Zé Bigode poderia ser a alcunha carinhosa de um qualquer senhor do talho, fazendo a vida possível num canto perdido de Alfama. Poderia ser uma personificação do país, pensada e desenhada pelo mestre Bordalo Pinheiro. Poderia ser o nome do defesa central do Arrifanense. Mas não: Zé Bigode é o nome com o qual assina um artista carioca com fome de ritmo, especialmente se vier lá da Nigéria de Fela Kuti. Afrobeat, ora pois. Sonzinho p'ra abanar a anca até cair. Do caraças, mermão, como dizem aqui os portugas.

Zé Bigode é nome de artista e também de disco, este do qual se fala, que o Bandcamp diz-nos ser o primeiro. É a estreia, é electrónica cruzada com saxofone e caos na curta abertura que dá pelo nome de "Alaafin", e depois "É Quente": o sopro vindo do mar, batendo com força no copo adocicado e enfeitado com cocktails de mil cores, numa Copacabana onde todos os génios africanos ergueram caixas-fortes e tentaram minar o sistema como puderam, dando alegria às pessoas. E de repente o Atlântico parece uma pocinha d'água - basta um salto para o atravessar.

"É Quente", sim, e mesmo que o verão já tenha oficialmente acabado ainda existirá um São Martinho disposto a conceder-nos mais dois ou três momentos de calor. Ou então podemos atravessar esse Atlântico, essa pocinha, para aquela Vera Cruz que está quase a abrir as portas ao Deus Sol, e dançar ao som de um "Maracatu De Baque Agrário", um poema de Miró da Muribeca ecoando no infinito: Urinei na ponte e inundei a cidade... Zé Bigode vai buscar a Kuti, mas também olha para dentro - para tudo aquilo que é o Brasil ou ideia de Brasil. Tem afrobeat, tem samba, tem o hip-hop de "7 Caminhos" e a melancolia de "Numa Esquina Da Lapa". Mais do que isso, tem festa. E seja qual for o lado do Atlântico em que se more, todos precisamos de um pouco de festa.