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Maria Rita
Coliseu do Porto, Porto
21/11/2004


Que bem que soa o português adocicado a ecoar no coliseu do Porto. Que bem que parece esse mesmo Coliseu do Porto cheio em grandes noites. Que bom que é tomar pulso à expectativa, à ansiedade – há quem passe dias, meses e quem sabe anos à espera de momentos destes – e ao desejo de tantas almas reunidas para ouvir uma só voz, ou em último caso, as sensações que emanam das palavras exaltadas por essa mesma voz. Pois bem, nos dias de hoje, falar em MPB sem referir o nome de Maria Rita é puro sacrilégio. Filha de Elis Regina e César Camargo Mariano, Maria Rita editou em 2003 o álbum de estreia – homónimo – e a partir daí nada foi igual na sua vida. Os portugueses, esses, costumam ficar de coração quebrado com estas histórias e ficam de corações e braços abertos sempre que os irmãos do outro lado do oceano pisam terras lusas. Maria Rita não é, como se pôde ver, excepção. Então, coliseu cheio, banda suporte de Maria Rita em cima do palco – teclas, contrabaixo, bateria e percussão – e entrada triunfal da Maria Rita em Palco, com direito a abrir de cortinas e tudo mais.

Puro encanto. O charme de Maria Rita, envolta num belo e sensual vestido preto, cedo mostrou ser mais do que suficiente para fazer face às expectativas. Desenganem-se aqueles que acham que Maria Rita não é “pau pra toda obra”. Logo bem cedo, na deliciosa “Paqu”, tratou de esclarecer: “Minha força não é bruta / Não sou freira nem sou puta”. E logo de seguida, apoiada por teclas intermitentes e teatrais e percussão espaçada, aproveita, no melodioso e melífluo refrão, para destruir alguns mitos generalistas e pessoais: “Porque nem toda feiticeira é corcunda / Nem toda brasileira é bunda / Meu peito não é de silicone / Sou mais macho que muito homem”. Pela aparência ninguém diria, mas com a força deste discurso e com a convicção que o diz, não nos resta senão concordar. Nesse mesmo refrão, um apontamento: não foi só a voz de Maria que se fez ouvir pelo Coliseu, mas também a de centenas de outras meninas e mulheres que cantavam alegremente. Bonito de se ver. Durou quase todo o concerto. Pouco depois, o mistério, o sonho e o desejo de “Agora só falta Você”, colorida pelas esguias linhas de contrabaixo e pelas adocicadas tonalidades impregnadas pelas teclas. Entre dois temas, alguém do público grita: “Você é linda”. Maria Rita quase cora e agradece, fazendo justiça à sua doçura. Há a habitual apresentação da banda, há as habituais ovações de resposta ao anunciar dos nomes. Há em Maria Rita todo aquele jeito de menina e os trejeitos deliciosos que são tão encantatórios como desarmantes. “Cara valente” acciona o modo bossa-nova para depois de libertar ainda mais em colorido e refrescante refrão: “Ê! Ê! / Ele não é de nada / Oiá!!! / Essa cara amarrada / É só / Um jeito de viver na pior / Ê! Ê! / Ele não é de nada / Oiá!!! / Essa cara amarrada / É só / Um jeito de viver nesse mundo de mágoas”. Deliciosa a forma como Maria Rita de desdobra em caretas, alegres “nha nha nha’s” e mais e mais trejeitos infantis. A actuação continua com a força dançável de “Lavadeira do Rio” e com o refrão acelerado: “Ê Ô! / O vento soprou! / Ê Ô! A folha caiu / Ê Ô! Cadê meu amor? / Que a noite chegou fazendo frio”. O final de “Lavadeira do rio” tornou-se tão insustentavelmente acelerado que se tornou quase caótico.

Pausa algures para Maria Rita falar da sua admiração por Lenine e contar algumas histórias relacionadas com o músico brasileiro. Os piropos por parte da plateia continuam. Ao grito de “Beleza…, Maria Rita levanta o dedo amigável e responde com graciosidade e simpatia. Ao Grito de “Gostosa” a reacção da mesma Maria Rita foi de um hilariante e simulado espanto, boca aberta. Mas o melhor estava guardado mais para o fim, já no encore: “Encontros e Despedidas” é um hino, um hino aos encontros e – adivinharam – despedidas. É um concentrado de emoções à flor da pele, a banda sonora de todos aqueles que com um abraço e algumas lágrimas se despedem, de todos aqueles que com um abraço e um sorriso recebem alguém tão especial como a vida. Pano de fundo: as estações, os comboios, o lugar de retorno e encontro, tela colorida pelo frio, pela saudade, o fumo dos comboios que chegam, o fumo dos comboios que partem; a paisagem que se desenrola aos olhos de quem chora por partir, de quem chora por chegar. Nas palavras de Maria Rita, o quase poema: "Todos os dias é um vai-e-vem / A vida se repete na estação / Tem gente que chega pra ficar / Tem gente que vai pra nunca mais / Tem gente que vem e quer voltar / Tem gente que vai e quer ficar / Tem gente que veio só olhar / Tem gente a sorrir e a chorar".

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
21/11/2004