ENTREVISTAS
Franz Hautzinger
Chove chuva
· 02 Ago 2014 · 14:50 ·
No ano de 2004 o trompetista austríaco Franz Hautzinger passou pelo Jazz em Agosto, o festival de jazz da Gulbenkian. Veio acompanhado pela sua Regenorchestra XI (um supergrupo que incluía Christian Fennez e Luc Ex, entre outros) e levou à Gulbenkian um jazz tenebroso, electrificado e continuadamente supreendente. Passada uma década, o trompetista está de regresso ao mesmo palco, desta vez acompanhado por um grupo diferente, mas não menos portentoso, o quarteto Big Rain. Desta vez o trompetista actua na companhia de Keiji Haino (guitarra eléctrica e voz), Jamaladeen Tacuma (baixo eléctrico) e Hamid Drake (bateria e percussão). A propósito da sua passagem pelo Jazz em Agosto 2014, estivemos à conversa com o imprevisível Franz Hautzinger.
© Daniel Cemborek
Como é que se começou a interessar pelo jazz?

Era criança assisti a um concerto do trompetista Marvin “Hannibal” Peterson, na Jazzgalerie Nickelsdorf, no ano de 1974. Os meus primos mais velhos levaram-me e foi incrível, foi absolutamente inspirador. Tinha 12 anos e esse concerto mudou a minha vida. Foi a partir desse momento que decidi ser trompetista de jazz.

Porque escolheu tocar o trompete?

Eu cresci numa quinta e lá na aldeia havia uma banda filarmónica, foi lá que aprendi a tocar trompete. Mais tarde comecei a interessar-me por outras músicas, pela música árabe, pela música microtonal... Foi por acaso que arranjei este este trompete [“quartertone”], e este tipo especial de trompete acabou por me ajudar a desenvolver o meu próprio som e estilo. Gosto do som deste trompete e do “feeling” que ele consegue transmitir. Sou um grande fã de trompetes…



Como se processou a procura e evolução do seu som, até ter alcançado o som que tem hoje?

Não foi fácil… Quando tinha 20 anos, fiquei com o lábio paralisado e não pude tocar de forma adequada durante cerca de dez anos… Foi por isso que recomecei mais tarde, e posteriormente entrei na cena da música abstracta. Essa música abstracta deu-me a oportunidade de desenvolver o meu próprio som, o meu material e as minhas estruturas… O disco Gomberg [trompete solo] foi gravado por volta do ano 2000, a partir daí tive a possibilidade de explorar mais além.

Quem foram as suas maiores influências no trompete?

Eu sou fã do instrumento, do trompete! As minhas principais influências foram Marvin “Hannibal” Peterson, Bill Dixon, Miles Davis, Woody Shaw, Don Cherry, Dizzy Gillespie, Jon Hassell, Hugh Masekela… e centenas de outros grandes trompetistas…

Já tocou e colaborou com músicos muito diferentes, como Derek Bailey, Keith Rowe, Axel Dörner, Christian Fennesz e Otomo Yoshihide, entre muitos outros. O que ganhou ao tocar com músicos com percursos e personalidades musicais tão distintas?

Naturalmente, quanto melhores forem os músicos com quem tocas, maior será o teu próprio desenvolvimento como músico. Cada um desses músicos com quem toquei tem o seu próprio som e a sua própria forma. É óptimo poder trabalhar com os mestres, assim tens a oportunidade de tocar ao mais alto nível.

Que música costuma ouvir, hoje em dia?

Hoje em dia eu raramente ouço música… Toco muito ao vivo, o que requer a mina total atenção, por isso os meus ouvidos e o meu cérebro têm de descansar. Em festivais gosto de ver e ouvir alguns concertos… Mas não gosto de ouvir cds.

Tocou com o seu grupo Regenorchestra XI no Jazz em Agosto 2004. O que recorda dessa actuação?

Fiquei muito feliz por ir tocar a Lisboa. No dia do concerto estávamos nervosos, porque o nosso guitarrista Karl [Ritter] estava doente e a banda não estava na melhor forma… Lembro-me do belíssimo público e do local do concerto muito bem… Espero que desta vez corra tudo muito bem e espero que seja um grande concerto!



Desta vez apresenta-se ao vivo com o projecto Big Rain? Quais são as ideias principais para este projecto?

O poder de uma grande chuva, do tempo… É este o poder que eu quero sentir no palco… Como uma tespestade… Como uma grande tempestade!...

Este projecto Big Rain tem em comum com a Regenorchestra (“orquestra da chuva”) o tema da chuva. O que diferencia a Regenorchestra?

O projecto Regenorchestra nasceu em 1995, em Londres. Surgiu como um ensemble de música contemporânea, combinado com composição e improvisação. Depois acabou por evoluir para um formato misto, mais aberto… A chuva (e o poder da natureza) é uma coisa que me fascina.

Porque escolheu para este grupo o guitarrista Keiji Haino, um músico habitualmente associado ao “noise”?

O Haino San é um artista excepcional, como bem sabemos, mas ele domina também diferentes estilos, é muito flexível. Ele tem uma das personalidades mais fortes que eu conheço. É incrível como ele faz a sua música, consegue ser selvagem e estruturada ao mesmo tempo! A ideia de o convidar para a formação desde grupo foi desde logo muito clara para mim.Estava à procura de ritmo e “noise”, estrutura e caos…

Porque escolheu juntar depois dois músicos americanos, Jamaladeen Tacuma (baixo) e Hamid Drake (bateria), para a secção rítmica?

Com o Jamal e o Hamid conseguimos ter uma secção rítmica pulsante. Eles são capazes de trabalhar no mais alto nível de energia. Juntos com o Haino desenvolvem uma música fortíssima… Intensa, poderosa.

O que poderemos esperar desta actuação no Jazz em Agosto?

Será de certeza uma enorme chuvada de fogo-de-artifício de música e som!
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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