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Tujiko Noriko
Solo nascente


É sabido que trazer ao mundo um progénito gera implicações benéficas e outras adversas à arte – encontra-se nele a inspiração das novas descobertas e o principal aglutinador do tempo útil que se tem para a aplicação dessa. Desde que tinha saído de cena em alta, com os impressionantes 28 e Blurred in My Mirror, Tujiko Noriko, diva da electrónica japonesa por mérito próprio, mais não tinha manifestado grandes sinais de actividade porque se encontrava dedicada à filha recentemente nascida e, de alguma forma, simbolizada na capa do regresso Solo pela duplicação da figura desenhada de sua mãe, a partir de um clarão natal. Depois de uma longa juventude criativa vivida ao lado de estetas para quem a electrónica é apenas um ponto de partida (Aoki Takamasa e Lawrence English), Tujiko Noriko alcança a maturidade da idade adulta e admite isoladamente a hipótese de ser icónica tal como demonstra um Solo que não mexe nos trunfos de sempre, apurando-as apenas. Temo-la aqui em sintonia sensual com o sussurro de pequenas criaturas, num plano entomológico que alterna entre um distante ressoar de colossos obtusamente graves e a linguagem telegráfica da natureza. Aquela que alguns já apelidaram de Björk japonesa (embora isso soe um pouco redutor) contou ao Bodyspace como foi ver nascer este Solo a partir da sua janela.
Comecemos por uma questão invariavelmente óbvia: quão refrescante foi trabalhar por si própria em Solo?

Desde Make Me Hard, elaborado em 2001, que não trabalhava solitariamente como aqui aconteceu. Para mim, é quase como um terceiro álbum exclusivamente meu. Satisfez-me o facto de ser lançado pela Editions Mego, a label do Peter (Rehberg, também conhecido por Pita) que já trata do meu primeiro e segundo álbum. A frescura é a mesma que senti quando concluí o Shojo Toshi. Nem será apenas pelas colaborações em que estive envolvida, mas pela globalidade da vida em si. O inicio das minhas décadas de vida - os primeiros, os 10, os 20 e os 30 - foram tremendamente excitantes. Entre os 26 e os 28 anos, ou quando tinha 29, tudo era tão entediante... Suspeito que possa estar ligado a algum aspecto hormonal. Agora tenho 30 anos.

Qual foi a primeira reacção que recebeu do Peter (Rehberg) quando lhe deu a escutar Solo?

Ele disse que soava viçoso.

O título de Blurred in my Mirror, tal como a capa de I Forgot the Title, parecem apontar para o tema do reflexo de diferentes formas. Até que ponto o Solo e a sua figura na capa representam um reflexo subvertido de si?

Perdoe-me, mas não entendo muito bem a questão. O Lawrence (English) teve a ideia para o título Blurred in my Mirror. Atribuí a esse outro álbum o título de I Forgot the Title, porque as faixas incluídas pertenciam a um passado algo embaraçoso anterior ao meu debute Keshou to Heitai, e foi uma forma de “arrumar†o passado. Ambas as capas não foram feitas por mim. O Solo tem na capa uma figura solitária que evidencia alguma ironia perante o design de estilo e pelo estereotipo japonês.

Interrogo-me se o processo de composição inversa desenvolvido com o Lawrence English, que a encorajou a trabalhar a partir de uma base vocal, a cativou a adoptar novos métodos durante o desenvolvimento de Solo. De que forma progrediram as canções neste novo disco no que toca ao seu balanço entre os elementos vocais e os digitais?

O balanço não mudou desde que comecei a fazer música. As vozes e restantes sons coincidem com cada uma das músicas. Tudo está organizado e conjugado desde o início, de uma forma clássica. E é assim que gosto das coisas. O Lawrence obrigou-me a adulterar o processo e respeito-o pela radicalidade da mudança.

