DISCOS
Manitoba
Start Breaking My Heart
· 06 Out 2002 · 08:00 ·
Manitoba
Start Breaking My Heart
2001
Domino


Sítios oficiais:
- Manitoba
- Domino
Manitoba
Start Breaking My Heart
2001
Domino


Sítios oficiais:
- Manitoba
- Domino
Existem locais no nosso imaginário tão inacessíveis que se tornam, progressivamente, esculpidos não só pelo pouco que deles chegam mas também pelas referências quase subliminares que absorvemos. Do Canadá, apenas a polícia montada (principalmente o saudoso cabo Pendergast de “Os Dalton no Canadá”). E as vastidões semi geladas. Os alces. O frio. As cidades, quase coladas aos EUA. E as cataratas do Niagara, na fronteira com estes. A National Board of Canada.

Tem sido de lugares cada vez mais a norte que chegam as propostas mais interessantes. Pelo menos, de um ponto de vista muito específico: o ponto de vista da evolução do techno ambiental/IDM/glitch e todas as outras designações para o que o senhor Richard D. James, também conhecido por Aphex Twin, nos legou. De lugares vulgarmente acima de Sheffield, onde se situa a Warp. Designadamente a Escócia (Boards of Canada). Ou a Islândia (Sigur Ròs, Múm). Ou ainda a Noruega (Kings of Convenience).

Por isso se fala do Canadá, origem de Manitoba (aka Dan Snaith). Serão os lugares inóspitos mais propensos para a meditação, para a introspecção? Quem estiver atento aos fenómenos da música electrónica “inteligente” dirá que sim. E em relação aos “próximos passos” da IDM, como referia há pouco, é essencial esta dose de “humanização” (paradoxalmente, deixando aos poucos o organicismo), como que construindo um novo “Manifesto Futurista” feito de sintetizadores distorcidos e batidas desconstruídas. Ao mesmo tempo Kraftwerk e Harold Budd, ou, se quisermos, a meio caminho entre Kubrick e Wim Wenders. Entre as divisões matemáticas, distantes do conceito de composição musical clássico, e melodias muito minimais (roçando frequentemente fórmulas demasiado gastas de fugir à problemática da melodia) mas extremamente conseguidas.

“Start Breaking My Heart” consegue simultaneamente uma coerência sonora assinável e uma gama de sons bastante larga, quer na percussão, com tímbalos e sons mais exóticos (!), quer na utilização de guitarras ( tal como os seus parentes próximos Telefon Tel Aviv), não significando porém nenhuma aproximação a um tipo de electrónica orgânica.

A referência inevitável aos Boards of Canada está principalmente na cinemática e sublime “Children Play Well Together” (com uso da guitarra numa repetição tensa e nervosa), cheia de sons aparentes perdidos, para subitamente darem espaço a sintetizadores quentes (muito “Selected Ambient Works...”).


O álbum começa com o excelente “Dundas, Ontario” (que se metamorfoseou no meu imaginario como hipotética banda sonora do Canadá...), ambiental e percorrido por ruídos muito subtil que se transformam numa batida sóbria. Excelente. “People Eating Fruit” (o EP “debut” de Manitoba) é surpreendente na sua programação rítmica, introduzindo subtilmente alguma complexidade. Os samples vocais são gentis e indiciam uma aproximação à electrónica “infantil” dos Múm. “Mammals V Reptiles” soa muito a Tortoise (ou, de um outro ponto de vista, a “National Anthem em Kid A) com os pratos Jazzy e os sopros dissonantes. “Brandon” e o já referido “Children Play Well Together” são, talvez, os pontos mais altos de “Start Breaking My Heart”, com os seus samples analogue densos, belos, que nos remetem para uma melancolia agridoce.

Não se assustem com “Lemon Yoghourt”. Contudo, o nome da faixa parece-me uma muito bem conseguida sinestesia. Os sons são ácidos e corroem alguns ouvidos...
“James Second Haircut” é tenso, grave e exótico. All at the same time, principalmente pelas batidas inesperadas e imprevisíveis.

Até “Happy Ending” repetem-se os samples agridoces, muito azuis e, acima de tudo, quase perdidos por entre programações nos antípodas do “groove”, cerebrais e frias como Dundas, Ontario.


Dan Snaith foi para Londres em direcção ao epicentro da música electrónica. É interessante este facto. Porque o que se pode constatar em “Start Breaking My Heart” é precisamente que, apesar da globalização ser inerente a qualquer exercício estético da sociedade ocidental, surge, muito discretamente, um fenómeno de certa música electrónica que quer ser diferente, especial, única. Delicada e transcendente. Feita de batidas cerebrais mas também de emoções e samples de vozes infantis. Como se num qualquer computador perdido no Canadá (e que diz Canadá diz virtualmente qualquer sítio do mundo) coubessem os ensinamentos de Antoine De Saint Exupèry.
Nuno Cruz

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