© André Gomes |
Desenganem-se aqueles que pensam que o Rock in Rio vai acontecer em Lisboa no mês de Maio e Junho. Aconteceu na noite de dez para onze de Abril, no barco Gandufe (também conhecido na sua versão bar como Porto Rio), algures no rio Douro. Não havia Sting, Evanescence, Britney Spears ou Alejandro Sanz. E não, também não havia João Pedro Pais. Havia Bunnyranch, um dos filhos rebeldes (haverá algum que não o seja?) dos Tédio Boys, liderados pelo mais do que excêntrico Kaló. Mas este barco que serviu de montra para o espectáculo podia muito bem estar a navegar pelas águas calmas e profundas do Mississipi. Blues infestado de rock, ou rock infestado de blues? Ninguém tem muito bem a certeza, mas a verdade é que se o EP Too Flop to Boogie tinha acendido o rastilho, Trying To Lose, o novo disco dos conimbricenses, é a bomba rock que faltava para acertar a confirmação dos Bunnyranch como uma das bandas mais excitantes do momento em Portugal. Das pequenas janelas desse mesmo barco via-se a cidade do Porto iluminada pelas luzes ténues das ruas, e um monte de ratazanas que, junto à margem do rio, devoravam um desafortunado peixe que serviria de banquete para os esfomeados bichos.
Depois do concerto de apresentação do novo álbum, que aconteceu no Museu dos Transportes, em Coimbra, no primeiro dia do mês de Abril, os Bunnyranch apresentavam-se na Invicta numa sala longe de estar repleta. Havia punks, freaks e até mesmo uma miúda, acompanhada pelo pai, rocker inveterado, que carregava uma pequena boneca. Era já domingo de Páscoa quando os Bunnyranch entraram em palco, e não perderam sequer um segundo para que se começasse a fazer rock. Kaló tocava bateria em pé e cantava. Não raras vezes rodava em volta da bateria, tocava e dançava, qual Joaquin Cortez, de baquetas nas mãos, nos bolsos das calças, em todo o lado. André Ferrão, na guitarra, incendiava o palco com os mais do que catchy riffs e Pedro Calhau, magro como o braço do seu baixo, fazia com que as batidas cardíacas não parassem. Filipe Costa, nas teclas, rematava o reboliço e fazia com que nenhuma tecla do seu Roland deixasse de se fazer ouvir. Todos, prestaram homenagem a Ry Cooder, Robert Johnson, Hank Williams e devoção aos Rolling Stones e aos Stooges.
Tom Sawyer despe os suspensórios, põe uma fita vermelha na cabeça e salta, rebola pelos campos verdes fora. Há quem faça air guitar, há quem faça air drumming, há mesmo quem faça uso de substâncias ilícitas, mas o cheiro não é suficiente para distrair o repórter até porque os Bunnyranch apresentavam a cover de "Hungry”, um original de Paul Revere and The Raiders, que aparece no alinhamento de "Too Flop to Boogie". Kaló anuncia "girl, I got this need I just can't control and it's driving me insane", e pergunta ao público se alguém tem o EP Too Flop To Boogie. Alguém da banda levanta o dedo segundos antes de Kaló, o próprio, confessar não ter o EP e avisar que está disponível para venda num dos bares. Desse mesmo EP foram apresentadas ainda "Washin' machine" e a viciante "Bunnyranch", capaz de deixar qualquer um a repetir o refrão durante horas: "I got to leave this place, i gotta do it fast / I'm on my own way to moonlight bunny ranch". Das mãos de Kaló saíam breaks impossíveis; das mãos de André Ferrão saíam relâmpagos. Todos ajudavam nos refrões, em harmonioso coro. Rodeo, Safari? As canções engatavam umas nas outras. Não havia tempo para respirar (e não me refiro só à ventilação). Seria apresentada também, entre outras canções, "Intelligent Freak", que no disco de estreia dos Bunnyranch conta com a participação do "amigo, inimigo, amigo, inimigo" Paulo Furtado.
São quatro "coelhos" que correm nesse tal rancho idealizado através da visualização de uma Hustler no ano de 1999. Quatro "coelhos" indomáveis que espalharam um perfume rock'n'roll que tardará a desaparecer das margens do Rio Douro. Tivesse Tony Wilson estado no Porto Rio a assistir ao concerto e diria que se tinha tratado de "um concerto histórico".