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Dazkarieh
Viagem pelo Mundo


Surgiram no final dos anos 90 em Lisboa e hoje contam já com três discos. Os Dazkarieh são uma das faces visíveis da folk portuguesa. Incógnita Alquimia, o último disco da banda (editado em 2006), é um misto de tradicionais e de novos temas, resultado único da vontade de fazer música pela música, com sede em qualquer que seja o país. De Maio até Novembro os Dazkarieh encontram-se a promover o novo disco em concertos e festivais por todo o mundo: no Festival Ollin Kan no México, no Canadá, no festival alemão Tanz & Folk, na República Checa, em Sintra, na Estónia, no Intercéltico de Sendim, nos Açores, no Folklorum Festival na Alemanha, na Áustria, na Polónia e, finalmente, em Cabo Verde. Faz sentido, não faz? Joana Negrão aceitou falar sobre algumas das questões mais prementes dos Dazkarieh, fazendo a ponte entre o passado a que teve acesso e o presente que parece pacifico.
O que é que nos podes contar acerca da concepção e das escolhas deste último disco? Há um misto de temas originais e de canções tradicionais. Como se faz essa escolha e pesquisa?

Neste disco procurámos, acima de tudo, coesão musical, ou seja que os temas tivessem toda uma relação entre si. Os temas tradicionais surgiram naturalmente, ouvimo-los, gostámos e achámos que tinham a haver connosco. A partir daí foram sendo progressivamente desenvolvidos até serem o que são hoje. Em relação aos temas originais foi exactamente o mesmo; alguém chegava com uma ideia, uma letra, um ritmo e calmamente iam-se construindo os temas entre todos, com dedicação e amor.

Como olham para este novo disco quando comparado com os dois anteriores?

Como já disse anteriormente este disco tem muito mais coesão musical, sentimos que é o mesmo grupo que toca durante todo o disco, sentimos que há uma unidade, que é uma obra contínua e não constituída por ideias dispersas num mesmo disco. Acima de tudo identificamo-nos e reconhecemo-nos quando voltamos a ouvir este trabalho.

Como é para vocês fundir a música tradicional com a música experimental, com o rock, etc. Como se construi a linguagem dos Dazkarieh?

Os Dazkarieh procuram criar a sua música sem qualquer tipo de barreiras, isto é partindo de uma melodia que nos agrade variamos sobre ela até chegarmos a um momento em que aquilo que criámos nos “preenche” completamente. Seja essa melodia composta por nós ou de raiz tradicional. Se o resultado final é uma fusão de sonoridades tradicionais (que o são devido ao tipo de instrumentos que usamos) com música experimental, com rock, etc, é apenas porque, quando se faz música é impossível não a fazer sem que transpareçam as nossas influências.

É uma prioridade vossa transparecer raízes na música tradicional portuguesa apesar de muitas vezes a vossa música passar pelas tradições de outros países?

A nossa prioridade é fazer música. E fazer música que gostamos, acima de tudo. Não nos sentimos obrigados e nem é uma prioridade para nós fazer música de raiz tradicional, se a fazemos é porque gostamos de algumas das suas sonoridades sejam elas de que país forem. É óbvio que temos uma motivação especial se pegarmos em temas tradicionais portugueses (pois somos portugueses) como aconteceu neste disco, mas se o fizemos foi porque nos identificámos musicalmente e quisemos tocá-los à nossa maneira. O nosso objectivo não é, nem nunca foi recriar música tradicional, até porque este nosso disco é, maioritariamente, composto por temas originais. Se eles transparecem “raízes” isso pode ter a haver com o facto de usarmos instrumentos acústicos de várias culturas (como a portuguesa, a sueca, a grega, a egípcia). Porém, neste momento estamos focados em partir dessas influências para ambientes mais contemporâneos que também são uma grande fatia dessas mesmas influências.

Qual é a tua opinião acerca de projectos portugueses como os Mu ou Mandrágora? Existe alguma colaboração entre os novos projectos desta “folk” portuguesa em termos de concertos, colaborações?

A minha opinião é que são bons grupos que também andam aí a trabalhar para conseguirem levar a sua música cada vez mais longe e espero que o consigam e que tenham imenso sucesso na sua caminhada. Assim como também o desejo a muitos outros grupos como os Chuchurumel, Diabo a Sete, Lúmen, Uxu Kalhus, etc. Todos estes e muitos outros que vão conseguindo levar a sua música adiante mesmo sem o apoio de editoras discográficas e isso tem muito valor. Em termos de concertos e colaborações estamos sempre abertos a propostas desse género seja com que grupo for. Além disso vamos estando sempre em contacto uns com os outros e acompanhando os caminhos de cada um. Mais cedo ou mais tarde surgirão essas colaborações naturalmente.

Podes falar um pouco dos instrumentos que utilizam nos Dazkarieh e das suas raízes?