Após ter filmado Sand and Mini Hawaii, trabalhou em mais algum projecto desse estilo?

Filmei o meu segundo filme. Agora estou a editá-lo vagarosamente. Desde tive a minha filha, nunca mais dispus de tempo disponível para fazer música, mas tenho-me empenhado neste filme.

Até que ponto se envolveu no design de som do primeiro filme?

Colaborei com o Gilles Cabau (o editor de som). Ele tinha ideias muito divertidas. Adorei tratar de todos os sons incluídos no filme.

O Blurred in my Mirror (lançado pela Room 40) esgotou muito rapidamente e deixou de ser produzido desde aí, assim como outros lançamentos limitados seus. Aprecia lançar a sua música em quantidades reduzidas? Como se fossem pequenos segredos partilhados com os fãs…

Nunca senti tal necessidade. Não aprecio sequer a ideia e fiz questão de o comunicar ao Lawrence (proprietário da Room 40). No caso do 12 polegadas I Forgot the Title, concordei em limitá-lo a poucas cópias, porque já o tinha esquecido um pouco. Além disso, o vinil é bem diferente do formato CD.

Não posso deixar de lhe perguntar acerca de que colaboradores / produtores estimularam em si qualidades específicas e com quais deseja trabalhar com vista a alcançar novos terrenos?

Gosto de colaborar com o Ataka Hideki. Nos meus discos existe apenas uma faixa em que participa, mas já cooperava com ele antes mesmo de lançar o primeiro disco. Estou certa de que a partir daqui irei acumular outras colaborações.

Quando a sua aliança criativa com o Aoki Takamasa chegou ao fim (não sem antes ter sido encapsulado no muito aconselhável 28), não sentiu que ainda sobravam algumas pontas soltas por explorar juntos? Mantém-se actualizada em relação ao que ele faz?

Não creio que venhamos a colaborar durante os próximos tempos, nos termos em que o fizemos. Ainda que seja possível ele vir a usar a minha voz de um modo semelhante (a 28) no seu próximo disco. É sempre divertido tocar com alguém, quando, na maior parte dos casos, actuo sozinha. Ambiciono até formar uma banda!

As recentes transições sofridas pela Mego afectaram-na de algum modo ou passaram-lhe ao lado?

Passaram-me completamente ao lado.

Como foi tocar em formato de Loop Pool Party na mais recente edição do Festival Número, em Lisboa? Divertiu-se por Lisboa? Quão diferente foi o mesmo tipo de performance em Madrid?

Os festivais foram completamente distintos. Em Lisboa tivemos a oportunidade de ter condições ideais para tocar. Foi uma bonita performance. Não entendi muito bem a real essência do festival em Madrid, todos aqueles VJs e DJs. O meu nome constava do programa como DJ Tujiko Noriko. Engraçado.

Era capaz de me actualizar quanto a desafios recentes que a tenham levado a actuar em ambientes ou formatos invulgares? Esteve envolvida em performances peculiares durante o ano passado?

Tal como lhe disse, a passagem por Madrid foi um pouco estranha, mas a noite da cidade foi imensamente divertida. Recuando até 2005 ou 2006, posso referir a festa organizada por uma produtora londrina de cinema, em que serviram litros e litros de champanhe Veuve Clicquot e ninguém ligava nada à música.

Encontra algumas pontes entre o seu trabalho e os temas de filmes roman porno como aqueles que um dia rodaram para os estúdios da Nikkatsu realizadores como Shohei Imamura ou Seijun Suzuki?

Tanto quanto me lembre, acho que só vi um filme do Imamura que não me cativou muito. Vi também dois filmes do Seijun Suzuki pela primeira vez no ano passado – o seu cinema é engraçado, mas já me esqueci de grande parte das cenas. Não encontro quaisquer pontes entre o meu e o trabalho deles. Se houver uma ligação, essa só pode estar na nacionalidade japonesa que nos é comum.


Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
18/04/2007