bodyspace.net


TECK String Quartet
Trem Azul, Lisboa
06/02/2006


A loja Trem Azul é actualmente um indiscutível ponto de referência no circuito de concertos de jazz e música improvisada nacional. O pequeno espaço situado no Cais do Sodré já se afirmou, para além da sua primária função mercantilista, como palco privilegiado para as novas músicas, acolhendo diversos músicos e correntes estilísticas. Por lá já passaram muitos nomes da improvisação nacional (como Ernesto Rodrigues, Manuel Mota ou Sei Miguel), ou gente do jazz (como Carlos Barretto, Carlos Martins ou Alípio Carvalho Neto), para além de nomes internacionais, como o trio de Will Houshouser. Ainda assim, apesar da relativa experiência, o Trem apresentou hoje o seu mais importante espectáculo – entre o concerto na Casa da Música e a apresentação em Faro, o TECK String Quartet mostrou-se ao público lisboeta.

Como a própria designação indica, trata-se de um quarteto de cordas, onde se reúnem quatro músicos de dimensão mundial: Elliott Sharp, Carlos Zíngaro, Ken Filiano e Thomas Ulrich. Entre os quatro destaca-se primeiramente Sharp, notável improvisador, senhor de uma extensa discografia e com um reconhecimento que se estende para lá das fronteiras da free-improv até às margens do rock mais descomprometido. Carlos Zíngaro será porventura o mais importante músico português em actividade na área da livre-improvisação, com um currículo impressionante (facto que é, seguramente, ignorado pela grande maioria dos seus compatriotas). Ken Filiano, incansável contrabaixista, e Thomas Ulrich, proeminente violoncelo, completavam um grupo que prometia muito.

Perante uma sala invulgarmente apinhada, o quarteto começou a improvisar por fases. A guitarra de Sharp, o instrumento mais afastado da restante família de cordas, começou por ser o centro das atenções; às indicações sonoras de Sharp o violoncelo encarregou-se de responder e o violino de Zíngaro entrou logo a seguir no jogo. Assim foi o primeiro tema, com os três em convívio, ficando Ken Filiano de fora, apenas a observar. Na música seguinte foi o contrabaixo de Filiano o primeiro a fazer-se notar e a dominar o espectro musical, para não mais perder a engrenagem. O fim de tarde foi-se construindo na interligação de sons - por vezes curtas frases, outras vezes diálogos e discursos - que os quatro músicos souberam com muita clareza partilhar.

Elliott Sharp não deixou os créditos por mãos alheias e teve na guitarra alguns dos momentos mais interessantes. O violoncelo de Ulrich soube ser particularmente interventivo e as expressões faciais do executante eram o testemunho exacto do seu entusiasmo. Carlos Zíngaro esteve sempre presente, preenchendo todos os espaços, dando atenção ao grupo e desenvolvendo ideias próprias. E Ken Filiano manteve o contrabaixo palpitante e durante todo o concerto.

Pressionadas pelo arco ou pelo pizzicatto, as cordas foram chiando, brotando cascatas imensas de sons que se foram seguindo, por vezes resultando numa natural confluência, por outros momentos divergindo em sentidos opostos – e tudo supervisionado numa invisível união, numa lógica cruelmente efémera. Ao vivo, TECK String Quartet foi um quadro magnífico de música irrepetível, quatro excelentes músicos em redor de uma música que teima fugir à banalidade - riquíssima e nobre, é música enérgica e poderosa, e, em simultâneo, capaz de transmitir emoções com uma intensidade de arrepiar.

Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
06/02/2006