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alias
Maus Hábitos, Porto
08/10/2004


A chegada ao Maus Hábitos reservava surpresas agrícolas. Passo a explicar. O espectáculo de stand up comedy com Miguel Barros – Cromo Sapiens – instalou-se na cidade do Porto por uns tempos. Durante estas actuações é pedido ao público que se atirem tomates – gentilmente oferecidos pelo próprio Miguel Barros e pela actriz Susana Arrais, que participa também no espectáculo – enquanto Miguel teoriza sobre os portugueses, os insultos mais fortes – por decisão unânime ficou estabelecido que “mata a tua mãe e faz arroz de puta” seria o vencedor incontestado – e sobre a situação política de Portugal. Voaram tomates, muitos, e voaram mesmo até ao início da actuação de alias, numa outra sala do Maus Hábitos.

© Pedro Rios

Nessa outra sala voavam batidas, iniciava-se uma sessão de hip-hop instrumental. É que se é verdade que em The Other Side of the Looking Glass, o álbum de estreia de Brendon Whitney a.k.a. alias, membro do colectivo Anticon, a voz é utilizada como arma de arremesso, impulso de contestação, em Muted, o último registo, editado em 2003, privilegia as batidas no lugar da linguagem falada. Esses temas instrumentais – que preencheram a primeira metade do concerto, em jeito de “live sequencing” – fizeram lembrar, aqui e ali, DJ Shadow ou mesmo os Boards of Canada – alias é um confesso admirador do trabalho dos Boards of Canada. Ouviram-se batidas intrincadas e ambiências obscurecidas para todos os gostos e feitios servidas por uma caixa de ritmos, um sampler e um teclado utilizado para criar melodias. “Caged In, Wasting Away”, do já referido Muted, acabou por ser um dos melhores momentos da noite.

Para a segunda parte da actuação – aquela onde se esperavam rimas - Brendon Whitney apresentou o DJ CD Player – um tímido discman que seria responsável pela parte instrumental –, chegou-se mais perto do público e partiu para uma série de temas que com o seu decidido rapping – no primeiro tema com voz, as palavras pareciam sair à velocidade da luz. Como não podia deixar de ser, The Other Side of the Looking Glass foi passagem obrigatória. Houve também espaço para algumas mensagens que iam ao encontro aos detractores da Anticon e algumas histórias mais ou menos curiosas do mundo do hip-hop. Desculpou-se pela sua idade – uns pouco visíveis trinta anos – e remeteu para ela mesma todas as culpas no caso de alguma coisa correr mal. Mas não correu. Não houve tomates, nem arrependimentos. Houve mais uma celebração. Quando soou o aviso da despedida, alguém no público pediu mais. Do palco, vinha o aviso: “Não tenho mais nada, nem sequer beats”. “Inventa uma beat”, gritou alguém no público. Dito, feito. Passados alguns segundos, já se cozinhava um último tema instrumental - que fez lembrar de novo os sons viscerais dos Boards of Canada - para encerrar em grande uma actuação que o próprio Brendon Whitney disse querer ver repetida para breve. Com ou sem tomates.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
08/10/2004