Em tempos em que o monge copista é rei (do rock), os Deerhoof constituem uma das mais refrescantes e inovadoras dádivas do actual panorama musical. Acabam de lançar
Milk Man, disco que volta a levar-nos no carrossel imprevisÃvel da loucura pela mão do terrÃvel "homem do leite". Satomi Matsuzaki, Greg Saunier, Chris Cohen e John Dieterich são quatro monstrinhos endiabrados que nos fazem ver que o rock pode ser igualmente esquizofrénico e infantil, doce e rude, divertido e... bem, ainda mais divertido. Em discurso directo, John Dieterich acciona o modo alienação mental - como os Deerhoof tão bem sabem fazer - e partilha com o Bodyspace um pouco da sua saudável demência.
Então,
porquê Milk Man? Porquê bananas e morangos? Batido?
Não tivemos grandes hipóteses. Milk Man é malévolo, e induziu-nos a fazer este
álbum. Achas que poderÃamos tê-lo feito de outra forma? Quem me dera que tivéssemos
feito um álbum sobre noz-moscada e cilantro.
Não, acredito mesmo na maldade do Milk Man. Bananas
e morangos parece-me bem. O responsável pela ilustração da capa do álbum foi
Ken Kagami. Achas que ele conseguiu criar o imaginário certo para o álbum?
Na verdade, a arte do Ken existia muito antes da música do nosso álbum. Achas
que conseguimos criar o imaginário correcto para a arte dele?
Completamente. E também acho que Milk Man é,
de certa forma, o regresso à loucura e ao caos de Reveille…
Talvez seja mais constrangimento solitário do que esquizofrenia. QuerÃamos usar
mais sons de novo depois de termos feito
Apple O', que tinha um sentimento
mais
live do que
Reveille, talvez.
E estão contentes com o resultado?
Claro. Acho que é menos propenso a ser apresentado ao vivo que os últimos discos
e isso constituiu um certo apelo para nós. QuerÃamos apresentar as canções numa
forma muito clara e idealizada. Tem sido muito divertido tocar em muitos dos
espectáculos recentemente porque estamos a aprender a tocar estas canções e
a levá-las a sÃtios que as gravações não levaram.
Acham que o Barry Manilow ia gostar de Milk Man?
Não tenho a certeza. No entanto, gostava muito que o Neil Diamond gostasse.
Apple O' é um disco muito diferente de Reveille. Explora territórios
bastante distintos daqueles normalmente explorados pelos Deerhoof. O que é fez
com que isso acontecesse? Em que é que estavam a pensar?
O Chris juntou-se a nós no exacto momento em que estávamos a acabar
Reveille,
e ele achou que o álbum não se aproximava muito daquilo a que realmente soávamos
como banda. A ideia dele para o nosso próximo álbum era que ele tivesse uma
sonoridade mais
live, que fosse música menos concreta ou qualquer coisa
do género. Achámos que devÃamos tentar.
Na vossa opinião, a que se deve todo o sucesso de
Apple O'?
Não tenho assim tanta certeza que
Apple O' tenha sido um sucesso. De
qualquer das maneiras, não faço ideia porque é que as coisas foram ou não populares.
Se
Apple O' foi popular, foi, espero eu, por ser bom.
Lançaram três álbuns em menos de dois anos. Estão a
competir com o Frank Zappa?
Se não estou enganado, o Frank Zappa está morto. Na verdade, de momento, estamos
a competir com Dweezil Zappa, cuja música nunca ouvimos. Quem é que ganha?
Espero que ganhem vocês. E o que pensam dos Lightning
Bolt ou dos Black Dice?
A primeira vez que vi os Lightning Bolt ao vivo foi numa pequena cave em Boston.
Uma cave muito pequena mesmo. Eles são tão barulhentos. Pensei mesmo que era
a coisa mais barulhenta que alguma vez tinha ouvido. Depois, tocaram os Thrones.
Eu estava a um canto, e quando eles tocaram uma certa nota os meus olhos começaram
a vibrar dentro da minha cabeça. Nunca tinha sentido nada assim até essa noite.
E em relação às Erase Errata?
As Erase Errata contribuÃram, de uma forma muito particular, para o “tinnitusâ€
que assola o meu ouvido direito.
Os vossos ensaios devem ser mesmo divertidos… como é que acontece o processo
de escrita das vossas canções?
Os nossos ensaios não são assim tão divertidos como se possa imaginar. O Chris
vive em Los Angeles, por isso não temos hipótese de praticar muitas vezes. Quando
ensaiamos, encontramo-nos na casa dos pais do Chris, e praticamos dez horas
por dia durante muitos dias seguidos. O processo de escrita é diferente em todas
as alturas. Todas as canções são escritas de uma maneira completamente diferente
da próxima. Muitas das vezes (“Panda Panda Pandaâ€, em
Apple O' por exemplo)
o Chris escreve a maior parte da canção e a Satomi aparece com uma ideia para
a melodia e para as letras. Em “Dog on the Sidewalkâ€, a Satomi tinha umas ideias
para letras que foram colocadas ao lado de alguma música electrónica que eu
tinha feito. Em “Milkmanâ€, o Greg escreveu basicamente a canção toda e a Satomi
introduziu as letras. Cada canção nasce de uma forma completamente diferente.
Não queremos ter uma única forma de compor música porque isso tornaria as coisas
chatas para vocês e para nós.
Onde é que encontram inspiração para escrever as letras das vossas canções?
