mas de forma bonita e nada tristonha. Um pouco como a possibilidade de expressar positivamente o “isolamento”, conforme falava há pouco.

Outros predilectos pessoais serão certamente os Lilith e os seus discos já velhinhos na Sub Rosa, e o Alan Lamb dos álbuns gravados para a Dorobo.

A faixa que cedeste à compilação dedicada ao realizador Yasujiro Ozu parece-me bastante concentrada num envolvimento gradual. Podes-me falar um pouco mais acerca dessa? Tinhas algum filme do Ozu em mente?

Devo admitir que nunca tinha ouvido falar de Yasujiro Ozu antes de receber o convite para o projecto. O Dale Llloyd da and / oar (label de Seattle que lançou a compilação) elaborou uma página de Internet com diversos pillow shots de vários filmes do Ozu, a partir dos quais cada um dos contribuidores podia escolher um ou vários. As minhas escolhas foram baseadas num sentido puramente estético que incidiu em algo a que julguei poder vir acrescentar qualquer coisa através da minha linguagem musical.

Para mim, era importante contribuir com uma faixa feita de field recordings em estado bruto e outra baseada nessas mesmas gravações, de forma a estabelecer uma ligação gradual entre as sequências originais dos filmes e as minhas gravações e o resultado processado das mesmas.

Reparei no link que tem a tua página para o site da Crónica. Tens alguns lançamentos favoritos dessa label?

Existem uma série deles e aprecio vários lançamentos da Crónica, mas alguns dos meus favoritos serão certamente Musicamorosa de Beautiful Schizophonic, Happiness Will Befall do Lawrence English e o Crónicaster de Mosaique (Jan Ferreira).


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
20/10/2007