DISCOS
Deolinda
Canção ao Lado
· 22 Out 2008 · 23:37 ·
Deolinda
Canção ao Lado
2008
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Sítios oficiais:
- Deolinda
- iPlay
Deolinda
Canção ao Lado
2008
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Sítios oficiais:
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Há cantares expressivos, melodias alegres e muito humor num fado desmistificado que prova, afinal, que nem tudo o que é top é uma seca.
É o Portugal antigo e popular que serve de base à música dos Deolinda e ao círculo social e pessoal da Deolinda, a personagem suburbana de xaile nas costas e alma do fado, que anda na vida em folia e de mão dada com os pequenos prazeres que alimentam a sucessão dos dias em ruas com calçada e casas com rendinhas sobre as mesas. Mas sendo esse o mote, não é de maneira nenhuma o combustível que alimenta o surpreendente Canção ao Lado, disco de estreia do quarteto de Benfica, que vive muito da criatividade e imaginação de quem escreve e compõe as letras, com os olhos postos nesse imaginário popular mas com a cabeça em muitos outros lugares.

Reside na capacidade de criação das músicas e das letras e na sua qualidade interpretativa o grande espanto de quem se confronta com a música dos Deolinda, hábil na caracterização que faz do universo de que trata. Há doses certas de humor, sátira, ternura e expressividade cruzadas em letras com engenho como não se via em novos projectos de música portuguesa vai para muitos anos. Em muitas delas há interpretações e sentidos menos óbvios, mas a transparência é transversal a quase todo o álbum. Trautear logo à segunda audição a maioria dos temas deve muito a essa capacidade de clarividência e tiro-certeiro-no-alvo das letras, mas também à aparente facilidade em fazer melodias orelhudas, imaculada na capacidade de quem as compõe. Fica a dúvida se é da produção ou do conjunto de instrumentos usados que sobressai a falta da subtileza, da gentileza ou do brilho próprio dos grandes do género, nem os silêncios soam verbais como naqueles. Falta o casto beijo, o toque que talvez só a maturidade traga.

Sente-se um fenómeno semelhante na escrita das letras. Estão recheadas de histórias e pormenores reluzentes, que lhes dão um valor raro, mas não foram tão trabalhadas quanto deviam, por exemplo na escolha de algumas palavras ou expressões, que nem sempre parecem adequadas e verosímeis. Fará sentido a Deolinda ter amigas que gostam de música experimental ou electro-acústica? Dificilmente, diríamos, e serve a toada como enaltecimento do criador em detrimento da coerência da criação. Pormenores, é certo. Mas que transferem para um próximo álbum a possibilidade de um marco na história da música portuguesa.
Tiago Gonçalves
tgoncalves@bodyspace.net

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