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Cesária Évora
Palácio de Congressos de Granada
16/03/2004


Tradução - Joana Rei

Cesária chegou a Granada um dia antes do concerto, não era a primeira vez que visitava a cidade, nem que manifestava, com fervor e a sua presença, o compromisso com projectos de beneficência na sua ilha natal e fora dela. O concerto de Granada era um destes projectos e, dentro do Palácio de Congressos, transbordava a alegria de um público que reivindicava a expressão máxima do heterogéneo.

Cizé, ou a rainha da morna, um estilo musical cabo-verdiano associado às ilhas, que combina as percussões do oeste africano com o fado português e o samba brasileiro, trouxe até nós Voz d’amor (BMG), o seu novo álbum gravado em Paris, La Habana e Rio de Janeiro, que inclui o tema “Jardim Prometido”, uma versão dos Greenfields feita por Cesária, com arranjos do letrista Teófilo Chantre. São temas impregnados de nostalgia, de uma triste melancolia colonial, aragens do Brasil, Cuba e Madagáscar, os países de origem dos músicos que a acompanham na sua digressão. Fiel aos seus costumes cénicos, acendeu e desfrutou de um cigarro, iluminado por focos azuis, sentada em frente de uma mesa.

O ritmo calmo desta senhora serve de lição radical a qualquer stressado. A força de quem não teme o (passar do) tempo é a dignidade de quem o transforma em sabedoria, e é isso que percebe quem observa Cesária. Na sala, alguns pares trocaram os aplausos pela dança, marcando com estilo passos e uma euforia indisfarçável. A sensação que emana de um concerto de Cizé está muito longe de qualquer outra proporcionada por um concerto de um artista ocidental, ela é uma mulher africana que nos traz uma ilha e a desnuda no palco e nos empresta os seus olhos, a voz e a percepção de quem contempla o mundo desde a sua austera ilha vulcânica de onde zarpam barcos carregados de histórias que furtam emoções.

A minha acompanhante (uma rapariga cativada) retransmitia o concerto a espaços, pelo telemóvel, e o meu espírito desfazia-se como as ondas, o sorriso calmo depois das notícias da passagem de Cesária pela minha cidade, a do final da conferência de imprensa, quando atravessa a rua e vai directamente a uma loja dos 300, mata-me de curiosidade saber o que comprou, ou se foi este apenas um gesto irónico de olhar para nós, fechados na nossa ampla e vasta ilha material.

A despedida do público traduziu-se em quatro mil pés batendo no chão, quatro mil mãos aplaudindo e novamente a dúvida se a decoração suportaria a emoção…

Cesária Évora: “A morna tem um tronco comum com o fado português e o samba brasileiro. É a nossa forma de expressar sentimentos, é a nostalgia, a emigração, o clima, as gentes da ilha, talvez o soul levado a estas latitudes. Existem grandes semelhanças musicais entre o Brasil, Cuba e Cabo Verde. A nossa maneira de viver é parecida e aos brasileiros e portugueses une-nos ainda o português.”


Antonia Ortega Urbano
antonia@bodyspace.net
16/03/2004