Tradução - Joana Rei
Cesária
chegou a Granada um dia antes do concerto, não era a primeira vez que visitava
a cidade, nem que manifestava, com fervor e a sua presença, o compromisso
com projectos de beneficência na sua ilha natal e fora dela. O concerto de
Granada era um destes projectos e, dentro do Palácio de Congressos, transbordava
a alegria de um público que reivindicava a expressão máxima do heterogéneo.
Cizé, ou a rainha da morna, um estilo musical cabo-verdiano associado às ilhas,
que combina as percussões do oeste africano com o fado português e o samba
brasileiro, trouxe até nós Voz d’amor (BMG), o seu novo álbum gravado
em Paris, La Habana e Rio de Janeiro, que inclui o tema “Jardim Prometido”,
uma versão dos Greenfields feita por Cesária, com arranjos do letrista Teófilo
Chantre. São temas impregnados de nostalgia, de uma triste melancolia colonial,
aragens do Brasil, Cuba e Madagáscar, os países de origem dos músicos que
a acompanham na sua digressão. Fiel aos seus costumes cénicos, acendeu e desfrutou
de um cigarro, iluminado por focos azuis, sentada em frente de uma mesa.
O ritmo calmo desta senhora serve de lição radical a qualquer stressado.
A força de quem não teme o (passar do) tempo é a dignidade de quem o transforma
em sabedoria, e é isso que percebe quem observa Cesária. Na sala, alguns pares
trocaram os aplausos pela dança, marcando com estilo passos e uma euforia
indisfarçável. A sensação que emana de um concerto de Cizé está muito longe
de qualquer outra proporcionada por um concerto de um artista ocidental, ela
é uma mulher africana que nos traz uma ilha e a desnuda no palco e nos empresta
os seus olhos, a voz e a percepção de quem contempla o mundo desde a sua austera
ilha vulcânica de onde zarpam barcos carregados de histórias que furtam emoções.
A minha acompanhante (uma rapariga cativada) retransmitia o concerto a espaços,
pelo telemóvel, e o meu espírito desfazia-se como as ondas, o sorriso calmo
depois das notícias da passagem de Cesária pela minha cidade, a do final da
conferência de imprensa, quando atravessa a rua e vai directamente a uma loja
dos 300, mata-me de curiosidade saber o que comprou, ou se foi este apenas
um gesto irónico de olhar para nós, fechados na nossa ampla e vasta ilha material.
A despedida do público traduziu-se em quatro mil pés batendo no chão, quatro
mil mãos aplaudindo e novamente a dúvida se a decoração suportaria a emoção…
Cesária Évora: “A morna tem um tronco comum com o fado português e o samba
brasileiro. É a nossa forma de expressar sentimentos, é a nostalgia, a emigração,
o clima, as gentes da ilha, talvez o soul levado a estas latitudes. Existem
grandes semelhanças musicais entre o Brasil, Cuba e Cabo Verde. A nossa maneira
de viver é parecida e aos brasileiros e portugueses une-nos ainda o português.”