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Panda Bear
O Meu Som


Em silêncio e de olhos fechados, Panda Bear prepara-se para tocar pela primeira vez, algumas das canções de Person Pitch (Paw Tracks, 2007). Tem diante si, sobre uma pequena mesa, dois samplers, um kit de bateria electrónica e um microfone. A voz operática de Maria Callas – previamente gravada - dá início à sessão. Durante mais de trinta de minutos Panda Bear oferece-nos uma experiência de intensidade e beleza rara. A voz, afogada em efeitos de reverberação, deixa transparecer desejos e afectos moldados por uma nova cidade e, sobretudo, por uma nova condição – a da paternidade. De uma generosidade comovente, temos diante de nós um homem responsável por uma obra luminosa e singular. Aclamado pela crítica, Panda Bear permanece humilde, na certeza de que tudo na Pop e na vida é efémero. A totalidade da entrevista, assim como a performance musical, está disponível na página do programa de rádio Má Fama (http://mafama.blogspot.com/2007/01/panda-bear-m-fama.html).
Como é que vieste parar a Lisboa?

Faço parte de uma banda chamada Animal Collective e, há cerca de três anos, viemos [a Lisboa], eu e o Dave [Avey Tare], tocar num festival chamado Número. Assim que saí do avião, senti-me muito bem. Estávamos a terminar uma digressão de seis semanas e decidimos tirar alguns dias de férias (péssima ideia, já que estávamos exaustos e a precisar um pouco de espaço, de nos afastarmos). Nesse curto período conheci uma rapariga... Subsequentemente, ela veio visitar-me a Nova Iorque e eu a ela. Como não acredito em relações à distância, alguém tinha que se mudar. E eu estava entusiasmado com a ideia de viver aqui.

Sentes-te parte da cidade?

Sim, tanto quanto senti em relação às outras cidades onde vivi.

Li numa entrevista que te sentias próximo com o modo de viver europeu...

Sim, especificamente com o modo de viver daqui.

Referias a importância de pormenores do nosso quotidiano. Podias ser mais específico?

Um das coisas que mais prezo e que valorizo é a família... aqui, as refeições partilhadas são frequentes, a ideia de família e o ritmo de vida faz-me mais sentido. Antes de vir para cá vivi cinco anos em Nova Iorque. É um contraste brutal. Mesmo não tendo um ritmo de vida com excesso de stress, em Nova Iorque, é impossível deixar de sentir todo o seu frenesim, que pode ser igualmente bom, mas eu sou uma pessoa mais calma e este lugar [Lisboa] agrada-me precisamente por ser assim calmo.

Fala-nos um pouco sobre a tua infância em Baltimore [cidade do Estado Americano de Maryland]…

Foi boa. Baltimore é um sítio bastante heterogéneo. Apesar de existirem áreas complicadas e duras para viver – julgo que há bastantes pessoas infelizes, uma data de crimes – nasci numa parte calma, verde, com muitas árvores, com gente saudável.

Por essa altura [da adolescência], quais eram os teus interesses?

O desporto ocupava um papel bastante importante na minha vida, eu adorava fazer desporto. O meu irmão mais velho era atleta. Ambos praticávamos basquetebol. Eu, como era o mais novo, ficava-lhe sempre atrás, e por isso, acabei por desenvolver um espírito bastante competitivo.

Que género de música é que ouvias?

Comecei por ouvir aquilo a que se convencionou chamar de indie rock, muito por influência de amigos. Adorava. Por volta dos dezassete, dezoito anos, comecei a interessar-me, exclusivamente por músicas de dança. O meu interesse no techno, house, etc., aconteceu por acaso. Como a casa dos meus pais ficava a duas horas da escola secundária, tive que me mudar e fui viver com uma família de desconhecidos. Um dos filhos desta família tinha acabado de ir para fora, para a Universidade, acabei por ficar com o quarto deste rapaz e, indirectamente, com a sua colecção de CD. Grande parte desta música era completamente nova para mim (coisas do género que falei atrás) e rapidamente me apaixonei por ela.

Num determinado momento chegaste a estudar Teologia?

Tecnicamente, sim. Estudei Religião na Universidade, em Boston.

Por alguma razão específica?

Nem por isso. Infelizmente, não tinha nenhum grande motivo. Não sou uma pessoa muito religiosa, tão pouco a minha família, mas estava interessado no conceito de Deus e na grande influência que gera nas pessoas.

Há alguma dimensão espiritual na tua música?

Espero que sim. É me difícil opinar sobre este assunto. Não componho uma canção a pensar: "tenho que a fazer mais espiritual". Gosto que a música seja um reflexo daquilo que sou como ser humano, uma espécie de rádio independente que transmite as coisas que faço na minha vida. Procuro viver com consciência espiritual. Valorizo muito a minha música. Não é uma coisa banal, como lavar pratos... Bem, existe uma componente de lavar pratos, mas quando toco ao vivo ou escrevo uma canção sinto-me fora de mim. Já senti, claramente, outro estado de espírito, uma sensação fortíssima de consciência. É subtil mas encontro-a nos melhores momentos.

