DISCOS
Thom Yorke
The Eraser
· 10 Jul 2006 · 08:00 ·
Thom Yorke
The Eraser
2006
XL Recordings / Popstock


Sítios oficiais:
- Thom Yorke
- XL Recordings
- Popstock
Thom Yorke
The Eraser
2006
XL Recordings / Popstock


Sítios oficiais:
- Thom Yorke
- XL Recordings
- Popstock
Quando a notícia de que Thom Yorke se preparava para lançar um álbum a solo chegou à comunicação social (apenas a meio de Maio deste ano, já o álbum estaria mais do que pronto), muitos terão sido aqueles que se preparavam para finalmente poder dizer: “Aqui está a prova, os Radiohead não são intocáveis”. Mero engano, porém: The Eraser aproxima-se do estatuto de obra prima da electrónica em formato canção. Caixas de ritmos, sintetizadores, bocadinhos de sons dispersos trabalhados em laptop, riffs minimalistas transformados em base de canções (daquelas com cabeça, tronco e membros, com tudo no sítio) e a voz, a voz de Thom Yorke quase em nu frontal, reverb posto de lado. E as melodias, como elas estão lá tão claras, tão trauteáveis, no meio de um disco que tem fragmentos sonoros e subtilezas em cada esquina, dispostas em várias camadas. Pois é, ainda não foi desta que apanharam um Radiohead a fazer asneira.

The Eraser é um projecto a solo (e Yorke abomina esta palavra, vá-se lá saber porquê), mas que tem muitos pontos de contacto com os Radiohead. Em entrevista à Rolling Stone, o músico confirma que as canções foram compostas num período de tempo concentrado e isolado do trabalho da banda, mas depois tem vários descuidos: o riff de “Cymbal Rush” já era antigo, as notas de piano em “The Eraser” foram sampladas de um ensaio em casa de Jonny Greenwood, “Harrowdown Hill” (primeiro single) é do tempo de Hail to the Thief, “And It Rained All Night” (linha de baixo hipnótica e groovy) partiu de um elemento retrabalhado de “The Gloaming” e “Black Swan” tem um sample que estava na biblioteca de trabalho da banda. Ufa! Afinal em que é que ficamos, Thom? Um dia, daqui a umas décadas, vamos ter um historiador de música a remexer os arquivos e a identificar todas as torções porque passaram os sons de The Eraser. Mas nessa altura não vai ser descoberta (já nem agora é, pelo menos desde Endtroducing, de DJ Shadow) que a partir do velho se faz novo, que a partir do cortar, colar e retrabalhar se produzem monumentos: “Separava ritmos padrão e manipulava sons para chegar a algo novo”, explicou à Rolling Stone. Ouça-se “The Clock” (sim, é Thom Yorke a fazer beatboxing) e tome-se atenção: duas notas de guitarra em loop ao longo de quase toda a música. Podia ser uma desgraça, mas é brilhante.

Uma boa ponte entre o trabalho dos Radiohead e The Eraser são duas faixas de Hail to the Thief: “Backdrifts” e “The Gloaming”. Percebe-se agora de onde surgiram duas composições fortemente electrónicas e quase alienígenas no meio desse disco: da cabeça de Thom Yorke. É um bom exercício este, aliás: o piano assimétrico de “The Eraser” assemelha-se a algo como “Pyramid Song”, os sintetizadores fantasmagóricos de “Black Swan” (a mais viciante e forte música do disco) relembram “Where I End and You Begin”, “Cymbal Rush” tem uma melodia a espaços muito próxima da de “There There”. Não se esqueça porém a influência de Nigel Godrich (o “deus” dos produtores que agora vai abandonar os Radiohead), que foi o braço direito de Yorke no seu disco de estreia a solo, um trabalho que foi sendo feito enquanto este estava “aborrecido”, a viajar ou a ver televisão. Abençoado quem usa desta forma os tempos mortos.

Um lado que certamente será menos explorado mediaticamente neste disco é a sua componente de luta ecológica: o título é (também) uma referência às ondas gigantes (ilustradas de resto na capa, num desenho de estilo medieval) e inundações (a que se refere directamente “And it Rained All Night”). Mas liricamente, tal como com o uso da sua voz, Yorke é aqui mais pessoal do que na sua banda e sente-se que expressa os sentimentos de uma forma mais directa, não através de personagens. “Harrowdown Hill” (o local onde foi encontrado o corpo do inspector de armamento David Kelly) será uma das músicas mais directas e políticas da sua carreira, em que é questionado se o cientista se terá mesmo suicidado ou se terá sido assassinado. “Don't ask me, ask the ministry”, “Did I fall or was I pushed? And where's the blood?” e “You will be dispensed with when you’ve become inconvenient” são versos bem directos, convenhamos. “Atoms For Peace” é uma espécie de “Fitter Happier” (de OK Computer) sem o artifício da voz robotizada, Thom a lutar contra os seus demónios: “No more going to the dark side / with your flying saucer eyes”, diz, para concluir com “No more talk about the old days / it's time for something great”. O uso do falsete também é revelador e o próprio pano sobre o qual se desenha a música, extremamente simples (meia dúzia de notas em sintetizador), leva-nos à conclusão de que o vocalista dos Radiohead não pode ser mais frontal do que isto. Com The Eraser, Yorke fez a desintoxicação das guitarras e da mente. Se a lógica imperar, o próximo álbum do quinteto de Oxford vai ser uma experiência rock intensamente esquizofrénica.
João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net

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