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Lee Konitz & Orquestra de Jazz de Matosinhos
Culturgest, Lisboa
10/03/2006


A principal motivação que levou o público a esgotar a lotação do grande auditório da Culturgest era evidente – a oportunidade de ver ao vivo Lee Konitz. Verdadeira lenda viva, Konitz é uma figura central na história do jazz: discípulo de Lennie Tristano, começou por se afirmar explorando no seu saxofone as lições de improvisação na companhia de gente como Warne Marsh e Billy Bauer. A carreira de Konitz progrediu para lá da influência de Tristano e, entre outros projectos, participou no noneto que gravou o celebrado Birth of the Cool (Miles Davis, 1949) e gravou, com o baterista Elvin Jones, um disco que se revelou um marco na história da improvisação no jazz: Motion (1961). Para lá de uma lista grande de discos importantes, fica na história o registo particular do seu saxofone e a sua capacidade de improvisar. Numa altura em que os heróis estão em vias de desaparecimento, são raras as ocasiões que temos de ver os ídolos ao perto. Pela sua grandeza toda, a expectativa em ver Konitz ao vivo era elevada.

O projecto apresentado na sala da Caixa Geral de Depósitos (e repetido na Casa da Música) tratou-se de uma colaboração com a Orquestra de Jazz de Matosinhos. Partindo de um repertório formado por composições de Konitz, Ohad Talmor tratou de fazer os arranjos para a big band oriunda de Matosinhos. Pressupunha-se que a ideia elementar propusesse um confronto entre dois pólos: de um lado o saxofone alto de Konitz, do outro a massa de som produzida pela orquestra. No entanto não chegou a haver qualquer confronto, as marcações demasiado rígidas determinadas por Ohad Talmor não permitiram mais que um simples diálogo definido logo à partida.

Na orquestra de jazz a secção de trombones era normalmente a primeira a participar, seguiam-se os trompetes e por fim entravam os saxofones. A secção rítmica – onde se incluía o produtor pop Mário Barreiros, na bateria - esteve eficaz, sem surpreender. Aliás, este registo foi comum a quase todos, destacando-se da mediania a guitarra de André Fernandes, particularmente notável a aproveitar efeitos. No piano foram alternando Carlos Azevedo e Pedro Guedes, directores do ensemble de Matosinhos. Sem espaço para improvisar, o grupo limitou-se a seguir as pautas, com eficácia mas sem gerar entusiasmo.

Do outro lado esteve Konitz que, do alto da sua idade e peso histórico, mostrou a sua classe. Com muito espaço para improvisar, foi desenvolvendo no seu saxofone alto variações sobre o tema principal. Contrastando com a banda, que apenas respondia pelas marcações, Lee Konitz desenvolvia os temas com calor, que arrefeciam quando a rigidez da orquestra era chamada a intervir. Do melhor da noite terá sido a peça que fechou o programa oficial, uma rapsódia que incluiu duas composições: uma dedicada a Ornette Coleman e outra denominada “September 11”, resultando num final crescente. Para o projecto – tal como inicialmente previsto – resultar em fusão verdadeira, pedia-se mais equilíbrio entre as partes e, principalmente, mais arrojo. Ainda assim, valeu bem a pena ter presenciado o veterano Lee Konitz, que não desiludiu.

Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
10/03/2006