Young Prayer – o teu segundo disco a solo – foi gravado numa altura particularmente difícil da tua vida. Hoje em dia, como é que te relacionas com ele? Voltaste a ouvi-lo?

(suspiro) Não, mas isso sucede com todos os álbuns que faço, não o ouvi por ser o mais rude. Por ser o disco favorito da minha mulher, tenho-a ouvido a ouvi-lo, mas (pausa)... A última vez que o ouvi foi quando recebi dos rapazes [Animal Collective] a mistura final (não fui eu que o misturei, mas sim o meu amigo Rusty [Santos], tão pouco estive envolvido nas etapas finais de feitura do mesmo). Ouvi-o e fiquei bastante contente e entusiasmado com o resultado final (eles mudaram-no ligeiramente). Isto foi pouco antes do disco sair, há coisa de dois anos.

Nos últimos meses editaste dois singles [“Comfy in náuticaâ€/â€I'm Not†e “Brosâ€], preparaste para lançar um split com os Excepter e já tens o teu terceiro disco misturado [Person Pitch]. Na minha opinião, as novas músicas, especialmente a "Bros" e a "Carrots", são mais positivas, mantendo a beleza e a delicadeza das antecessoras. A paternidade mudou-te? Achas que as novas composições reflectem esse acontecimento?

Sim, sem qualquer dúvida. Podia ficar aqui horas e horas a contar como uma criança me mudou. Essencialmente, reflecte-se na música que faço. Trabalho mais aplicadamente na minha música. Perco mais tempo. Antes fartava-me rapidamente, hoje esforço-me mais. Esse lado positivo de que falas surge de forma meio inconsciente. Depois de Young Prayer não queria voltar a fazer música tão "pesada". Queria algo mais simples. Acho que me transformei numa pessoa muito mais feliz nos últimos dois anos.

As novas canções procuram expressar alguma emoção em particular?

Não apenas uma, mas todo o espectro de emoções presentes no meu quotidiano.

Fala-nos um pouco do teu processo de composição musical.

Comecei por juntar uma série samples que funcionavam bem juntos. A maioria dos samples resulta de looping [processo que resulta da repetição dos trechos musicais]. A melodia e o ritmo chegam depois de várias audições. Como fico impaciente., despendo algumas horas na canção e depois tenho que tirá-la cá para fora. As minhas canções favoritas são as que perco menos tempo.

Mesmo a "Carrots"?

A "Carrots" foi feita a parir de três partes bem distintas. Quando me apercebi que todas elas tinham o mesmo pitch [tom], "colei-as" tal e qual um DJ.

Como no Dub?

Sim.

Foste directamente influenciado por outros músicos?

Aí está uma pergunta que nunca respondo muito bem. Assim, para o [art-book do] próximo álbum, fiz um painel que ilustra a música que me influenciou.

Podes nomear alguns nomes?

Lee Perry, Luomo, Basic Channel, Wolfgang Voigt, Cat Stevens... Adoro o Cat Stevens. Ouvi dizer que, por questões religiosas, ele se recusa a tocar. Se ele por ventura regressava seria um sucesso.

Quem mais?

The Police.

Não consigo descortiná-los na tua música...

O baterista deles é a minha maior influência enquanto executante de bateria… King Tubby, Marley… Todos os grandes ícones do Reagge, Dub.

Ainda há pouco, enquanto tocavas, ouvia-te cantar sem efeitos e recordaste-me os velhos cantores jamaicanos...

Tem que ser a primeira parte da "Carrots", faço umas quantas coisas doidas. É verdade que se perde muito com toda a reverberação.

Estás a pensar em apresentar o novo disco ao vivo?

Estou a trabalhar para isso, mas parece-me tão difícil… Acho que vou acabar por tocar três concertos pelos E.U.A e outros tantos pela Europa, pelas grandes metrópoles. Tenho muitas pessoas a quem quero satisfazer: a mim próprio, à editora que está a lançar o disco, à minha família, à minha mulher, ao meu bebé…

Podias abrir para os Animal Collective?

É verdade, mas….

Talvez fosse demasiado intenso?

Assustar-me-ia desdobrar-me todas as noites em dois espectáculos diferentes. E depois seria como se pretendesse vender dois espectáculos num só… não sei, talvez, quem sabe?

Não te sentes muito pressionado? Nem relativamente aos Animal Collective?

[risos] Nada mesmo. Sempre senti que quando for altura para parar, não terei dúvidas. Não estou muito preocupado.


Sérgio Hydalgo
sergiohydalgo@gmail.com
28/03/2007