Nos Dazkarieh tocamos instrumentos de várias culturas e procuramos criar o nosso próprio som com eles, algo que nos identifique, que quando alguém nos ouça cada vez mais reconheça características específicas. Neste momento estamos focados em explorar os sons dos instrumentos que tocamos, tentar ir mais além daquilo que é o som acústico dos mesmos. Usamos instrumentos como gaitas de foles, galega/portuguesa e transmontana (fazemos sempre questão de falar sobre ela nos concertos, explicar a sua origem e os esforços que vão sendo feitos por diversas ass. portuguesas no sentido do aperfeiçoamento morfológico do instrumento); bouzouki grego e irlandês, nickelharpa sueca, flauta transversal, bandolim português, cavaquinho, cajon, darbouka, tar, riqq, adufe, pandeireta galega e voz.

Quanto difere a experiência ao vivo daquela que conseguem nos vossos discos além das diferenças óbvias? Como prepararam as vossas actuações ao vivo?

A experiência ao vivo e em disco é sempre, obviamente, diferente. Em disco aqueles momentos musicais imortalizaram-se e é sempre possível ouvi-los várias vezes e retirar experiências diferentes sempre que se ouve. Ao vivo cada concerto é um momento único, na realidade a única preparação que fazemos é um alinhamento dos temas e adaptá-los ao local e ao público que naquele momento temos à nossa frente. Se por acaso acharmos que determinada música ou sequência pode não ser a melhor não temos qualquer problema em mudá-la na altura. Já temos uma empatia tão natural entre nós que, por vezes, não precisamos de falar muito para nos fazermos entender e isso em palco é muito reconfortante. De resto pretendemos que todo o concerto seja um momento especial para quem nos vê e ouve, para isso cuidamos muito do lado estético do palco e dos cenários. Procuramos sempre estar serenos e em equilíbrio antes do concerto para que depois, em cada momento, possamos estar receptivos ao que nos espera. Há sempre muita coisa impossível de prever e nisto o público para nós é essencial, se conseguimos levá-lo na nossa viagem tudo flúi, nós ficamos muito mais soltos e o concerto corre sempre muito melhor.

Ao longo dos últimos anos participaram em bastantes festivais internacionais de “world music”. Creio que têm até marcadas algumas datas para os próximos tempos. Como são essas experiências para os Dazkarieh? Como se coloca na balança a realidade da vossa e da “nossa” música quando comparada com a de outros países?

No Verão de 2006, por exemplo, realizámos alguns concertos num importante festival no Québec e também passámos por festivais de “world music” em Portugal que têm bastante visibilidade (Festival Med, Festival de Sines e Sons em Trânsito). Neste momento temos algumas datas internacionais, mais do que já alguma vez tivemos e estamos ansiosos, pois todas as experiências internacionais anteriores foram muito ricas, tanto do ponto de vista musical, como do ponto de vista humano. Ir lá para fora é isso mesmo, fortalecemos os nossos laços de amizade e companheirismo (o que também acontece nas viagens dentro do país, claro) ao mesmo tempo que temos contacto com outras culturas, outras formas de estar, outras sonoridades e isso é altamente enriquecedor e pode até espelhar-se na nossa música.

Os Dazkarieh, no decorrer desta viagem, já tiveram várias mudanças na sua formação. Como é que isso se foi trabalhando no seio da banda?

Todas as pessoas que já passaram pelos Dazkarieh imprimiram o seu cunho no grupo: as suas influências musicais e a sua experiência como pessoa. Aquilo que hoje são os Dazkarieh é com toda a certeza o resultado de todas essas experiências pelas quais o grupo passou e que fizeram parte do seu percurso e da sua evolução sonora. Apesar de não ter feito parte da formação inicial acompanhei o grupo desde muito cedo e sei que todas as mudanças foram sempre difíceis, assim como recomeçar após cada mudança foi um processo igualmente difícil. No seio do grupo cada pessoa nova trazia a sua experiência e em conjunto procurava-se que todas elas fizessem sentido. Hoje em dia acontece o mesmo, sentimos uma grande sintonia entre nós e na música que fazemos.

Obviamente o facto da capa deste último disco ser em cortiça parece-me uma espécie de mensagem para dentro do país. É verdade?

Bem, na realidade, o nosso objectivo inicial foi criar um objecto artístico isto é, fazer com que o suporte material da nossa música fosse algo mais que uma caixa de plástico ou um digipack. Isto foi sempre sendo algo que procurámos fazer nos nossos discos, o nosso segundo disco por exemplo, teve uma edição especial em capa de madeira. O facto de estarmos a usar um material português por excelência, como a cortiça, foi algo em que pensámos depois e realmente, é de facto importante usar um material tipicamente português e mostrar que se podem fazer coisas diferentes com ele. Mas não queremos passar nenhuma espécie de mensagem em especial, a nossa mensagem é a nossa música.

Olhando para trás, como recordas os primeiros dias dos Dazkarieh, pelo menos aqueles que presenciaste? O que é que ficou até hoje desta experiência?

Eu fui a última pessoa a entrar no grupo e, portanto, os primeiros dias doa Dazkarieh, provavelmente aqueles em 1999, só os próprios fundadores do grupo podiam recordar, como o Vasco R. Casais, o Filipe Neves e o Zé Oliveira. No entanto, até hoje, com certeza ficou muita da arte e da alma de cada pessoa que passou por este projecto, fazendo do grupo aquilo que hoje ele é: mais coeso e mais certo de querer fazer passar a sua música a cada vez mais pessoas.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
04/04/2007