DISCOS
Cannibal Ox
Blade Of The Ronin
· 03 Mar 2015 · 11:04 ·
Cannibal Ox
Blade Of The Ronin
2015
IGC Records


Sítios oficiais:
- Cannibal Ox
Cannibal Ox
Blade Of The Ronin
2015
IGC Records


Sítios oficiais:
- Cannibal Ox
O espaço visto da Terra.
Um Ronin, diz a história japonesa, era um samurai sem mestre ou senhor, durante o período feudal. Como fazer analogia entre este pedaço de conhecimento, e o segundo álbum dos Cannibal Ox? Talvez pela tradução de Ronin como “vagabundo” ou “homem que vagueia”. Pois que é complicado encontrar paz e afluência nas rimas de Vordul Mega e Vast Aire. Autoconfiança não está em falta. Nem a capacidade de encontrar o transcendente nos cenários menos paradisíacos. Mas nada em Blade Of The Ronin se assemelha a qualquer tipo de conforto material. A Nova Iorque deste disco é tão fria como a de Liquid Swordz de GZA. Apenas menos criminológica. E eis que, 14 anos depois do superlativo The Cold Vein, um dos melhores álbuns hip-hop de sempre, e na altura em que já poucos esperariam sequer – embora mantivessem sempre a esperança – que um dia os Cannibal Ox voltassem a gravar um álbum. 14 anos depois, Vordul Mega e Vast Aire deram corpo à imaginação mais optimista. ”Blade Of The Ronin” é arte do domínio do fantástico. Em qualidade, e em imaginário.

Os dois MCs complementam-se perfeitamente em termos de estilos. Vordul Mega é mais sereno, com as rimas a saírem encadeadas praticamente sem pausas entre as frases. Vast Aire tem a voz mais rouca e mais agressiva, deixando que as suas palavras ganhem impacto no ouvinte antes de prosseguir. E embora não se ouça falar nas “fénixes” e “pombos” que povoavam o álbum anterior, as letras dos Cannibal Ox não deixam de ser altamente fascinantes, criativas, e repletas de cenários que valem a pena escutar uma, duas, três, várias vezes. O efeito é elevatório. Anti-gravitacional mesmo. Psicadélico, ou até porventura pertencente a um género a que se poderá chamar space-hip-hop. Não se fala aqui em cloud rap. Os Cannibal Ox vêm o mundo com demasiada nitidez para poderem ser confundidos com qualquer apreciador de outros tipos de fumos. Nada de errado com quem o faz. Simplesmente, há quem precise de ter todos os sentidos ultra-alerta. Sobretudo o olhar, que vê para além do mundano.

Uma das marcas mais distintas de The Cold Vein era a produção de El-P. Em Blade Of The Ronin, o Sr. Def Jux (RIP) está ausente. Em contrapartida, aqueles que tomaram o seu lugar souberam combinar com elevada perícia o boom-bap e o scratch com uma quantidade de efeitos, sintéticos e orgânicos, que transportam o ouvinte para um combate 3D de ninjas equipados com lightsabers, lasers que entram olhos dentro, vozes descarnadas desprovidas de sílabas, etc. E se nenhum dos convidados desmerece a presença, é obrigatório destacar a fantástica e voraz prestação de MF Doom em “Iron Rose”. Absolutamente esmagadora, e no entanto, não bate os dois MCs dos Cannibal Ox. É assim tão bom que Blade Of The Ronin é.

Curiosamente, o disco não se esquece dos refrões. Eles estão bem nítidos nas 14 músicas (as outras 5 são skits e interlúdios) que o compõem. Mas desde quando é que isso, por si só, deve constituir qualquer espécie de problema? Blade Of The Ronin é uma lição de dois mestres. A prova de que os tempos em que ausências prolongadas nos faziam temer pela qualidade dos discos seguintes pertencem ao passado (Stone Roses o quê?) Nova Iorque, nas mãos dos Cannibal Ox pode soar inóspita. Só que também soa fascinante e imperdível. Dois discos, duas obras-primas incontornáveis.
Nuno Proença
nunoproenca@gmail.com

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