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Calexico
Hard Club, Gaia
28/04/2004


Por uma noite, por uma só noite, o Hard Club tornou-se na “casa del Calexico”. Joey Burns e John Convertino, núcleo duro dos Calexico, trouxeram cinco amigos, roupa, instrumentos (muitos) directamente de Tucson e instalaram-se em Gaia para mais um concerto da orquestra Mariachi. A última vez que os Calexico pisaram terras nacionais tinha sido em 2001, quando actuaram no Paradise Garage e no Hard Club (3 e 4 de Março respectivamente), e pelos vistos as saudades já eram muitas. De parte a parte, pois se o público demonstrou nutrir uma especial atenção pelos Calexico, a banda não foi mais modesta a retribuir carinho pelos presentes.

Em palco, os seis músicos (ocasionalmente sete, pois um dos membros da banda ia saindo e entrando em palco consoante as canções que estivessem a ser apresentadas) distribuíam-se em guitarras acústicas e eléctricas, bateria, acordeão, pedal steel, trompetes, contrabaixo, órgão, vibrafone, maracas e outros pequenos instrumentos de percussão. Joey Burns, o front man dos Calexico, seguro, conduzia as canções ora de forma acústica, ora de forma eléctrica a bem ruidosa. Aliás, o mais curioso na actuação dos Calexico é a sequência dos temas que, aleatoriamente, são contemplativos ou festivos. Quando meditativos ("Quattro (World Drifts In)" e "Woven Birds"), os Calexico conseguem ser tocantes, tal é a melancolia concentrada nas palavras de Joey. Em "Quatro (World Drifts In)" diz-se: “In a light, ashamed and humiliated / In a time, sacrificed for the sake of trade / The soul is bent, feels the weight of truth / Falling through / Left behind, no choice but to run to the mountains / Where no poppies grow, you have to hit the ground running”. E o público mantinha-se silencioso. Quando os Calexico enveredam pelo estilo que os torna peculiares ("Güero Canelo"), instaura-se a romaria. Aí, os espectadores, com os braços no ar, batiam palmas matematicamente cronometradas com o rodar da cabeça de um lado para o outro enquanto saltitavam. Projecta-se na mente de cada um uma dançarina sensual no meio de uma qualquer praça em Guadalajara, rodeada por homens que, de joelhos, aplaudem o acto sedutor; projecta-se, ainda mentalmente, um duelo pistoleiro que resultará inevitavelmente numa morte. Na verdade, na tela branca que escondia o backstage exibiam-se imagens bizarras, de caras ou desenhos, e até um carro antiquíssimo, talvez um Chevrolet, que gostamos de imaginar vermelho e repleto de belas mexicanas que gritam e cantam enquanto bebem tequila e margaritas. Do palco saíam divertidos “rrrrrrrrrrrr” ou uivos redneck ao que o público respondia com “olés”, e mais uivos.

Ao vivo, as canções ganham ainda maior substância, tornam-se mais cheias, corpulentas. Os pormenores ganham mais importância do que o corpo da canção. Os trompetes, por exemplo, são vitais na obtenção de emoção. E se o concerto foi acima de tudo baseado no último disco de originais, Feast of Wire, também não foram esquecidos os registos mais antigos dos Calexico. Passou-se por Aerocalexico (“Crystal Frontier”), Hot Rail (“El Picador”), The Black Light (“Minas de Cobre (For Better Metal)”, “Stray”) e ainda pelo EP que os Calexico editaram no corrente ano, Convict Pool em temas como “Alone Again Or”.

Por vezes, Joey Burns, por entre as canções, falava com o público e demonstrava especial devoção pela sala onde recorda ter passado um dia após os terríveis acontecimentos de Entre-os-Rios, em 2001. Confessa-se admirado com a vista que as janelas do Hard Club proporcionam, e com as imagens do “mar, humm, rio” que admite serem inspiradoras.

Para o primeiro encore estavam reservadas quatro canções, entre as quais uma versão do clássico “Love Will Tear Us Apart” dos Joy Division, com trompete incluído. Voltariam uma vez mais para um segundo encore e despediam-se depois sob fortes aplausos. O público estava satisfeito (e talvez rouco) e Ennio Morricone e Quentin Tarantino também estariam se apenas tivessem posto os pés no Hard Club. Os Calexico comem malaguetas mas não apanham úlceras.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
28/04/2004