DISCOS
The Cure
The Cure
· 18 Jul 2004 · 08:00 ·
The Cure
The Cure
2004
Geffen


Sítios oficiais:
- The Cure
- Geffen
The Cure
The Cure
2004
Geffen


Sítios oficiais:
- The Cure
- Geffen
"O crime é a doença. Cobra é a cura.". Não me recordo de slogan mais foleiro para promover um Stallone de barba de dois dias e palito no canto da boca. Passe a redundância; será que The Cure é mesmo a cura para a relativa indiferença que vinha a assombrar a banda de Robert Smith desde Wish? É e não é. Reacendido o franchise com a colectânea de êxitos e a altamente recomendável compilação de lados B e raridades Join the Dots, chegava o momento de justificar o activo por outra razão que não rentabilizar o catálogo.
Ainda que as expectativas não estivessem no seu pico, a produção de Ross "O exorcista" Robinson suscitava alguma curiosidade adicional. Admirador confesso dos Cure e mago por detrás de discos tão devastadores quanto Relationship of Command dos At the Drive-In, Robinson foi determinante na forma como oxigenou o processo criativo. O desarmante "Lost" ou "Us or them" - poderosíssima linha de baixo a pautar um ataque verbal directo - têm direito a entrada directa na cápsula de músicas que, daqui a vinte anos, representarão o percurso dos autores de Disintegration. Isto porque correspondem aos mais flagrantes exemplos de faixas que só podiam pertencer a este registo; destoando, se inseridas em qualquer outro. É escutar para crer. Poucos esperavam um Robert Smith tão furioso e afincado no expelir da angústia que lhe vai nas entranhas.
Não será completamente descabido comparar a atitude e actual postura do vocalista à de Marlon Brando (descanse em paz) em fim de carreira: além do excesso de peso, ambos praticam a sua arte com o à vontade de quem já não precisa de provar nada a ninguém. Encargos promocionais como entrevistas e semelhantes exposições mediáticas também são dispensáveis, já que o legado artístico fala pelo performer. Ainda que não seja uma inabalável adição ao legado do grupo, The Cure apresenta-nos uma banda disposta a reinventar-se e a explorar ao máximo os seus meios para daí obter o melhor resultado. Suaram como já não acontecia há mais de uma década.
Este álbum homónimo pode bem ser a encruzilhada que satisfará - ainda que parcialmente - a vontade de fãs de longa data, órfãos do moribundo nu-metal e todos os curiosos que ainda não se renderam a um quarto de século de prazeres góticos. O segredo da longevidade prende-se ao inesgotável carisma de que usufruem e à devida distância que desde sempre mantiveram do centrifugador epicentro da indústria musical.
Desde sempre me fascinaram pela forma como dominam extremos tão opostos como o lamento de uma frustração ou a canção de engate infalível ("Let's go to bed", por exemplo). A bipolarização que cultivam permanece intocável. Basta comparar o planar dreamy de "Before three" à penosa travessia mental de uma data marcante em "Anniversary". É lamentável que a sua maior fragilidade seja a incontornável sensação de que muito do que escutamos (principalmente a partir da segunda metade da sua duração) já tenha conhecido melhor execução e genuinidade noutras paragens. Ainda que seja difícil não sentir empatia por qualquer uma destas faixas, exercícios tão indistintos quanto "Taking off" soam a quarta sequela na interminável saga "Em busca da melodia perfeita".
Feitas as contas, apesar de ser 13º capítulo na discografia da banda, nem por isso The Cure corresponde a um azarado desastre, pronto a ser rapidamente remetido ao esquecimento do escaparate de oportunidades da Worten. É sim um vistoso renascer e irrefutável prova de que Robert Smith e seus aliados ainda estão aí para as curvas. Não é a marcha fúnebre que lhes adivinham de há uns tempos para cá, porém, muito menos será o canto do cisne que há-de colocar um ponto final à exemplar carreira dos Cure.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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