DISCOS
Sampladélicos
Não Nos Deixeis Cair em Tradição
· 07 Set 2016 · 11:45 ·
Sampladélicos
Não Nos Deixeis Cair em Tradição
2016
NOS Discos


Sítios oficiais:
- NOS Discos
Sampladélicos
Não Nos Deixeis Cair em Tradição
2016
NOS Discos


Sítios oficiais:
- NOS Discos
O Portugal que sobreviverá a todos os regimes, a todas as crises.
Interrogo-me há anos: como fazer da nossa música popular algo genuinamente interessante para que os millennials parem por um segundo e fiquem intrigados com a riqueza sonora da portugalidade. É difícil. Bombardeados que somos com a tradição musical americana, que acabou por parir o que hoje banalmente chamamos de música pop, focamo-nos no que nos é apresentado em empurrões de industrialização massiva, nunca nos preocupando com origem dos sons.

Atrasados que fomos pelo tempo da outra senhora – tão determinada a formatar uma nação à máxima Deus, Pátria e Família –, o fado foi a música certa para um regime que almejava solidificar nostalgias nos estados de alma. Mais: as charadas revisteiras – que tanto entretiveram as salas do Parque Mayer, e que a dada altura do ano, refaziam-se em desfiles nos Santos Populares –; As rábulas teatradas que mistificaram as ondas da Emissora Nacional. Tudo com a pura intenção gerar energia positiva, orgulho patriótico, unidade. Portugal era um país acanhado. Manipulado pelos seus. Limitado pelas elites retrógradas.

Apesar da propaganda a fazer imagem de um Portugal enorme, imperialista, na graça dos seus heróis, e aos olhos de Deus, o país profundo era rural, genuíno, bruto – em bom sentido! O Estado Novo reprimiu de norte a sul demasiadas tradições pseudo-cristãs, tudo o que tivesse origens pagãs – os Caretos transmontanos vêm-me à ideia –, não porque fossem ofensivas aos olhos de Deus mas, porque poderiam inspirar o reaccionarismo. Por mais força a impor o certo à verdade, o estado de alma, a ancestralidade, os maneirismos passados de pais para filhos, dada memória de uma história – séria ou profana –, de uma melodia, de um refrão, de um pregão, de uma canção, de uma dança, de um prato à mesa, a pureza, o carácter da terra vingaram: tal massa de culturalismo era/ seria difícil de circunscrever – ainda mais impossível de erradicar.

A singela Identidade de um povo e dos seus costumes. Costumes irredutíveis.

Tiago Pereira e Sílvio Rosado são os Sampladélicos. E da missão de vida fizeram captar sons. Os sons! Enquadrá-los. Articulá-los. Dar-lhes vida. Recontextalizá-los. No fundo, pegaram no que há de mais de profundo na nossa musicalidade – espiritualidade, identidade, os costumes irredutíveis – e abraçaram tudo para gerar um reportório que fosse além da formalidade de criar uma Torre do Tombo feita sons. Que fosse além de uma mera catalogação de postais sonoros do nosso passado.

Não Nos Deixeis Cair em Tradição é um disco de sons perdidos – e em vias de extinção? – numa era de perdição. De má memória. Imediatista. Pegar em bombos - em rufos - em pregões - e no que o diabo o carregue -, samplar tudo, gerar drama, sentimentalismo nacional, nostalgia sem lamechices e, no final, apresentar um som estruturado e moderno, que novas gerações possam apreciar, e até dançar ao gosto do GROOVE português – sim, porque nós temos um groove nosso –, sem embaraços, constrangimentos do bacoco saudosismo.

Electrónica enfeitiçada pelo sopro em búzios, pelos assobios dos pastores, ou amoladores “manda-chuva” prontos a reparar as varas tortas de um guarda-chuva, a afiar uma faca ou uma tesoura; ambientes arrancados à guitarra de arame ou aos cavaquinhos (ou as ovelhinhas – as saudades que há do Chill Out dos KLF, obra que parece espiritualizar parte deste disco pelo field recording campal). Ainda o vibrar à cadência de rufos, de teares.

Não Nos Deixeis Cair em Tradição não força portugalidade pelo goto abaixo. É esclarecedor. Respeitador da memória colectiva. Mas também sabe soltar-se. Dar-se à modernidade sem preconceitos – aqui e ali lembra o que os que os Sétima Legião fizeram pela nossa música no esquecido “Sexto Sentido”. Não Nos Deixeis Cair em Tradição é muito mais que um catálogo de sons antigos. Honestamente: mostra o Portugal puro, de mãos calejadas; que os nossos avós amavam; um Portugal, que por triste norma nos últimos anos, é tido pelos media verborreicos-condescendentes como o Portugal-Esquecido por força da emigração, da desertificação. O Portugal perdido? Nada disso. Jovens: é o Portugal rico.s Cair em Tradição não força portugalidade pelo goto abaixo. É esclarecedor. Respeitador da memória colectiva. Mas também sabe soltar-se. Dar-se à modernidade sem preconceitos – aqui e ali lembra o que os que os Sétima Legião fizeram pela nossa música no esquecido “Sexto Sentido”. Não Nos Deixeis Cair em Tradição é muito mais que um catálogo de sons antigos. Honestamente: mostra o Portugal puro, de mãos calejadas; que os nossos avós amavam; um Portugal, que por triste norma nos últimos anos, é tido pelos media verborreicos-condescendentes como o Portugal-Esquecido por força da emigração, da desertificação. O Portugal perdido? Nada disso. Jovens: é o Portugal rico.
Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com

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