Três concertos, três. Em tempos como os nossos, um evento que reúna três nomes
como os que a noite de 2 de Fevereiro de 2005 reuniu no Passos Manuel - local
cada vez mais apostado em receber grandes nomes actuais da música que realmente
interessa - não significa nada senão devoção cega e obediente. O primeiro
nome a subir a palco foi Ariel Pink’s Haunted Graffiti, liderado pelo excêntrico
Pink, convenientemente vestido por uma camisola cor de laranja às bolinhas
verdes, o que acaba por ser quase que um belo resumo da sua música. Passo
a explicar. Imagine-se o que seria pegar na pop mais rechonchuda e catchy dos anos 70 e 80, injectar-lhe alguma acidez, rodeá-la de elementos bizarros,
sussurros, muitas vozes e estalidos, gravar tudo em cassetes velhas em modo
mono e colocar tudo isto ao sol numa tarde de Verão em que o calor resvala
na face. Ariel Pink’s Haunted Graffiti é tudo isto e algo mais. Em disco,
Pink tocou todos os instrumentos. Ao vivo, conta com a ajuda de três músicos
para a concretização dos temas: um nos teclados e vozes, um na manipulação
de vozes, outro no baixo e vozes e Pink, ele mesmo, na guitarra e nas vozes.
Vozes, vozes, vozes. Pois, às vezes cantado, às vezes sussurrado, às vezes
em coro, mas, acima de tudo, uma espécie de “voz ensemble”. Tudo isto com
o modo lo fi no máximo. Por vezes, tudo parece demasiado desconexo,
perdido, ausente de estrutura mas no fim tudo parece fazer sentido. Pink tem
um sentido pop notável e as canções foram seguindo-se quase sem parar. É favor
agradecer aos Animal Collective e à Paw Tracks pelo facto de terem ido desencantar
Pink a Los Angeles e terem reeditado o seu disco de estreia, The Doldrums,
verdadeiro documento revivalista (mais um), originalmente editado de forma
caseira. David Bowie deve estar orgulhoso.
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Ariel Pink's Haunted Graffiti © Tiago André |
Tentar
descrever aquilo que se passou durante a actuação de Signer, o alter-ego do
Neo-Zelandês Bevan Smith que editou no ano passado
The New Face of Smiling pela Carpark, é, na falta de melhores palavras, injusto e complicado. As coisas
começaram bem, com um tema onde os sons arrastados de uma guitarra e a voz de
Signer se misturavam no nevoeiro de um enredo electrónico, mas cedo os problemas
técnicos e uma série de adversidades deitaram por terra aquilo que parecia poder
tornar-se numa boa actuação. A guitarra custava fazer-se ouvir e até as máquinas
se portaram mal. Nem com a subida a palco da menina que acompanhava Signer as
coisas começaram a correr melhor. Ensaiaram um duo de vozes num tema fortemente
electrónico mas o dia não era de sorte e acabaram por sair do palco com ar de
desalento. Com melhor sorte, talvez o concerto tivesse durado mais tempo; com
melhor sorte, a actuação de Signer teria deixado boas impressões junto do público
do Porto.
Para fechar a noite, subiu ao palco Panda Bear (aka Noah Lennox), músico que
em 2002 fundou com Avey Tare os Animal Collective. 2004 foi o ano de aclamação
dos Animal Collective e de
Sung Tongs e, ao mesmo tempo, o ano do lançamento
do primeiro disco de Panda Bear a solo,
Young Prayer, gravado na casa
onde Noah viveu a sua infância. Aproveitou a ajuda dos músicos que acompanharam
Pink para o que às vozes diz respeito (e aos teclados, numa ou outra faixa),
e partiu para uma actuação que prova a dinâmica dos Animal Collective: nenhum
disco é igual ao anterior. A acreditar que Panda Bear editará outro disco para
breve com o material que anda a apresentar ao vivo, as mudanças são surpreendentes.
Da quietude de
Young Prayer pouco resta. Agora há ritmos constantes,
pianos atirados para cima da teia, e a voz inconfundível de Noah a cravar espiritualidade
nos temas - há sussurros, gritos e palavras de ordem. Com tudo isto, Pink parecia
dormir ao fundo do palco, enroscado em si mesmo, mas nas pausas entre as faixas
aproveitava para mandar alguns bitaites:
We need to get laid…
I speak
for myself. Na verdade, a fórmula usada agora por Panda Bear parece aproximar-se
mais dos Animal Collective dos primeiros tempos do que o trabalho criado em
Young Prayer, com um acréscimo: a vertente electrónica vem cada vez mais
à tona. O que não se esperava era um quase súbito ataque techno desencadeado
por um dos últimos temas. A registar o facto de este Panda Bear estar mais solto,
mais livre, mais natural, mais Animal Collective. No fim, já um dos elementos
da
crew Ariel Pink’s Haunted Graffiti cantava deitado no chão. Pink,
esse, continuava deitado no chão, provavelmente a restaurar-se de aventuras
prévias. E merecia. Afinal de contas, havia sido o vencedor da noite.