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Fred Frith
Casa da Música, Porto
06/03/2006


O currículo de Fred Frith é invejável. Co-fundador dos Henry Cow, autores do obrigatório Unrest, músico presente em mais de 200 álbuns, colaborador com nomes como John Zorn, Looping Home Orchestra, The Residents, Robert Wyatt, Brian Eno, Gavin Bryars, Violent Femmes, René Lussier, entre outros. Editou recentemente o duplo Eleventh Hour e o registo ao vivo Live Improvisations, discos que devem ter tido muita saída para o público que se deslocou à Casa da Música, pois no final as pessoas amontoavam-se em redor da banca de CDs improvisada pelo músico britânico junto à bilheteira. É mundialmente conhecido como guitarrista mas Fred Frith domina igualmente o baixo e o violino. No concerto na Casa da Música, de entrada gratuita e de sala (a principal) quase cheia, Fred Frith dedicou-se “apenas” à guitarra. Dizer que Fred Frith passou cerca de uma hora “apenas” na guitarra pode significar pouca coisa para uns, muita para os que conhecem o seu trabalho e toda para quem assistiu ao concerto. Fred Frith impressionou na forma como retirou e produziu sons da sua guitarra, pela espontaneidade, pelo savoir faire digno de quem conhece a guitarra como a palma da sua mão. Nada ali é por acaso, tudo é fruto de um controlo impressionante do instrumento em causa, a guitarra.

Um homem só num palco enorme, dois focos de luz maioritariamente azulados e muita curiosidade. Provavelmente de parte a parte. Mas Fred Frith tomou conta das coisas muito rapidamente, após um início que pouco deixava perceber o que se ia passar daí em diante. Grande parte das vezes Fred Frith, com alguns pedais junto de si, ia gravando algumas sequencias e colocando-as em loop, engrossando assim a massa de som e atribuindo-lhe cada vez mais complexidade e profundidade – algumas das paisagens entretanto criadas revelaram-se profundamente cativantes. Mas a partir do momento em que Fred Frith se acercou dos objectos pousados na mesa de madeira ao seu lado direito nunca mais nada foi igual. Taças, aquilo que pareciam baquetas ou pequenas tiras de madeira ou plástico, arcos de violoncelo ou violino, correntes, um rádio que a certa altura deixou escapar os sons de "Staying Alive" dos Bee Gees e até saliva mesmo que, colocada no dedo, produzia vibração quando o mesmo dedo se arrastava pela guitarra.

Em certos (mas pouquíssimos) momentos usou a voz em tom profundamente silencioso; muitas vezes fez da guitarra instrumento de percussão (com a ajuda das mãos, de baquetas e outros utensílios), explorou o ruído mas na maior parte das vezes foi preciso um enorme silencio – conseguido aliás – por parte de todos para que se pudessem escutar as minudências provenientes da sua guitarra. A sensação geral era que qualquer sussurrar seria capaz de destruir aqueles momentos de criação. Momentos de uma improvisação quase sempre com os níveis de interesse e excitação lá em cima, no máximo.

O público português é caloroso, sabe-se. Mas provavelmente Fred Frith não o sabia. Saiu de palco após uma actuação praticamente sem pausas, e sob grande aplauso, voltou uma vez para agradecer, saiu, voltou ainda outra, saiu e quando voltou de novo foi mesmo obrigado a tocar mais uma composição que incluía o uso de lenços de várias cores na guitarra e outros utensílios não reconhecíveis à distância. No final anunciou que iria estar a vender discos a preços incríveis na tal banca improvisada. Fred Firth foi a figura central de uma noite que mais pareceu de sensibilização para a música improvisada. Uma belíssima iniciativa da Casa da Música, com resultados de evidente sucesso de parte a parte.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
06/03/2006