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No-Neck Blues Band
Casa da Música, Porto
30/05/2006


Os No-Neck Blues Band (NNCK) são uma horda de freaks em palco, munidos de guitarras anti-terrenas, percussão primitiva, instrumentos e ecos das músicas locais dos cinco continentes. São gloriosos e perdidos no fluir da improvisação, são um bando de alucinados crentes no som conjunto, sem medo que um dos companheiros empurre a música para lugares desconhecidos e, eventualmente, “errados” (não há lugares errados na arte que vive do momento).

No-Neck Blues Band © Vítor Barbosa (Casa da Música)

Foi para um corredor nascente cheio (calma, não caberão mais de 100 pessoas ali) que a mítica banda nova-iorquina encontrou na Casa da Música. Coisa rara nestas coisas da improvisação, houve até direito a um encore, o que atesta a boa recepção que o septeto teve na sala portuense que tem tido a programação mais esclarecida da cidade.

Na primeira peça, barras de metal, pratos e várias chapas formaram um clamor metálico afiado, extremamente seco e desafiante fisicamente, sem adornos. Uma guitarra eléctrica a soar a sitar desponta e surge um sintetizador e tambores a preparar o primeiro voo, longos minutos depois do início do concerto.

Como um exercício de paciência, a banda vai encontrando caminhos que se desviam da previsibilidade, mas sem mudanças bruscas - há sempre um elemento novo dentro das sete fontes de som que empurra subrepticiamente as jams para outro sítio qualquer. Nem sempre as opções tomadas são “acertadas”, mas a beleza desta música prende-se com a sua irrepetibilidade, o que se reflecte pela naturalidade com que os músicos encaram os sucessos e os insucessos das suas trips musicais.

No-Neck Blues Band © Vítor Barbosa (Casa da Música)

Depois de um voo psicadélico incrível, reminiscente do rock psicadélico de uns Amon Düül, deram por findo o concerto, mas regressariam a pedido do público. Um membro da audiência pediu que alguém cantasse e o mais barbudo dos NNCK (óculos de sol, barba até às pernas) apoderou-se do microfone para lhe fazer a vontade - canto não se ouviu mas antes berros alucinados e risíveis.

Violoncelo e metais, muitos metais, saxofone em delírios free jazz e percussão esparsa geraram a cacofonia que podia ter sido um anti-clímax se seguíssemos as tradicionais regras dos concertos rock - o que seria um erro e uma injustiça para com os NNCK. Michiko, a japonesa do grupo, sorria perante o cagaçal ali montado.

Os No-Neck foram soberbos nas suas jams esqueléticas, quase sempre rasteiras, a caminhar descalças entre o desastre e a glória. Foram e são um tratado vivo sobre a improvisação, sem academismos, mas antes enquanto prática e filosofia contínua perante o som.


Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com
30/05/2006