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Tomutonttu / Axolotl / The Skaters
Cafe La Palma, Madrid
17/05/2006


Não se pode propriamente dizer que Madrid seja um oásis no que diz respeito a propostas de música experimental ou improvisada. O indie rock está perfeitamente coberto pelas salas da capital espanhola, a música electrónica goza igualmente de bom acompanhamento. Quando surgem propostas no campo experimental torna-se obrigatório marcar presença, seja onde for. Digamos que fará falta a Madrid fazer mais vezes parte do circuito Galeria Zé dos Bois em Lisboa / Teatro Passos Manuel no Porto, que por vezes até passa por Vigo. Mas desta noite não pode haver queixas: dois projectos provenientes dos Estados Unidos e outro oriundo da Finlândia com outras tantas propostas “fora da lei” mesmo à mão de semear.

Tomuttontu © André Gomes

Aparentemente a ordem desta digressão com este trio de bandas modifica-se um dia para o outro (algo típico com as bandas desta natureza), e neste particular coube a Tomutonttu, o projecto do finlandês Jan Andrezen (líder dos Kemialiset Ystävät) iniciar a noite. Em palco podiam-se ver malas de viagem, amplificadores e uma manta freak multicolor; mais, no chão amontoavam-se pedais e maquinaria variada, apetrechos utilizados por Jan Andrezen para, numa curta actuação, desenhar construções resultantes da electrónica, de colagens e de um teclado pequeno. Desde que começou a actuação até ao momento em que terminou, Jan Andrezen, de joelhos e olhos fixos no chão, não olhou uma única vez para o público. Mostrou estar tão concentrado naquilo que estava a fazer como aqueles que estavam no público (as pouquíssimas pessoas presentes) o estavam em relação ao que estava a acontecer em palco. E havia muitos motivos para isso; as formas livres e inesperadas geradas em palco, a qualidade melódica de alguns momentos, a beleza de todos aqueles breves momentos, a elevação conseguida em poucos minutos. Se problema houve com a actuação de Tomutonttu foi precisamente por ter sido curto demais.

Depois de bastante tempo para saída em cena de Tomutonttu, Axolotl, projecto oriundo da Califórnia, foi o próximo a subir ao palco. A boy and a girl. Ele monta pedais e maquinaria e traz consigo um violino; ela sobe ao palco com um pequeno bule de chá, uma chávena e um doce e começa também a fazer ligações entre máquinas. No do processo tinham ambos microfones na mão e partiram para duas fantásticas construções onde as vozes desempenharam um papel fundamental. Procuraram um certo sentimento etéreo em todas as suas dimensões e o resultado foram belíssimas paisagens luminosas tornadas eternas pelas vozes de ambos, algo que merecia mais tempo. A actuação parece ter acabado abruptamente (o violino nem chegou a ser utilizado e por vezes, a voz de um deles produzia um feedback estranho), suspeita-se por problemas técnicos. Nenhum deles parecia muito satisfeito no final da actuação e o alvo principal parecia ser o técnico de som. Espera-se o regresso de Axolotl seja onde for, seja quando for.

Axolotl © André Gomes

Para a terceira actuação, demorou mais a saída em palco de Axolotl do que propriamente a preparação dos Skaters, duo californiano – eles não precisaram de muito, apenas que se apagassem as luzes do palco. Dito e feito. Depois disso assistiu-se a um longo ritual essencialmente composto por vozes e teclados, aproveitando a toda a altura qualquer drone produzido ou, eventualmente, nascido inesperadamente. Foi um ritual negro e cerrado aquele que se alimentou diante de todos, ajudado evidentemente pela falta de luz. O ritmo chegou por vezes introduzido pela mão de um deles (às vezes literalmente produzida num tambor), mas algo aleatoriamente e sem grande impacto na construção. Na verdade, alguns momentos na actuação dos Skaters foram mais interessantes do que outros. O duo califórnia não terá conseguido manter sempre os níveis de proveito lá em cima, ao contrário do que haviam conseguido os dois projectos anteriores. Apesar de alguns pequenos inconvenientes, foi uma bela noite de celebração das formas livres; algo absolutamente interessante e excitante de se ver e viver.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
17/05/2006