DISCOS
Cursive
The Difference Between Houses and Homes
· 13 Ago 2005 · 08:00 ·
Cursive
The Difference Between Houses and Homes
2005
Saddle Creek / Ananana


Sítios oficiais:
- Cursive
- Saddle Creek
- Ananana
Cursive
The Difference Between Houses and Homes
2005
Saddle Creek / Ananana


Sítios oficiais:
- Cursive
- Saddle Creek
- Ananana
Qual é, afinal, a diferença entre “casa” e “lar”? Pronta a responder a essa e outras questões, a compilação de raridades da praxe reúne numa só rodela os EPs conhecidos aos Cursive e outras pontas soltas. O contexto encarrega-se de estabelecer “casa” como espaço habitacional carente de referência emocional e capacidade de se transformar. Assente sobre o prato oposto da balança, a definição de “lar” muda conforme a apreciação afectuosa da família, serve de espaço à cultivação dos tais vícios privados. Por sua vez, as públicas virtudes são privilegiadas com a pompa do longa-duração. O “lar” só o é enquanto inviolável a intrusos. Os Cursive têm por lar um bunker de confissões ao alcance de quem se atrever a dar passos além dos álbuns. Depois, tudo depende da margem de aceitação permitida aos turbulentos lamentos de Tim Kasher. É precisamente nessa decisão que jaz a diferença entre “casa” e “lar”.

Partindo do princípio de que o EMO conhece existência além dos cintos negros e chapéus de rede, saliente-se o pesado contributo dos Cursive para a credibilidade desse filão que ameaça ruir a cada vez que alguém inunda a MTV com lágrimas de crocodilo. A Saddle Creek, aliás, tem sido exemplar na divulgação de uma nova escola de emotividade, presidida pelo quase messiânico Conor Oberst e toda a escola Bright Eyes (por onde já passaram metade dos músicos vinculados à editora). Aos Cursive reconhece-se o mérito de quem sempre se manteve distante de uma orientação musical lamechas, sem jamais ter necessitado de roçar os extremos do screamo. Afinal, serem cotados como uma espécie de mini-Fugazi na bolsa de valores musicais não é tão condescende quanto soa.

Não se começa uma casa pelo telhado. Não foi por acaso que a banda de Omaha alcançou a convicção e sabedoria necessárias à concepção de álbuns obrigatórios dentro do género, como o conceptual Domestica ou o arrojado The Ugly Organ. Terão sido muitos os tubos de ensaio a conhecerem um fim indeterminado durante o processo de maturação de Tim Kasher como escritor de canções. The Difference Between Houses and Homes expõe o que sobrou de um critério de selecção exigente, e permite uma muito mais apurada leitura cronológica do percurso Cursive. A pontiaguda crueza de “And The Bit Just Chokes Them” (extraído ao EP Zero Hour de 1997) coloca os Cursive num patamar superior às dezenas de propostas semelhantes adiantadas pelas editoras Drive-Thru e Vagrant. De forma vincada, “Nostalgia” antevê o determinante papel da violoncelista Gretta Cohn na “orquestração” da sonoridade dos Cursive. Com essa mudança, The Ugly Organ viria a ser magnificamente épico e passional, ainda que, na sua essência, fosse apenas um disco sobre os estigmas absorvidos pela madeira de um instrumento amaldiçoado ou pelo corpo de um Pinóquio por envernizar.

Justaposto aos álbuns, The Difference Between Houses and Homes permite entender a par e passo a vontade dos Cursive. A vontade de usufruir do suposto EMO como motor capaz de conduzir a criatividade à grandiosidade de The Ugly Organ. Quando essas três letras servem os propósitos de quem partilha parte da sua intimidade e não apenas o vazio do enésimo desgosto amoroso, o mais certo será encontrar pontos comuns na diferença entre vivências individuais. Aqui vou ser miseravelmente feliz. Lar, amargo lar.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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