Às vezes, quando ouves alguma coisa, uma palavra ou uma ideia, uma imagem vem
à tua cabeça. Como um homem com uma pedra em vez de cabeça. Esse homem pode
ou não ter um objectivo, mas provavelmente faz coisas. Talvez tenha de comer
às vezes. Talvez as circunstâncias o impeçam de ver certas coisas. Ele talvez
simplesmente to diga se o ouvires. Nós apenas tentamos ouvir.
Vocês vão mesmo salvar a música pop?
Não tenho a certeza de saber o que isso realmente é!
Vão pelo menos salvar-nos dos The Darkness?
Referes-te aos The Darkness ou aos “The Darkness ™� De qualquer das maneiras,
salvamo-vos disso.
A música está mais revivalista do que nunca… O que
é que acham disso? É melhor ou pior do que um disco dos Rapture?
Não compreendo muito bem o revivalismo. Isto não é sequer uma crÃtica. É um
truÃsmo. A forma como eu penso a música faz com que seja complicado para mim
imaginar fazer música dessa forma. Não sei mesmo a que soa a música. Quero dizer,
tenho muita dificuldade em dividir a música numa espécie de classes identificadoras.
Não saberia mesmo como fazer um disco “rockabilly†convincente. É simplesmente
uma coisa que eu nunca conseguiria pensar em fazer. Requer tantos factos.
Mas não gostas de nenhuma das bandas do assim chamado
“movimento revivalista�
Na verdade, nem sei quem elas são. Gosto simplesmente de bandas que tocam a
música que precisam de tocar e conseguem fazê-la de forma honesta. Não gosto
de sentir que me estão a enganar, pelo menos na maior parte das vezes.
Como é que foi dar concertos nos Estados Unidos da América,
no Reino Unido, na Europa e no Japão no ano passado? Como é que as pessoas reagem
aos vossos concertos?
Muito bem! Temos tido mesmo muita sorte, e todas as digressões têm corrido muito
bem. Espero mesmo que possamos ir a Portugal um dia destes. Estive aà há muitos
anos atrás (em Lisboa e em Sintra, entre outros lugares) e tenho um enorme desejo
de voltar. Talvez possamos dar um concerto em Cabo Verde e esperar que os nossos
amigos possam ouvir em Nova Iorque!
Conheces música portuguesa?
Tenho dois álbuns de música portuguesa que oiço montes de vezes. Um, é um dueto
de Carlos Paredes com o Charlie Haden. Acho o Carlos Paredes incrÃvel! Outro
disco que oiço imenso é
Plux Quba do Nuno Canavarro. Conheces? Foi editado
pela Moikai há muitos anos atrás, e fiquei realmente ligado ao disco. É alguma
da minha música electrónica favorita.
Nunca ouvi esse disco do Nuno Canavarro, mas já ouvi
falar dele. Há muito pouca informação sobre esse disco, mesmo cá em Portugal.
A propósito de pouca informação, gravaram uma versão de uma canção das lendárias
Shaggs há uns anos atrás. Porquê uma canção das Shaggs? Elas são mesmo melhores
que os Beatles?
Alguém nos perguntou se querÃamos participar no projecto de
covers das
Shaggs, e nós ficamos bastante contentes pois elas tinham sido uma grande inspiração
para nós, e porque era realmente um grande desafio imaginar como fazer uma versão
de uma canção delas.
Estiveram recentemente em Londres para uma pequena
tour. Como é que foi fazer a Peel Session e tocar no All Tomorrow’s Parties?
Este é um ano em grande para vocês…
O All Tomorrow’s Parties foi fantástico. Não consigo sequer começar a contar
quantas grandes bandas estavam lá. A maior chatice para mim foi não conseguir
ver os White Magic, porque eles tocaram ao mesmo tempo que nós. Gosto mesmo
deles. A Peel Session foi muito interessante e divertida. Esperamos lançar algumas
dessas gravações lá para o final do ano.
Também têm outros projectos fora da banda … há alguma
coisa que não possam fazer dentro da música dos Deerhoof?
Para mim, os Deerhoof são como a minha famÃlia, e eu sinto que o que temos é
muito especial. É também muito importante para mim explorar música com outras
pessoas. Isto, na minha opinião, não demonstra nenhuma limitação da parte dos
Deerhoof. Alguns desses projectos existiam já antes do nosso envolvimento nos
Deerhoof. Estaria a mentir se dissesse que não é difÃcil ter múltiplas bandas
à s vezes, mas para mim os benefÃcios ultrapassaram os problemas, pelo menos
até este ponto.
Acham que ainda conseguem surpreender-se a vós próprios e à vossa audiência?
Não é complicado para mim ficar surpreendido. Fico surpreendido todos os dias
com coisas que o Chris e o Greg e a Satomi fazem quando estamos a tocar. Quando
estávamos a tocar no ATP, olhei, e a Satomi estava apoiada num só pé e a usar
o outro para ir levantando o suporte do microfone muito lentamente. Parecia
uma espécie de arte marcial. Não caiu. Segurou-o lá em cima no ar com o pé.
A expressão facial dela era de aborrecimento. Achei aquilo bastante inspirador.
Imaginam-se a tocar daqui a quinze anos?
Referes-te aos Deerhoof? Claro, eu imagino. Pelo menos espero que sim. Estes
tipos são os meus melhores amigos e músicos favoritos. É complicado para mim
não me imaginar a tocar com eles.
Qual é a sensação de não serem estrelas rock?
!