Há um problema chave com que Micah P. Hinson certamente se debate na preparação dos seus concertos: como transmitir todas as subtilezas harmónicas (teclados, cordas, instrumentos de sopro) que em disco conferem uma sumptuosidade e um sentido de plenitude às suas composições. Hinson mostrou em Famalicão que dá a volta a essa questão com a qualidade das suas canções e com o apoio de três músicos adicionais (na anterior passagem, em Maio de 2005, no Festival Tímpano, eram dois), os Gospel of Progress – na bateria, banjo/baixo e mesa de efeitos/harmónica. Para além disso, o músico tem um sentido de humor desarmante, um pouco ao jeito do “nosso” JP Simões.
Entrando em palco de maneira algo desajeitada, pediu cinco minutos para preparar o equipamento e desfez-se em desculpas: “A sério! Tenho muito orgulho no meu profissionalismo”, disse, arrancando as primeiras gargalhadas da noite. E de repente, sem aviso, começa o concerto, a solo, com “The Dreams You Left Behind”, de The Baby and the Satellite (segundo longa-duração do músico, de meados de 2005, que na realidade é anterior ao disco de estreia). Seguiram-se “The Day the Volume Won” e “Don’t Leave Now”, uma música nova. Só ao quinto tema (“Caught in Between”) entrou o baterista em palco, completando a banda, que arrancou depois para “Beneath the Rose” (primeiro grande momento do espectáculo).
© Carlos Luís Ramalhão |
Micah P. Hinson revelou-se um grande performer. Não tem uma voz doce, nem uma técnica que lhe permita grandes brilharetes, mas sobressai precisamente pelo timbre gasto que, mesmo que seja apenas por sugestão dos excessos conhecidos do seu passado, tem uma enorme qualidade: transporta carisma. E se o registo das composições navega em boa parte por territórios country (ou alternative country), o concerto (como os álbuns) não seguiu um rumo ortodoxo e teve momentos de puro rock, que foram crescendo na sua importância ao longo do alinhamento. “Wasn't 'Til She Woke Up” (muito bluesy), “The Leading Guy”, “I Still Remember” ou “Close Your Eyes” foram instantes em que os Gospel of Progress formaram um colectivo forte, alcançando picos de intensidade em que Micah P. Hinson teve espaço para aplicar muita distorção na sua guitarra, com a harmónica sempre a dar um cheiro de americana. Numa lógica diferente, de altos e baixos rítmicos, “The Possibilities” também foi um momento alto. “Don't You, Pts. 1 – 2”, com a harmónica projectada num megafone e Hinson a terminar num registo vocal perto do gutural, fechou o alinhamento principal.
No encore, o cantautor americano regressou sozinho ao palco, fez uma alusão ao seu passado atribulado e de excessos (que está ultrapassado, garantiu), e dedicou ao pai “This Old Guitar”, uma canção de John Denver. A pedido de um elemento do público, “Patience” encerrou o concerto em apoteose, com banda completa em registo totalmente rock & roll. Hinson abandonou o palco com vénias ao público da Casa das Artes (a pouco mais de meia casa), que foi elogiado por ser “muito educado”.
Na primeira parte, Erick Messler, um “miúdo” loiro que até é bem parecido com Damien Duff (jogador irlandês do Chelsea de Mourinho), actuou cerca de meia hora, apenas acompanhado da sua guitarra eléctrica, mostrando alguns dos temas que compõem o disco de estreia, Dreaming In The Royal Oaks. Para além da timidez, sobressaiu um punhado de canções curtas, de travo bluesy e folk, geralmente de tom optimista. Há ali algo de Andrew Bird (um assobio maroto, um ou outro falsete), mas falta um pouco de argúcia para que a receita resulte ao vivo. Ainda assim, deseja-se boa sorte a Erick e a Claudia, a rapariga mexicana que o músico conheceu em Madrid, e à qual dedicou um dos últimos temas. No fundo, Messler é um romântico envergonhado.