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Brad Mehldau Trio
Centro Cultural de Belém, Lisboa
10/02/2006


Já todos conhecemos a história. Um bom jogador de futebol, dotado de extraordinária capacidade técnica, com provas dadas e muitas conquistas no curriculum, tem um dia de azar e faz um mau jogo. É normal, acontece, até aos melhores. Aconteceu com Cruyff, Maradona, Eusébio, Best, Pelé. E aconteceu com Simão, no último jogo da Taça de Portugal, por exemplo. Brad Mehldau, pianista superior, não tem neste momento nada a provar. Da sua actuação no grande auditório do Centro Cultural de Belém esperava-se, pelo actual momento de brilho, um concerto memorável. Tal não aconteceu, infelizmente.

Em 2004 Mehldau encheu o CCB num concerto a solo, promovendo o magnífico disco Live In Tokyo. Desta vez fez-se acompanhar do trio que gravou Day is Done: o fiel Larry Grenadier no contrabaixo e recém-contratado Jeff Ballard na bateria. O trio entrou numa toada morna, o que é normal, mas aguardava-se que a noite fosse aquecendo. O concerto continuou, Mehldau desenvolveu alguns esboços de solos, mas a falta de inspiração era evidente. As improvisações do piano de Mehldau sobre as melodias base soavam pouco interessantes, acanhadas, inconsequentes.

O repertório, bem escolhido, trouxe algumas surpresas. A primeira foi uma versão de Chico Buarque - “O Que Será”. Outra boa surpresa foi uma recordação grunge: “Black Hole Sun” dos Soundgarden – e a liderança melódica pelo contrabaixo foi melhores momentos da noite. Ainda houve espaço para a inclusão do tradicional tema dos Radiohead (desta vez retirado de Amnesiac) e ainda outro de Nick Drake. Inesperadamente, um concerto de jazz transformou-se numa verdadeira montra de música pop. E, pelo meio de tanta pop “jazzada”, houve ainda alguns originais e standards.

O cocktail do intervalo, para lá de promover o “social” entre flutes de champagne, ainda deu esperança para a segunda parte. Engano puro. Na segunda parte o nível manteve-se. Brad Mehldau continuou em improvisos desinspirados, apesar do acompanhamento eficaz dos colegas de trio. Grenadier trabalhou para o trio o tempo quase todo, mas quando interveio destacou-se. Ballard - o substituto de Jorge Rossy, companheiro de sete anos - cumpriu, num acompanhamento atento e sóbrio (e num trio destes a bateria não se pode exaltar, sob pena de ocultar os outros).

No final, o grande auditório – esgotado – presenteou o pianista com uma ovação estrondosa. O grupo voltou ainda para três(!) encores: o primeiro com um tema bebop, depois uma versão bela de “She’s Leaving Home” dos Beatles e ainda, quando já passava da hora de ir embora, uma última música extra-programa. Foi um prolongamento forçado de um concerto que, por culpa do acaso (e essa coisa da inspiração é incontrolável), não correu da melhor maneira. Não se duvida do talento mais que comprovado de Brad Mehldau, esperemos por uma próxima oportunidade para confirmar.

Uma nota final: o público que assiste a jazz em Portugal diferencia-se do público do futebol. Enquanto que num jogo de futebol os adeptos não têm pejo em aplaudir/vaiar os intervenientes do espectáculo conforme a sua real prestação (e ainda há poucos dias o Simão Sabrosa se queixou disso mesmo), no jazz há sempre muitas palmas quer o concerto seja bom ou mau. Talvez seja, como o José Duarte comentou há dias, uma simples questão económica: como os bilhetes não são baratos, o público português tenta rentabilizar o custo do bilhete ao máximo, prolongando os concertos pelos encores. Talvez seja isso. Ou então, citando um tema dos omnipresentes Radiohead, talvez eu esteja enganado.

Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
10/02/2006